Santo Onofre 

12 de Junho

Santo Onofre 

Onofre foi um eremita que viveu no Egito no final do século IV e início do século V. Ele foi encontrado por um abade chamado Pafúncio. Acostumado a fazer visitas a alguns eremitas na região de Tebaida, esse abade empreendeu sua peregrinação a fim de descobrir se também seria chamado a vivê-la.

Pafúncio perambulou no deserto durante vinte e um dias, quando, totalmente exausto e sem forças, caiu ao chão. Nesse instante, viu aparecer uma figura que o fez estremecer: era um homem idoso, de cabelos e barbas que desciam até o chão, recoberto de pêlos tal qual um animal, usando uma tanga de folhas.

Era comum os eremitas serem encontrados com tal aspecto, pois viviam sozinhos no isolamento do deserto. No final, ficavam despidos porque qualquer vestimenta era difícil de ser encontrada e reposta.

No primeiro instante, Pafúncio pôs-se a correr, assustado, com aquela figura. Porém, minutos depois, essa figura o chamou dizendo que nada temesse, pois também era um ser humano e servo de Deus.

O abade retornou ao local e os dois passaram a conversar. Onofre disse a Pafúncio o seu nome e explicou-lhe a sua verdadeira história. Era monge em um mosteiro, mas sentira-se chamado à vida solitária. Resolveu seguir para o deserto e levar a vida de eremita, a exemplo de são João Batista e do profeta Elias, vivendo apenas de ervas e do pouco alimento que encontrasse.

Onofre falou sobre a fome e a sede que sentira e também sobre o conforto que Deus lhe dera alimentando- o com os frutos de uma tamareira que ficava próxima da gruta que era sua moradia. Em seguida, conduziu Pafúncio à tal gruta, onde conversaram sobre as coisas celestes até o pôr-do-sol, quando apareceu, repentinamente, diante dos dois, um pouco de pão e água que os revigorou.

Pafúncio falou a ele sobre seu desejo de tornar-se um eremita. Mas Onofre disse que não era essa a vontade de Deus, que o tinha enviado para assistir-lhe a morte. Depois, deveria retornar e contar a todos sua vida e o que presenciara. Pafúncio ficou, e assistiu quando um anjo deu a Eucaristia a Onofre antes da morte, no dia 12 de junho.

Retornando à cidade, escreveu a história de santo Onofre e a divulgou por toda a Ásia. A devoção a este santo era muito grande no Oriente e passou para o Ocidente no tempo das cruzadas. O dia 12 de junho foi mantido pela Igreja, tendo em vista a época em que Pafúncio viveu e escreveu o livro da vida de santo Onofre, que buscou de todas as maneiras os ensinamentos de Deus.

Texto: Paulinas Internet


São Barnabé

11 de Junho

São Barnabé

Em 11 de junho, a Igreja celebra São Barnabé, apóstolo considerado pelos primeiros Padres da Igreja e por São Lucas devido à especial missão que o Espírito Divino lhe confiou.

Barnabé era apreciado pelos Apóstolos por ser um “homem de bem e cheio do Espírito Santo e de fé” (At 11,24).

Seu verdadeiro nome era José, mas os apóstolos mudaram para Barnabé, que significa “Filho da Consolação”. Nos Atos dos Apóstolos (At 4) conta-se que vendeu sua propriedade e deu os recursos para os apóstolos, para que fossem distribuídos entre os pobres.

Colaborou bastante com São Paulo e suas pregações converteram muitos. Ambos estiveram por um tempo em Antioquia, lugar que se tornou o centro de evangelização e onde os seguidores de Cristo foram chamados pela primeira vez de cristãos. Os fiéis desta cidade os enviaram a Jerusalém com uma coleta para aqueles que estavam passando fome na Judeia.

O Espírito Santo recomendou aos dois Apóstolos uma missão por meio dos mestres e profetas que adoravam a Deus, receberam a imposição das mãos e partiram acompanhados durante um tempo pelo evangelista São Marcos, primo de Barnabé. Pregaram em vários lugares.

Depois de visitar diferentes cidades, confirmar os convertidos e ordenar sacerdotes, voltaram para Antioquia e, em seguida, foi realizado o Concílio de Jerusalém, no qual se declarou que os “gentios” não tinham o dever da circuncisão.

Para a segunda viagem missionária, Paulo com Silas e Barnabé com São Marcos tomaram caminhos diferentes. Posteriormente, os dois Apóstolos se encontraram novamente nas missões de Corinto.

Diz-se que Barnabé morreu apedrejado por judeus invejosos das conversões que obtinha. Seus restos mortais foram enterrados perto Salamina e encontrado no ano 488. O apóstolo tinha em seu peito o Evangelho de São Mateus, escrito em sua própria mão. Mais tarde, foi transferido para Mancheras (Chipre).

Fonte: https://www.acidigital.com


Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

– Amor e veneração por Jesus Sacramentado.
– Alimento para a vida eterna.
– A procissão do Corpus Christi.

Esta solenidade remonta ao século XIII, quando começou a ser celebrada na diocese de Liège, e o Papa Urbano IV estendeu-a a toda a Igreja em 1264. Tem por fim prestar culto à presença real de Cristo na Eucaristia, um culto que, conforme já era descrito por Urbano IV, deve ser popular, refletido em hinos e em alegria. A pedido do Papa, São Tomás de Aquino compôs para o dia de hoje dois ofícios que alimentaram a piedade de muitos cristãos ao longo dos séculos. A procissão com o ostensório pelas ruas engalanadas testemunha a fé e o amor do povo cristão por Cristo que volta a passar pelas nossas cidades e aldeias. A procissão nasceu ao mesmo tempo que a festa.
Nos lugares onde esta festa não é de preceito, celebra-se – como dia próprio – no domingo seguinte ao da Santíssima Trindade.

I. LAUDA, SION, SALVATOREM... “Louva, Sião, o Salvador; louva o guia e o pastor com hinos e cânticos” 1. Hoje celebramos esta grande Solenidade em honra do mistério eucarístico. Nela se unem a liturgia e a piedade popular, que não economizaram talento e beleza para cantar o Amor dos amores. São Tomás compôs para este dia os belíssimos textos da Missa e do Ofício divino.

Hoje devemos dar muitas graças ao Senhor por ter permanecido entre nós, desagravá-lo e mostrar-lhe a nossa alegria por tê-lo tão perto: Adoro te, devote, latens Deitas... adoro-Vos com devoção, Deus escondido..., dir-lhe-emos hoje muitas vezes na intimidade do nosso coração. E na nossa Visita ao Santíssimo poderemos continuar a dizer-lhe devagar, com amor: Plagas, sicut Thomas, non intueor..., não vejo as chagas como Tomé, mas confesso que sois o meu Deus. Fazei que eu creia mais e mais em Vós, que em Vós espere, que Vos ame.

A fé na presença real de Cristo na Sagrada Eucaristia levou à devoção a Jesus Sacramentado também fora da Missa. Nos primeiros séculos da Igreja, começaram a conservar-se as Sagradas Espécies para se poder ministrar a comunhão aos doentes e aos que, por terem confessado a sua fé, se encontravam nas prisões à espera de serem martirizados. Com o passar do tempo, a fé e o amor dos fiéis enriqueceram a devoção pelo Corpo do Senhor e levaram a tratá-lo com a máxima reverência e a dar-lhe culto público. Desta veneração temos muitos testemunhos nos mais antigos documentos da Igreja, e foi ela que deu origem à festa que hoje celebramos.

O amor à Eucaristia pode manifestar-se de muitas maneiras: é a bênção com o Santíssimo, é a oração diante de Jesus Sacramentado, são as genuflexões feitas como verdadeiros atos de fé e de adoração... E dentre essas devoções e formas de culto “merece especial menção a solenidade do Corpus Christi, como ato público tributado a Cristo presente na Eucaristia [...]. A Igreja e o mundo têm uma grande necessidade do culto eucarístico. Jesus espera-nos neste sacramento do amor. Não regateemos o nosso tempo para ir encontrá-lo na adoração, na contemplação cheia de fé e desejosa de reparar as graves faltas e delitos do mundo. Não cesse nunca a nossa adoração”2.

O dia de hoje deve estar especialmente cheio de atos de fé e de amor a Jesus Sacramentado. Se participarmos da procissão, acompanhando Jesus, deveremos fazê-lo como aquele povo simples que, cheio de alegria, ia atrás do Mestre nos dias da sua vida na terra, manifestando-lhe espontaneamente as suas necessidades e dores, como também a felicidade de estarem com Ele. Se o virmos passar pela rua, exposto no ostensório, dar-lhe-emos a saber do íntimo do coração tudo o que representa para nós... “Adoremo-lo com reverência e com devoção; renovemos na sua presença o oferecimento sincero do nosso amor; digamos-lhe sem medo que o amamos; agradeçamos-lhe esta prova diária de misericórdia, tão cheia de ternura, e fomentemos o desejo de nos aproximarmos da Comunhão com confiança. Eu me surpreendo diante desse mistério de amor: o Senhor procura como trono o meu pobre coração, para não me abandonar se eu não me afasto dEle” 3. Nesse trono, que é o nosso coração, Jesus está mais alegre do que no mais esplêndido ostensório.

II. O SENHOR ALIMENTOU o seu povo com a flor do trigo, e com o mel do rochedo o saciou4, recorda-nos a Antífona de entrada da Missa.

Durante anos, o Senhor alimentou com o maná o povo de Israel no deserto. Esse povo é imagem e símbolo da Igreja peregrina e de cada homem que caminha para a pátria definitiva, o Céu; e o maná é figura do verdadeiro alimento, a Sagrada Eucaristia. “Este é o sacramento da peregrinação humana [...]. Precisamente por isso, a festa anual da Eucaristia, que a Igreja celebra hoje, contém inúmeras referências à peregrinação do povo da aliança pelo deserto”5. Moisés recordará freqüentemente aos israelitas essas intervenções prodigiosas de Deus em favor do seu povo: Para que não esqueças o Senhor teu Deus, que te tirou da escravidão do Egito... 6

Hoje é um dia de ação de graças e de alegria porque o Senhor também quis ficar conosco para que nunca nos sentíssemos perdidos, para nos alimentar, para nos fortalecer. A Sagrada Eucaristia é viático, isto é, alimento para o longo caminho da vida em direção à verdadeira Vida. Jesus acompanha-nos e robustece-nos aqui na terra, que é como que uma sombra comparada com a realidade que nos espera; e o alimento terreno é uma pálida imagem do alimento que recebemos na Comunhão. A Sagrada Eucaristia abre o nosso coração para uma realidade totalmente nova 7.

Embora celebremos esta festa apenas uma vez por ano, a Igreja proclama todos os dias esta felicíssima verdade: Jesus Cristo entrega-se todos os dias aos homens como alimento e fica com eles nos Sacrários para ser a fortaleza e a esperança de uma vida nova, sem fim nem termo. É um mistério sempre vivo e atual.

Senhor, obrigado por teres ficado conosco. O que seria de nós sem Ti? Aonde iríamos para restaurar as forças e pedir alívio? Como nos facilitas o caminho permanecendo no Sacrário!

III. CERTO DIA, O SENHOR deixava a cidade a caminho de Jerusalém e passou por um cego que pedia esmola à beira da estrada. Ao ouvir o barulho da pequena comitiva que acompanhava o Mestre, o cego perguntou o que era aquilo. E os que estavam ao seu lado responderam: É Jesus de Nazaré que passa8.

Se hoje, em tantas cidades e aldeias onde se vive esse antigo costume de levar Jesus Sacramentado em procissão pelas ruas, alguém perguntasse, ao ouvir também o rumor da multidão: “O que está acontecendo?”, poderiam responder-lhe com as mesmas palavras que se disseram a Bartimeu: É Jesus de Nazaré que passa. É Ele mesmo, que percorre as ruas recebendo a homenagem da nossa fé e do nosso amor. É Ele mesmo!

E, como no caso de Bartimeu, também o nosso coração deveria inflamar-se e gritar: Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim! E o Senhor, que passa abençoando e fazendo o bem9, terá compaixão da nossa cegueira e de tantos males que por vezes afligem a nossa alma. Porque a festa que hoje celebramos, com uma exuberância de fé e de amor, “quer romper o silêncio misterioso que circunda a Eucaristia e tributar-lhe um triunfo que ultrapassa os muros das igrejas para invadir as ruas da cidade e infundir em toda a comunidade humana o sentido e a alegria da presença de Cristo, silencioso e vivo acompanhante do homem peregrino pelos caminhos do tempo e da terra” 10.

E isto cumula-nos o coração de alegria. É lógico que os cânticos que acompanham Jesus Sacramentado, especialmente neste dia, sejam cânticos de adoração, de amor, de profunda alegria. Cantemos ao Amor dos amores, cantemos ao Senhor. Deus está aqui; vinde, adoradores, adoremos Cristo Redentor... “Pange, lingua, gloriosi”... Canta, ó língua, o mistério do glorioso Corpo de Cristo...

A procissão solene pelas ruas das aldeias e cidades é de origem muito antiga e constitui um testemunho público da piedade do povo cristão para com o Santíssimo Sacramento11. Neste dia, o Senhor toma posse das nossas ruas e praças, atapetadas em muitos lugares com flores e ramos; para esta festa projetaram-se magníficos ostensórios. Muitos serão os cristãos que hoje acompanharão o Senhor que sai em procissão, que sai ao encontro dos que o querem ver, “fazendo-se encontradiço dos que não o procuram. Jesus aparece assim, uma vez mais, no meio dos seus: como reagimos perante essa chamada do Mestre? [...].

“A procissão do Corpo de Deus torna Cristo presente nas aldeias e cidades do mundo. Mas essa presença [...] não deve ser coisa de um dia, ruído que se ouve e se esquece. Essa passagem de Jesus lembra-nos que devemos descobri-lo também nas nossas ocupações habituais. A par da procissão solene desta Quinta-Feira, deve avançar a procissão silenciosa e simples da vida comum de cada cristão, homem entre os homens, mas feliz de ter recebido a fé e a missão divina de se conduzir de tal modo que renove a mensagem do Senhor sobre a terra [...].

“Peçamos, pois, ao Senhor que nos conceda a graça de sermos almas de Eucaristia, que a nossa relação pessoal com Ele se traduza em alegria, em serenidade, em propósitos de justiça. E assim facilitaremos aos outros a tarefa de reconhecerem Cristo, contribuiremos para colocá-lo no cume de todas as atividades humanas. Cumprir-se-á a promessa de Jesus: Eu, quando for exaltado sobre a terra, tudo atrairei a mim (Jo 12, 32)”12.

(1) Seqüência Lauda, Sion, Salvatorem; (2) João Paulo II, Carta Dominicae Cenae, 24-II-1980, 3; (3) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 161; (4) Sl 80, 17; Antífona de entrada da Missa de Corpus Christi; (5) João Paulo II, Homilia, 4-VI-1988; (6) cfr. Deut 8, 2-3; 14-16; Primeira leitura, ib., ciclo A; (7) Lc 9, 11-17; cfr. Evangelho da Missa, ib., ciclo C; (8) Lc 18, 37; (9) cfr. At 10, 38; (10) Paulo VI, Homilia, 11-VIII-1964; (11) cfr. J. Abad e M. Garrido, Iniciación a la liturgia de la Iglesia, Palabra, Madrid, 1988, págs. 656-657; (12) São Josemaría Escrivá, op. cit., n. 156.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal


Beato Eduardo Poppe

10 de Junho

Beato Eduardo Poppe

Eduardo João Maria Poppe nasceu na cidade de Temsche, na Bélgica, no dia 18 de dezembro de 1890. Era o terceiro dos onze filhos de uma modesta família de trabalhadores.

Sua educação religiosa começou no seio da própria família, muito cristã. Depois foi estudar no colégio dos Irmãos da Caridade, onde completou o ensino básico. Aos quinze anos, entrou para o seminário de São Nicolau, na diocese de Gand, destacando-se como exemplo de caridade e piedade. Foi durante o serviço militar, prestado em 1910, que Eduardo percebeu sua vocação religiosa.

Aos vinte e dois anos, ele ingressou no Seminário Filosófico Leão XIII, de Louvain. Durante a Primeira Guerra Mundial, foi convocado a servir o exército, servindo junto à Cruz Vermelha como enfermeiro, atendendo as ambulâncias que chegavam com os feridos.

Em 1915, foi transferido para Gand e, no ano seguinte, era ordenado sacerdote. Logo foi nomeado vigário da paróquia de Santa Colete, naquela diocese, iniciando seu ministério entre a população mais pobre, difundindo a devoção à eucaristia e à Virgem Maria.

Preocupado em preparar as crianças para a primeira comunhão, formou um grupo de jovens catequistas para dar ênfase à devoção eucarística. Logo esse trabalho tornou-se conhecido e instituído em outras paróquias da diocese. Assim, padre Eduardo elaborou e escreveu "O manual do catequista eucarístico", em 1917, idealizado segundo os decretos do papa são Pio X. Mas não criou apenas o "manual", ele instituiu a "Liga da Comunhão Freqüente", estendida aos operários também.

O seu apostolado foi interrompido em 1918, quando foi nomeado diretor do Convento das Irmãs de São Vicente de Paulo, em Moerzeke-lez-Termonde. Lá, continuou com sua preocupação em manter acesa a chama da fé cristã nos jovens catequistas, todos filhos de famílias socialistas e anticlericais. Por isso publicou um semanário intitulado "Zonneland", que significa "País do Sol", direcionado à "Cruzada Eucarística Pio X" de toda a Bélgica.

Mais tarde, os problemas de saúde agravaram-se. Padre Eduardo convivia desde a infância com uma doença congênita no coração. Por tal motivo foi obrigado a viver numa poltrona. E foi nesse período que ele escreveu sua extensa e notável bibliografia catequética com ênfase na eucaristia. Dela se destacaram as obras: "Direção espiritual dos jovens", de 1920; "Salvemos os operários", de 1923; "Apostolado eucarístico paroquial", de 1923; "O amigo dos jovens" e "O método educativo eucarístico", ambas de 1924. Há outras publicadas depois de sua morte também.

Em 1921, o cardeal nomeou-o diretor espiritual do CIBI de Leopoldsburgo, reservado aos noviços que se destinavam ao serviço do altar. Lá também seu ministério floresceu. Porém, aos trinta e quatro anos de idade, padre Eduardo Poppe morreu repentinamente, no dia 10 de junho de 1924, no Convento de Moerzeke-lez-Termonde, durante o período das férias.

A sua morte causou forte comoção popular e no meio do clero, sendo imediatamente venerado por sua santidade. Ele foi beatificado, em 1999, pelo papa João Paulo II, que o nomeou "Pedagogo da Eucaristia".

Fonte: https://sagradamissao.com.br


As Graças Atuais

TEMPO COMUM. DÉCIMA SEMANA. QUARTA-FEIRA

– Necessidade da graça para realizar o bem.
– As graças atuais.
– Correspondência.

I. PELO PECADO ORIGINAL, a natureza humana perdeu o estado de santidade a que havia sido elevada por Deus e, conseqüentemente, ficou privada também da integridade e da ordem interior que possuía. Desde então, o homem já não tem a suficiente firmeza de vontade para cumprir todos os preceitos morais que conhece. Fazer o bem tornou-se-lhe difícil depois da aparição do pecado sobre a terra. E “é isto o que explica a íntima divisão do homem – ensina o Concílio Vaticano II –. Toda a vida humana, a individual e a coletiva, apresenta-se como luta, uma luta dramática entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas” 1.

A ajuda de Deus é absolutamente necessária para realizarmos atos de valor sobrenatural. Não é que, por nós mesmos, sejamos ca pazes de ter algum pensamento como próprio, mas a nossa capacidade provém de Deus 2. Além disso, depois do pecado original, essa ajuda tornou-se mais necessária. “Ninguém se liberta do pecado e se eleva sobre si mesmo por suas próprias forças; ninguém fica completamente livre da sua debilidade, da sua solidão ou da sua escravidão” 3; todos temos necessidade de Cristo, modelo, mestre, médico, libertador, salvador, vivificador 4. Sem Ele, nada podemos; com Ele, podemos tudo.

Ainda que a natureza humana não se tenha corrompido pelo pecado original, experimentamos – mesmo depois de termos sido batizados – uma tendência para o mal e uma grande dificuldade em fazer o bem: é o chamado fomes peccati ou concupiscência, que – sem ser pecado em si mesmo – procede do pecado e inclina para o pecado 5. A própria liberdade está debilitada, ainda que não tenha sido suprimida.

Compreendemos assim, à luz desta doutrina, que as nossas boas obras, os nossos frutos de santidade e de apostolado, são em primeiro lugar de Deus; e só secundariamente – muito secundariamente –, resultado de termos correspondido à graça como seus instrumentos, sempre frágeis e desproporcionados.

O Senhor pede-nos que tenhamos sempre em conta esta pobreza da nossa condição, evitando o perigo de uma vaidade tola. Porque amiúde – diz Santo Afonso Maria de Ligório – “o homem dominado pela soberba é um ladrão pior que os demais, porque não rouba bens terrenos, mas a glória de Deus [...]. Segundo afirma o Apóstolo, por nós mesmos, não podemos fazer nenhuma obra boa ou sequer ter um bom pensamento (cfr. 2 Cor 3, 5) [...]. E já que as coisas são assim, quando fizermos algum bem, digamos ao Senhor: Devolvemos-te, Senhor, o que de tuas mãos recebemos (1 Cron 29, 14)” 6. Devemos dizê-lo diante de qualquer fruto que nos tenha vindo às mãos. Oferecê-lo-emos de novo a Deus, pois sabemos bem que a malícia e as deficiências são nossas; a beleza e a bondade são dEle.

II. COMO OBSERVAMOS nas páginas do Evangelho, os encontros dos homens com Cristo foram únicos e irrepetíveis: Nicodemos, Zaqueu, a mulher adúltera, o bom ladrão, os Apóstolos... A ação de Deus já preparara lentamente aqueles homens e mulheres para que se abrissem ao Senhor no momento oportuno; e, após esse encontro singular e determinante, a graça de Deus continuou a acompanhá-los, suscitando e levando a cabo nas suas almas novas conversões, novos progressos.

Os nossos encontros com Cristo também foram irrepetíveis e únicos, como os dessas pessoas que o encontraram nas terras da Galiléia, junto ao lago de Genesaré, em Jerusalém ou num povoado da Samaria. E a partir daí Jesus está igualmente presente na nossa vida e, por sua bondade, continua a ajudar-nos com mil moções interiores para que nos aproximemos mais e mais dEle. São graças atuais, dons gratuitos e transitórios que desenvolvem os seus efeitos em cada alma de uma maneira particular. Quantas não recebemos nós em cada dia! Quantas mais não receberemos se não fecharmos as portas da alma a essa ação silenciosa e eficacíssima do Santificador!

O Espírito Santo – sem suprimir a nossa liberdade – ilumina-nos constantemente para que conheçamos a verdade, inspira-nos e puxa por nós a cada momento, antecedendo, acompanhando e aperfeiçoando as nossas boas ações. Deus é quem realiza em vós, não apenas o querer, mas o executar, segundo o seu beneplácito 7. Devemos pedir-lhe a sabedoria prática de procurar apoio nEle e não em nós, de ir buscar a nossa coragem nEle e não na habilidade da nossa inteligência ou dos nossos recursos pessoais; devemos escutar sempre, na vida prática, a advertência amorosa do Mestre: Sem mim, nada podeis fazer 8.

Na vida sobrenatural, seremos sempre principiantes, e devemos portanto conduzir-nos com a docilidade e a aplicação de uma criança que necessita em tudo dos mais velhos. São Francisco de Sales ilustra com um exemplo esta relação que há entre Deus e os homens: “Quando uma mãe ensina o seu filhinho a andar, ajuda-o e ampara-o tanto quanto necessário, deixando-o dar alguns passos pelos lugares menos perigosos e mais planos, pegando-o pela mão e sustendo-o, ou tomando-o nos braços e carregando-o. Da mesma maneira Nosso Senhor cuida continuamente de cada passo dos seus filhos” 9. Somos isso diante de Deus: crianças pequenas que não acabam de aprender a andar.

Cabe-nos corresponder a essa assistência amorosa, manifestar a nossa boa vontade, começar e recomeçar, sendo sinceros como uma criança simples no nosso diálogo com Deus e com o sacerdote a quem confiamos a direção da nossa alma; lutando com o brio de uma criança estimulada pela mãe na matéria do nosso exame particular, esse ponto bem concreto em que nos esforçamos por alcançar vitória de uma forma especial. Os nossos dias resumir-se-ão muitas vezes em pedir ajuda, corresponder e agradecer.

III. DEUS TRATA CADA ALMA com um respeito infinito, sem nunca forçar a sua vontade, e por isso o homem pode resistir à graça e tornar estéril o desejo divino. De fato, ao longo do dia, talvez em coisas pequenas, muitas vezes dizemos não a Deus. E devemos dizer sim ao que nos pede, e não ao nosso egoísmo, aos impulsos da soberba, à preguiça.

A resposta livre à graça de Deus deve dar-se no pensamento, nas palavras e nas ações 10. Não basta somente a fé para cooperarmos adequadamente: Deus pede-nos um esforço pessoal, pede-nos obras, iniciativas, desejos eficazes...

Ainda que, com a sua Morte na Cruz, tenha merecido para nós um tesouro infinito de bens, as graças que nos concede não nos são concedidas todas de uma vez; e a sua maior ou menor abundância depende de como lhes correspondemos.

Quando estamos dispostos a dizer sim ao Senhor em tudo, atraímos uma verdadeira chuva de dons 11. A graça inunda-nos quando somos fiéis às suas pequenas insinuações ao longo de cada dia: quando vivemos o “minuto heróico” à hora de nos levantarmos pela manhã e procuramos que o nosso primeiro pensamento seja para Deus, quando nos preparamos para a Santa Missa e afastamos as distrações que pretendem desviar-nos daquilo que importa, quando oferecemos o trabalho ou não nos esquivamos a um pequeno sacrifício, quando temos um detalhe de caridade...

Ninguém poderá dizer que foi esquecido ou desamparado por Deus, se faz o que está ao seu alcance, porque o Senhor concede o seu auxílio a todos, mesmo aos que estão fora da Igreja sem culpa própria 12. Mais ainda, o Senhor, infinitamente misericordioso e paciente, procura seguidamente, de mil modos diferentes, o regresso daquele que se foi embora com a herança e agora se encontra numa situação lamentável. Cada dia sai ao terraço, na esperança de enxergar ao longe o vulto do filho que retorna 13, e move-lhe o coração para que reempreenda o caminho que o trará de volta à casa paterna. E quando encontra correspondência às suas graças, derrama-se em ajudas e bens, e anima a subir mais e mais.

Se, nestes momentos de oração pessoal, percebermos que nos custa corresponder aos pequenos movimentos da graça, sigamos este conselho: “Tens de entrar em colóquio com Santa Maria e confiar-lhe: – Ó Senhora, para viver o ideal que Deus meteu no meu coração, preciso voar... muito alto, muito alto! [...]” 14.

E perto de Maria sempre encontramos José, seu esposo fidelíssimo, que tão bem e com tanta prontidão soube realizar o que Deus, através do Anjo, lhe ia manifestando. Podemos recorrer a ele ao longo do dia, para que nos ajude a ouvir claramente a voz do Espírito Santo em tantos detalhes e em ocasiões tão pequenas, e para que sejamos fortes em levar à prática essas suas sugestões.

(1) Cfr. Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 13; (2) 2 Cor 3, 5; Primeira leitura da Missa da quarta-feira da décima semana do TC, ano ímpar; (3) Santo Irineu, Contra as heresias, 3, 15, 3; (4) cfr. Conc. Vat. II, Decr. Ad gentes, 8; (5) Conc. de Trento, Decr. Sobre o pecado original, 5; (6) Santo Afonso Maria de Ligório, Seleta de temas de pregação, 2, 6; (7) Fil 2, 13; (8) Jo 15, 5; (9) São Francisco de Sales, Tratado do amor a Deus, 3, 4; (10) cfr. Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 14; (11) cfr. Pio XII, Enc. Mystici Corporis, 29-VI-1943; (12) cfr. Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 16; (13) cfr. Lc 15, 20; (14) cfr. Josemaría Escrivá, Forja, n. 994.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal


São José de Anchieta

09 de Junho

São José de Anchieta

José de Anchieta nasceu na Espanha, nas Ilhas Canárias, em 1534. Logo adolescente, foi estudar na cidade de Coimbra, em Portugal. Ali, distinguiu-se por sua disciplina e vida de virtudes. Com apenas 16 anos, diante de uma imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho, fez um voto de castidade, consagrando sua virgindade à Virgem Maria. Algum tempo depois, ingressou na recém-fundada Companhia de Jesus, onde desenvolveu uma piedade eucarística extraordinária, participando de várias Missas – ele chegava a acolitar cinco por dia – e aprendendo a adorar o Senhor na hóstia consagrada.

Apesar de seu entusiasmo, o noviço Anchieta tinha uma saúde muito frágil. Por conta de um problema sério que tinha na coluna, o rapaz chegou a supor que jamais poderia ser jesuíta. Por providência, o padre Manuel da Nóbrega, que já estava no Brasil, chamava os membros da Companhia para cá, principalmente os doentes, pois dizia que o clima daqui faria que se recuperassem logo. José de Anchieta veio, então, para o Brasil, por uma questão de saúde. Mas, já na viagem, foi obtendo melhora, ao cuidar de seus companheiros de tripulação que ficavam enjoados por causa do mar agitado.

Além de dar aulas para seus irmãos de Companhia, Anchieta, em um prazo de três anos, aprendeu tão bem a língua tupi que escreveu uma gramática. A catequese que dava às crianças era tão eficaz, que elas começavam a fiscalizar os seus pais para que eles não pecassem: desenvolveu-se nas tribos indígenas uma verdadeira “infância missionária".

O irmão Anchieta, como bom católico, sempre lia as coisas que lhe aconteciam com os olhos do sobrenatural. Tendo composto uma peça teatral, decidiu encená-la ao ar livre, para que o maior número de pessoas possível pudesse assistir-lhe. No entanto, uma imensa tempestade começou a aparecer no horizonte e todos, com medo, queriam ir embora. Anchieta, vendo nisto a ação do demônio, que queria ver as almas privadas dessa recreação piedosa, disse: “Não precisam ir embora, não vai chover". E, realmente, por três horas, a água ficou suspensa nas nuvens e não caiu.

José de Anchieta, bem como o padre Manuel da Nóbrega, estão ligados à fundação das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

Logo ao chegar ao Brasil, os dois empreenderam sua primeira viagem, a fim de criar um colégio, e, no dia 25 de janeiro, foi celebrada a primeira Missa na região que hoje é a cidade de São Paulo. A “terra da garoa" nasceu em grande virtude. Toda a gente acordava já bem cedo, as crianças punham-se a rezar o rosário e os adultos assistiam ao Santo Sacrifício – as mulheres de um lado, os homens de outro. Aqueles que já eram batizados e podiam comungar davam um nobre exemplo de devoção eucarística. Quando algum índio pagão aparecia-lhes propondo algum pecado, eles respondiam, com convicção: “Não fazemos isso, porque somos homens de comunhão".

O impulso missionário de Anchieta não cessava de engendrar novos cristãos: era cada vez maior o número dos índios que, admirados pelo celibato e pelo testemunho dos missionários, lhes pediam o batismo. São José de Anchieta fez resplandecer o brilho da castidade: em voto a Nossa Senhora, prometeu que contaria a Sua vida em versos, caso ela guardasse intacta a sua pureza. Por isso Anchieta é retratado escrevendo nas areias do mar. Foi aí que ele compôs 5786 versos em honra à Mãe de Deus, antes de passá-los ao papel.

Para se manter puro, Anchieta serviu-se de três armas, que continuam válidas para os sacerdotes, seminaristas e demais cristãos que querem guardar a castidade: a primeira, a oração, ele empunhou especialmente ao escrever com esmero e capacidade extraordinárias tantos versos à Santíssima Virgem; a segunda, a penitência, ele praticava quotidianamente, através de jejuns, vigílias e do uso do flagelo e do cilício – como escreve o padre Armando Cardoso, “Anchieta, que não tivera medo do bárbaro, teve medo do bárbaro dentro de si"; a terceira, o apostolado, ele usava incessantemente: ensinar os índios a fugir e evitar o pecado fez, no fim das contas, que ele mesmo se convertesse mais e se santificasse.

Algum tempo depois, na Bahia, José de Anchieta, já com 32 anos, foi finalmente ordenado sacerdote. Sua primeira Missa foi celebrada com todo zelo e piedade de um verdadeiro amante de Jesus eucarístico. Depois dessa se seguiriam muitas outras, rezadas nos mais remotos locais, já que o caráter sacerdotal não o destituiu de sua evidente vocação missionária.

Em suas andanças pelos “Brasis", Anchieta não só fazia incursões continente adentro, como visitava as aldeias já evangelizadas, para que fossem confirmadas na fé. Sempre descalço, com sua batina surrada, um rosário no pescoço e um crucifixo na mão, o incansável apóstolo atravessava vastas porções de terra. Os seus pés, de tão castigados, deixavam rastros de sangue por onde passavam.

Sua capacidade de mandar até sobre animais selvagens rendeu-lhe a alcunha de “primeiro Adão". Em sua própria explicação, “o homem obediente a Deus tem todas as criaturas subjugadas". Mais impressionante que seu poder com os animais, entretanto, era sua extraordinária capacidade com os índios. Em Iperoig, sozinho, quando os índios irados se aproximavam para matá-lo, eles imediatamente se detinham, olhavam para o seu rosto e desistiam de seu intento. Várias vezes, sertão adentro, índios selvagens se pacificavam tão somente com a sua presença.

Anchieta também ficou conhecido como grande taumaturgo. Conta-se que uma menina havia morrido, deixando seus pais desconsolados. O padre Anchieta chega, vai até o seu cadáver e diz-lhe: “Minha filha, tu estás querendo roubar o paraíso facilmente. Volta e luta". Imediatamente, a menina ressuscita.

Depois de uma vida totalmente gasta por causa do Evangelho, o reverendíssimo padre José de Anchieta morreu na cidade de Reritiba, Espírito Santo, aos 9 de junho de 1597. Após receber o viático, seu rosto, então pálido, ficou cheio de vida e ele pôde partir em paz, invocando os santíssimos nomes de Jesus e Maria. Ao receberem a notícia de sua morte, os indígenas acordavam, de madrugada, batiam nas portas uns dos outros e diziam: “Morreu o nosso pai, morreu quem nos amava, morreu aquele que deu a vida por nós".

Fonte: https://padrepauloricardo.org


O Sal Desvirtuado

TEMPO COMUM. DÉCIMA SEMANA. TERÇA-FEIRA

– A tibieza.
– A verdadeira piedade, os sentimentos e a aridez espiritual.
– Devemos ser sal da terra. Necessidade de vida interior.

I. O SENHOR DIZ aos seus discípulos que eles são o sal da terra 1; a sua ação no mundo é a mesma do sal: preserva os alimentos da corrupção e torna-os agradáveis e saborosos ao paladar. Mas o sal pode desvirtuar-se ou corromper-se. E então é um estorvo. Depois do pecado, é o que de mais triste pode acontecer a um cristão: ter sido chamado para oferecer luz a muitos, e ser escuridão; ter por missão sinalizar o caminho aos homens, e estar jogado no chão; ter sido posto para ser fortaleza de muitos, e não ser senão fraqueza.

A tibieza é uma doença da alma que afeta a inteligência e a vontade, e que deixa o cristão sem energia apostólica e com uma interioridade triste e empobrecida. Começa por uma vontade que se enfraquece devido às freqüentes faltas e desleixos culposos e acaba por levar a inteligência a não ver com clareza Cristo no horizonte da vida. A vida interior sofre uma profunda mudança, e as práticas de piedade ficam vazias de conteúdo, sem alma. Reza-se por rotina ou por costume, não por amor.

Nesse estado, perde-se a prontidão e a alegria que caracterizam uma alma enamorada de Deus. O cristão tíbio “está de volta”, é uma “alma cansada”. Na melhor das hipóteses, vê o Senhor como uma figura longínqua, pouco concreta, de traços pouco definidos, talvez fria e indiferente; e já não se empenha nas afirmações de generosidade de outros tempos: conforma-se com menos 2.

São Tomás indica como sinal característico deste estado “uma certa tristeza, que torna o homem lento em realizar atos espirituais devido ao esforço que exigem” 3. As normas de piedade e de devoção são mais uma carga mal suportada do que um motor que empurra e ajuda a vencer as dificuldades. São muitos os cristãos mergulhados na tibieza, há muito sal desvirtuado.

Pensemos agora neste tempo de meditação se caminhamos pela vida com a firmeza que Jesus nos pede, se cuidamos da nossa oração como o tesouro que permite que a vida interior não estacione, se alimentamos continuamente o nosso amor. Pensemos se, perante as nossas fraquezas e faltas de correspondência à graça, nascem prontamente dentro de nós os atos de contrição que reparam a brecha aberta pelo inimigo.

II. NÃO SE PODE CONFUNDIR o estado da alma tíbia com a aridez nos atos de piedade produzida às vezes pelo cansaço, pela doença ou pela perda do entusiasmo sensível. Nestes casos, apesar da secura, a vontade está firmemente enraizada no bem. A alma sabe que caminha diretamente para Cristo, ainda que esteja passando por um pedregal onde não encontra uma única fonte e em que as pedras ferem os seus pés. Mas sabe onde está o cume e dirige-se para lá, apesar da sede, do cansaço e do terreno que pisa. Não experimenta nenhum sentimento e o trato com Deus parece-lhe trabalhoso, mas conserva no seu interior a verdadeira devoção, que São Tomás de Aquino define como a “vontade decidida de entregar-se a tudo o que pertence ao serviço de Deus” 4.

Esta “vontade decidida” torna-se fraca no estado de tibieza: Tenho contra ti – diz o Senhor – que perdeste o fervor da primeira caridade 5, que esmoreceste, que já não me amas como antes. A pessoa que persevera com empenho na oração, mesmo numa época de aridez, de falta de sentimentos, encontra-se talvez como quem tira água de um poço, balde a balde: uma jaculatória e outra, um ato de desagravo, de fé, de confiança... É trabalhoso e custa esforço, mas consegue água. O tíbio, pelo contrário, deixa a imaginação correr à solta, não afasta com empenho as distrações voluntárias e praticamente abandona a oração com a desculpa de que não tira nenhum fruto dela. Sabemos muito bem que o verdadeiro trato com Deus, mesmo no meio da aridez, se o Senhor a permite, está cheio de frutos em qualquer circunstância, pois há uma vontade reta e decidida de estar com Ele.

Devemos recordar agora, na presença de Deus, que a verdadeira piedade não é questão de sentimento, ainda que os afetos sensíveis sejam bons e possam ser de grande ajuda na oração e em toda a vida interior, pois são parte importante da natureza humana, tal como Deus a criou. Mas não devem ocupar o primeiro plano na piedade; não são a parte principal das nossas relações com o Senhor.

A essência da piedade é a vontade firme de servir a Deus, independentemente dos estados de ânimo – tão variáveis – e de qualquer outra circunstância. Não podemos deixar-nos levar pela busca de “consolos” e emoções, mas pela inteligência iluminada e ajudada pela fé. “Guiar-se pelo sentimento é entregar a direção da casa ao criado e fazer abdicar o dono. Não é mau o sentimento, mas sim a importância que se lhe dá...”6

A tibieza é estéril, o sal desvirtuado não serve senão para ser lançado fora e pisado7. Pelo contrário, a aridez pode ser um sinal positivo de que o Senhor nos quer purificar e fortalecer.

III. NÓS, OS HOMENS, podemos ser causa de alegria ou de tristeza, luz ou escuridão, fonte de paz ou de inquietação, fermento que faz crescer a massa ou peso morto que atrasa o avanço dos outros.

A nossa passagem pela terra não pode deixar de ter conseqüências: ou ajudamos os outros a encontrar Cristo ou os separamos dEle; ou os enriquecemos ou os empobrecemos. E temos tantos amigos, colegas de profissão, familiares, vizinhos..., que parecem caminhar cegamente atrás dos bens materiais, que não parecem saber onde está o verdadeiro bem, Jesus Cristo! Estão como que perdidos.

Ora bem, para que o guia de cegos não seja outro cego 8, não basta que saiba da meta só de ouvir dizer ou por vagas referências; para ajudar as pessoas, não basta que tenha um conhecimento difuso e superficial do caminho. É necessário que o percorra, que conheça por experiência os obstáculos... É preciso que tenha vida interior, contacto pessoal diário com Jesus, que vá conhecendo cada vez mais profundamente os seus próprios defeitos. O apostolado nasce de um grande amor, sempre crescente, por Cristo.

Os primeiros cristãos foram sal da terra e preservaram da corrupção pessoas e instituições, a sociedade inteira. Que terá acontecido então para que muitos cristãos de hoje dêem a triste impressão de serem incapazes de conter a onda de corrupção que assola a família, a escola, as instituições...? Porque a fé continua a ser a mesma de sempre. E Cristo vive entre nós como antes, e o seu poder continua a ser infinito, divino.

“Só a tibieza de tantos milhares, milhões de cristãos, explica que possamos oferecer ao mundo o espetáculo de uma cristandade que consente que se propague no seu próprio seio todo o tipo de heresias e de barbaridades. A tibieza tira a força e a fortaleza da fé e é amiga das concessões e dos caminhos cômodos, tanto no que diz respeito à própria pessoa como aos problemas coletivos” 9.

Existem muitas realidades, quer na vida pessoal, quer na pública, que se tornam difíceis de entender se não tivermos presente que a fé adormeceu em muitos que teriam que estar despertos, vigilantes e atentos; e que o amor se apagou em tanta e tanta gente. Em muitos ambientes, “cristão normal” é o tíbio e o medíocre. Nos primeiros cristãos, o “normal” era o “heróico de cada dia” e, muitas vezes, o martírio: a entrega da própria vida em defesa da fé.

Quando o amor esfria e a fé adormece, o sal desvirtua-se e já não serve para nada; é um autêntico estorvo. Que pena se um cristão fosse um estorvo! A tibieza é com freqüência a causa da ineficácia apostólica, pois então o pouco que se faz torna-se uma tarefa sem garbo humano nem elegância sobrenatural, sem espírito de sacrifício. Uma fé apagada e com pouco amor não convence nem encontra a palavra oportuna que arrasta os outros a um relacionamento mais profundo e íntimo com Cristo.

Peçamos fervorosamente ao Senhor a força necessária para reagir. Seremos sal da terra se mantivermos um trato pessoal com Deus, se recebermos a Sagrada Eucaristia cada vez com mais fé e amor. O amor foi e é o motor da vida dos santos. É a razão de ser de todas as vidas que se entregaram a Deus. O amor permite superar qualquer obstáculo pessoal ou do ambiente e torna-nos inabaláveis perante as contrariedades. Se a tibieza se detém diante da menor dificuldade e faz de um grão de areia uma montanha, o amor de Deus faz de uma montanha um grão de areia, transforma a alma, abre-lhe novos horizontes, torna-a capaz de empenhos mais altos e descobre capacidades desconhecidas.

Ao terminarmos a nossa meditação, recorremos com confiança à Santíssima Virgem, modelo perfeito de correspondência amorosa à vocação cristã, para que afaste eficazmente da nossa alma toda a sombra de tibieza. E pedimos também aos Anjos da Guarda que nos façam diligentes no serviço de Deus.

(1) Mt 5, 13; (2) cfr. F. Fernández Carvajal, La tibieza, págs. 20 e segs.; (3) São Tomás, Suma Teológica, I, q. 63, a. 2; (4) São Tomás, op. cit., II-II, q. 82, a. 1; (5) Apoc 2, 4; (6) J. Tissot, A vida interior, pág. 100; (7) Mt 5, 13; (8) cfr. Mt 15, 14; (9) P. Rodriguez, Fe y vida de fe, pág. 142.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal


Santo Efrém

08 de Junho

Santo Efrem

Efrém nasceu em 306 em Nisibina ou em seus arredores (Mesopotâmia), depois de ter estudado junto ao bispo daquela cidade, Jacob (Jaime) se converteu no animador de uma escola de doutrina, poesia e canto. Refugiou-se em Edesa no ano 367, por causa da ocupação persa de Nisibina, e nela prosseguiu suas atividades de ensinamento, unidas a composição de muitos escritos exegéticos, catequéticos e hinos em siríaco.

Sua exuberância poética era tão grande e tal o gosto dos sírios pela poesia, que muitas homilias estão compostas em versos. Recebeu o título de "Profeta dos Sírios" e "Cítara do Espírito Santo" e a tradição se alegrou em engrandecê-lo, ao estilo dos dois primeiros apotegmas, atribuindo-lhe a concessão milagrosa dos carismas da palavra, da sabedoria e também das lágrimas. A respeito dele foi escrito que era tão natural vê-lo chorar como respirar.

Levou, desde muito jovem, juntamente com outros, vida comum na castidade, pobreza e penitência e retiro, compatível, não obstante, com o ensinamento e a pregação. Foi ordenado diácono, mas não sabemos exatamente quando. Muitos são os escritos sobre a sua vida, mas lamentavelmente, mistura-se muitos elementos lendários. Várias fontes revelam que se ocupou com grande generosidade a assistência aos enfermos, famintos, dando sepultura aos mortos numa época de grande miséria. Seja verdadeira ou não esta informação, é de grande significado, pois a Tradição queria transmitir dele um perfil completo, não só como grande escritor e compositor de hinos, como também, a imagem de um diácono entregue ao serviço dos mais necessitados.

A grandeza de Santo Efrém chegou ao seu ponto mais elevado nos cantos de louvor à Mãe de Deus. Faltava ainda muito tempo para o Concílio de Éfeso e já o pensamento de Efrém sobre ela havia adquirido um grande desenvolvimento e aprofundamento. Nela contempla e celebra a extraordinária beleza e vê refulgir nela, mediante uma co-participação extremamente contínua e privilegiada, a conformidade com Cristo: O Senhor e sua Mãe são os únicos seres perfeitamente belos neste mundo contaminado; na Senhora, resplandece uma semelhança com Deus única e excepcional. Estes pensamentos são expressados de maneira repetida por Efrém, sobretudo nos Hinos para a Natividade. Morreu no ano 373, sendo tão venerado que rapidamente seus hinos e outros escritos foram introduzidos nas celebrações litúrgicas. Seus escritos foram traduzidos para o grego e latim e, com adaptações, introduzidos em muitíssimas recopilações; sob o impulso do grande, ainda que ingênuo, entusiasmo e amor que se lhe professava, atribuíram-lhe falsamente muitas obras que não o pertenciam.

O padre Efrém teve, quando criança, um sonho ou uma visão: saía uma videira de sua boca e crescia e enchia toda terra; e estava completamente cheia de ramos; e vieram todos os pássaros do céu e comeram do fruto da videira. Mas, quanto mais comiam, mais se multiplicavam os frutos.

Outra vez, um dos santos teve esta visão: um exército de anjos descia do céu por ordem de Deus e levava um rolo na mão, ou seja, um volume escrito de ambos os lados. E se perguntavam: "a quem devemos confiá-lo?" Uns diziam: "a este"; outros diziam: "a este outro"; finalmente, se decidiram e disseram: "verdadeiramente são santos e dignos, mas a ninguém pode ser confiado este livro senão a Efrém". Logo viu o ancião que entregavam o volume a Efrém; ... Ao amanhecer, quando se levantou, ouviu como um fonte que brotava da boca de Efrém, enquanto compunha, e soube assim que provinha do Espírito Santo o que saía de seus lábios.

Um dia, enquanto Efrém passeava pelo caminho, surgiu uma meretriz de emboscada para seduzi-lo ou, ao menos, para provocá-lo, posto que ninguém o havia visto jamais preso pela ira. Ele a disse: "segue-me". Quando chegaram a um lugar muito movimentado, disse-lhe: "faz o que queres aqui, neste lugar". Mas ela, vendo a multidão disse: "como podemos fazer diante desta grande multidão sem sentir vergonha?" E ele respondeu: "se nos envergonhamos diante das pessoas, tanto mais deveríamos nos envergonhar diante de Deus que escuta no segredo das trevas". E ela, cheia de vergonha, afastou-se sem ter realizado o que pretendia.

Fonte: https://www.ecclesia.com.br


A Misericórdia Divina

TEMPO COMUM. DÉCIMA SEMANA. SEGUNDA-FEIRA

– A misericórdia de Deus é infinita, eterna e universal.
– A misericórdia implica termos cumprido previamente os ditames da justiça, e ultrapassa as exigências dessa virtude.
– Frutos da misericórdia.

I. SÃO PAULO CHAMA A DEUS Pai das misericórdias 1, sublinhando assim a sua infinita compaixão pelos homens, que ama muito intimamente. Talvez poucas verdades se repitam nos textos sagrados tão insistentemente como esta: Deus é infinitamente misericordioso e compadece-se dos homens, sobretudo daqueles que sofrem a miséria mais profunda que é o pecado. Para que o aprendamos bem, a Sagrada Escritura ensina-nos com uma grande variedade de termos e de imagens que a misericórdia de Deus é eterna, isto é, sem limites no tempo 2; imensa, sem limites de lugar nem de espaço; e universal, pois não se limita a um povo ou a uma raça, e é tão extensa e ampla quanto as necessidades do homem.

A encarnação do Verbo, do Filho de Deus, é prova desta misericórdia divina. Ele veio perdoar, veio reconciliar os homens entre si e com o seu Criador. Manso e humilde de coração, oferece alimento e descanso a todos os atribulados 3. O Apóstolo São Tiago chama ao Senhor piedoso e compassivo 4. Segundo a Epístola aos Hebreus, Cristo é o Pontífice misericordioso 5; e esta atitude divina para com o homem é a razão de ser da ação salvadora de Deus 6, que não se cansa de perdoar e de impelir os homens para a Pátria definitiva, ajudando-os a superar as fraquezas, a dor e as deficiências desta vida. “Revelada em Cristo, a verdade a respeito de Deus, Pai das misericórdias, permite-nos «vê-lo» particularmente próximo do homem, sobretudo quando este sofre, quando é ameaçado no próprio núcleo da sua existência e da sua dignidade”7. Por isso a súplica constante dos leprosos, cegos, coxos… a Jesus é: Senhor, tem misericórdia de mim 8.

A bondade de Jesus para com os homens, para com todos nós, excede as medidas humanas.

“Àquele homem que caiu nas mãos dos ladrões, que foi por eles desnudado, espancado, abandonado meio morto, Ele o reconfortou, curando-lhe as feridas, derramando nelas o seu azeite e vinho, fazendo-o montar a sua própria cavalgadura e instalando-o na pousada para que cuidassem dele, dando para isso uma quantia de dinheiro e prometendo ao hospedeiro que na volta pagaria o que gastasse a mais” 9.

O Senhor teve esses cuidados com cada homem em particular. Muitas vezes recolheu-nos feridos à beira da estrada da vida, derramou bálsamo sobre as nossas feridas, vendou-as… e não uma, mas inúmeras vezes. Na sua misericórdia está a nossa salvação. Tal como os doentes, cegos e aleijados do Evangelho, também nós devemos pôr-nos diante do Sacrário e dizer humilde e confiadamente ao Senhor: Jesus, tem misericórdia de mim…

II. BEM-AVENTURADOS os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia 10, lemos no Evangelho da Missa. Há uma especial urgência por parte de Deus em que os seus filhos tenham essa atitude para com os seus irmãos; Ele nos diz que a sua misericórdia para conosco se dará na proporção da que nós mesmos praticarmos: com a medida com que medirdes sereis medidos 11.

Haverá proporção, não igualdade, porque a bondade de Deus supera todas as nossas medidas. A um grão de trigo corresponderá um grão de ouro; à nossa medida de trigo, uma medida de ouro; aos cinqüenta denários que perdoarmos, os dez mil talentos (uma fortuna incalculável) que devemos a Deus.

Mas se o nosso coração se endurecer diante das misérias e fraquezas alheias, a porta para entrarmos no Céu será terrivelmente mais estreita. “Quem quiser alcançar misericórdia no Céu deve praticá-la neste mundo. E por isso, já que todos desejamos misericórdia, atuemos de modo a que ela chegue a ser o nosso advogado neste mundo, para que nos livre depois no futuro. No Céu há uma misericórdia a que se chega pela misericórdia terrena”12.

Às vezes, pretende-se opor a misericórdia à justiça, como se aquela pusesse de lado as exigências desta. Trata-se de uma visão errônea, pois considera-se a misericórdia como um pretexto para acobertar a injustiça, quando, na realidade, é a plenitude da justiça. São Tomás de Aquino ensina 13 que, quando Deus atua com misericórdia, ultrapassa a justiça, o que pressupõe – quando nós o imitamos – que se começou por respeitá-la de forma plena. É como se uma pessoa desse duzentos denários a quem só lhe devesse cem; não só não vai contra a justiça, mas, além de satisfazer o que é justo, porta-se com liberalidade e misericórdia.

Esta atitude para com o próximo é, pois, a cabal realização de toda a justiça. Mais ainda, sem misericórdia, acaba-se por chegar a “um sistema de opressão dos mais fracos pelos mais fortes” ou a “uma arena de luta permanente de uns contra outros”, como adverte João Paulo II 14.

É óbvio que, se não se começa por viver a justiça, não se pode praticar a misericórdia que o Senhor nos pede. Mas, depois de darmos a cada um o que por justiça lhe pertence, a atitude misericordiosa leva-nos muito mais longe: por exemplo, a saber perdoar com prontidão as ofensas, sem esperar por uma reparação ou por um pedido de desculpas; a atualizar os ordenados dos que dependem de nós acima do estrito aumento do custo de vida; a ultrapassar os limites da cortesia no atendimento a um desconhecido que nos procura; a ajudar um filho que se esforçou pouco por tirar boas notas… São pequenos gestos sem os quais – permanecendo apenas no âmbito estreito da justiça – se tornaria impossível a vida familiar, a convivência nos locais de trabalho e o variado relacionamento social.

III. POR MUITO JUSTAS que cheguem algum dia a ser as relações entre os homens, sempre será necessário o exercício cotidiano da misericórdia.

A misericórdia é, como diz a sua etimologia, uma disposição do coração que nos leva a compadecer-nos – como se fossem próprias – das misérias que encontramos a cada passo e que nunca desaparecerão, por mais justas e bem resolvidas que possam parecer as relações entre os homens. Por isso, devemos exercê-la antes de mais nada pela compreensão com os defeitos alheios, mantendo uma atitude positiva, benevolente, que nos inclina a pensar bem dos outros, a aceitá-los com as suas particularidades, a desculpar-lhes de bom grado as falhas e os erros, sem deixar de ajudá-los da forma mais oportuna. É uma atitude que parte do respeito pela igualdade radical de todos os homens, pois todos somos filhos de Deus, apesar das diferenças e peculiaridades de cada um.

O Senhor fez desta bem-aventurança o caminho mais direto para alcançarmos a felicidade nesta vida e na outra. “É como um fio de água fresca que brota da misericórdia de Deus e que nos faz participar da sua própria felicidade. Ensina-nos – muito melhor que os livros – que a verdadeira felicidade não consiste em tomar e possuir, em julgar e ter razão, em impor a justiça segundo uma visão pessoal, mas em deixar-se tomar e agarrar por Deus, em submeter-se ao seu juízo e à sua justiça generosa, em aprender dEle a prática cotidiana da misericórdia” 15.

Compreenderemos então que é mais alegre dar do que receber 16, como nos diz o Senhor na única frase que nos chegou por intermédio de São Paulo, e não dos Evangelhos. Um coração compassivo e misericordioso transborda de paz e de alegria. Desse modo, alcançamos também essa misericórdia de que tanto precisamos; e deveremos isso àqueles que nos deram a oportunidade de fazer alguma coisa por eles mesmos e pelo Senhor. Santo Agostinho diz que a misericórdia é o polimento da alma, que a faz brilhar e ter uma aparência boa e formosa 17.

Terminando este tempo de oração, recorremos à nossa Mãe Santa Maria, pois Ela “é quem conhece mais a fundo o mistério da misericórdia divina. Sabe o seu preço e sabe como é alto. Neste sentido, chamamo-la também Mãe de misericórdia” 18.

Ainda que já tenhamos provas abundantes do seu amor maternal por cada um de nós, podemos dizer-lhe: Monstra te esse matrem! 19, mostra que és Mãe, e ajuda-nos a mostrar-nos como bons filhos teus e irmãos de todos os homens: misericordiosos e compassivos, como o teu Filho.

(1) 2 Cor 1, 1-7; Primeira leitura da Missa da segunda-feira da décima semana do TC, ano ímpar; (2) Sl 100; (3) Mt 11, 28; (4) Ti 5, 11; (5) Hebr 2, 17; (6) Tit 2, 11; 1 Pe 1, 3; (7) João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 30-XI-1980; (8) Mt 9, 27; 15, 22; 20, 30; Mc 10, 47; Lc 17, 13; (9) São Máximo de Turim, Carta 11; (10) Mt 5, 7; (11) Mt 7, 2; (12) São Cesário de Arles, Sermão 25; (13) São Tomás, Suma Teológica, I, q. 21, a. 3, ad. 2; (14) João Paulo II, op. cit., 14; (15) S. Pinckaers, En busca de la felicidad, Palabra, Madrid, 1981, págs. 126-127; (16) cfr. At 20, 35; (17) cfr. Santo Agostinho, Catena Aurea, vol. I, pág. 48; (18) João Paulo II, op. cit., 9; (19) Liturgia das Horas, Segundas vésperas do Comum da Virgem Maria, Hino Ave, maris stella.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.


A Inabitação da Santíssima Trindade na Alma

DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES. SANTÍSSIMA TRINDADE

– Presença de Deus, Uno e Trino, na alma em graça.
– A vida sobrenatural do cristão encaminha-se para o conhecimento e o trato com a Santíssima Trindade.
– Templos de Deus.

I. SE ALGUÉM ME AMA, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos a ele, e nele faremos morada1, respondeu Jesus na Última Ceia a um dos seus discípulos que lhe tinha perguntado por que haveria de manifestar-se a eles e não ao mundo, como pensavam os judeus daquele tempo sobre a aparição do Messias. O Senhor revela que não somente Ele, mas toda a Santíssima Trindade estaria presente na alma dos que o amam, como num templo 2. Esta revelação constitui “a substância do Novo Testamento” 3, a essência dos seus ensinamentos.

Deus – Pai, Filho e Espírito Santo – habita na nossa alma em graça não só com uma presença de imensidade, como se encontra em todas as coisas, mas de um modo especial, mediante a graça santificante4. Esta nova presença cumula de amor e de gozo inefável a alma que anda por caminhos de santidade. E é aí, no centro da alma, que devemos acostumar-nos a procurar a Deus nas situações mais diversas da vida. Exclamava São João da Cruz: “Eia, pois, alma formosíssima entre todas as criaturas, que tanto desejas saber o lugar onde está o teu Amado a fim de o buscares e a Ele te unires! Já te foi dito que és tu mesma o aposento onde Ele mora, e o recôndito e o esconderijo em que se oculta. Nisto tens motivos de grande contentamento e alegria, vendo como todo o teu bem e esperança se acha tão perto de ti a ponto de estar dentro de ti; ou, para dizê-lo melhor, não podes estar sem Ele. Vede – diz o Esposo – queo reino de Deus está dentro de vós (Lc 17, 21). E o seu servo, o Apóstolo São Paulo, confirma: Vós – diz – sois templos de Deus (2 Cor 6, 16)” 5.

Esta alegria da presença da Santíssima Trindade na alma não está reservada somente a pessoas extraordinárias, com carismas e qualidades excepcionais. Destina-se também ao cristão corrente, chamado à santidade no meio dos seus afazeres profissionais e que deseja amar a Deus com todo o seu ser; se bem que, como diz Santa Teresa de Jesus, “há muitas almas que permanecem rondando o castelo (da alma), no lugar onde montam guarda as sentinelas, e nada se lhes dá de penetrar nele. Não sabem o que existe em tão preciosa mansão, nem quem mora dentro dela”6. Nessa “preciosa mansão”, na alma que resplandece pela graça, está Deus conosco: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Esta presença, que os teólogos chamam inabitação, só difere da bem-aventurança dos que estão no Céu pela condição em que estes se encontram 7. E ainda que seja própria das Três Pessoas divinas, atribui-se ao Espírito Santo, pois a obra da santificação é própria do Amor.

Trata-se de uma revelação feita por Deus aos homens, como em confidência amorosa, e que sempre causou admiração aos cristãos e inundou os seus corações de paz e de alegria sobrenatural. Quando estamos bem ancorados nesta realidade sobrenatural – o Deus Uno e Trino que habita em nós –, convertemos a vida numaantecipação do Céu: é como mergulharmos na intimidade de Deus e conhecermos e amarmos a vida divina, da qual nos fazemos participantes. Oceano sem fundo da vida divina! / Cheguei às tuas margens com ânsias de fé / Diz-me: que tem o teu abismo que a tal ponto me fascina? / Oceano sem fundo da vida divina! / As tuas ondas atraíram-me... e vejo-me submergir! 8

II. O CRISTÃO COMEÇA a sua vida em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; e nesse mesmo Nome despede-se deste mundo para encontrar na plenitude da visão no Céu essas divinas Pessoas, com quem procurou familiarizar-se aqui na terra.

Um só Deus e Três divinas Pessoas: esta é a nossa profissão de fé, aquela que os Apóstolos recolheram dos lábios de Jesus e depois nos transmitiram, aquela em que todos os cristãos acreditaram desde o primeiro momento, aquela que o Magistério da Igreja sempre ensinou.

Os cristãos de todos os tempos, à medida que avançavam na sua caminhada para Deus, sentiram a necessidade de meditar nesta verdade fundamental da nossa fé e de relacionar-se com cada uma três Pessoas. Santa Teresa de Jesus conta-nos na sua Vida que, meditando numa das mais antigas fórmulas de fé sobre a Trindade – o chamado Símbolo Atanasiano ou Quicumque –, recebeu graças especiais para penetrar nessa maravilhosa realidade: “Certa vez em que rezava o Quicumque vult – escreve a Santa –, foi-me dado entender com tanta clareza a maneira como era um só Deus e Três Pessoas, que me espantei e fiquei muito consolada. Foi-me muitíssimo proveitoso para conhecer mais a grandeza de Deus e as suas maravilhas. E quando penso nisso ou se trata da Santíssima Trindade, parece que chego a entender como pode ser, e tenho nisso grande alegria” 9.

Toda a vida sobrenatural do cristão orienta-se para esse conhecimento e trato íntimo com a Trindade, que é “o fruto e o fim de toda a nossa vida” 10. Fomos criados e elevados à ordem sobrenatural precisamente para conhecer, servir e amar a Deus Pai, a Deus Filho e a Deus Espírito Santo, que habitam na alma em graça. Destas divinas Pessoas, o cristão chega a ter nesta vida “um conhecimento experimental” que, longe de ser uma coisa extraordinária, está dentro da via normal da santidade 11. Deus, no seu infinito amor por cada alma, deseja ardentemente dar-se a conhecer dessa maneira íntima e amorosa aos que seguem verdadeiramente as pegadas do seu Filho.

Neste caminho para a Trindade, temos o Espírito Santo como Guia e Mestre. Eu rogarei ao Pai – prometeu-nos o Senhor – e Ele vos dará outro Advogado, que estará convosco para sempre, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque Ele permanece convosco e está em vós. Não vos deixarei órfãos; virei a vós 12. Neste vós incluímo-nos jubilosamente todos os que fomos batizados e, de modo especial, os que queremos seguir Jesus de perto. É doce considerar que este mistério inacessível às forças da razão humana se torna luminoso para os que se colocam sob a luz da fé e a ação do Espírito Santo: A vós foi-vos dado conhecer os mistérios do reino dos céus 13. Peçamos-lhe hoje que nos guie nesse caminho cheio de luz.

III. AO MESMO TEMPO que pedimos ao Espírito Santo um grande desejo de purificar o coração, temos de ansiar por esse encontro íntimo com a Santíssima Trindade, sem nos retrairmos pelo fato de vermos cada vez mais claramente as nossas debilidades e a nossa rudeza no trato com Deus. Santa Teresa conta que, ao considerar certa vez a presença das Três divinas Pessoas na sua alma, “estava espantada de ver tanta majestade em coisa tão baixa como é a minha alma”, e então o Senhor disse-lhe: “Não é baixa, minha filha, pois está feita à minha imagem” 14.

Pode fazer-nos um grande bem considerar essas palavras como dirigidas a nós mesmos, pois hão de animar-nos a prosseguir nesse caminho que termina em Deus, como também a tratar as pessoas das nossas relações com a consciência de que possuem uma alma imortal, de que são imagem de Deus, e são ou podem chegar a sertemplos de Deus. Sor Isabel da Trindade, recentemente beatificada, escrevia à sua irmã, ao ter notícia do nascimento e batizado da sua primeira sobrinha: “Sinto-me penetrada de respeito perante esse pequeno santuário da Santíssima Trindade... Se estivesse ao lado dela, ajoelhar-me-ia para adorar Aquele que nela mora” 15.

A Igreja recomenda-nos que alimentemos a nossa piedade com alimentos sólidos, e por isso é bom recitarmos ou meditarmos nos símbolos de fé e nas orações compostas em louvor da Trindade: o Símbolo Atanasiano ou Quicumque (que antigamente os cristãos recitavam todos os domingos depois da homilia, e que ainda hoje muitos recitam e meditam em honra da Santíssima Trindade), o Triságio Angélico, especialmente na festa de hoje, o Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo... Quando, com a ajuda da graça, aprendemos a penetrar nestas práticas de devoção, é como se voltássemos a ouvir a palavra do Senhor: Bem-aventurados os vossos olhos porque vêem, e os vossos ouvidos porque ouvem! Pois em verdade vos digo: muitos profetas e justos desejaram ver o que vós vedes e não o viram e ouvir o que vós ouvis e não o ouviram 16.

Terminamos este tempo de oração repetindo no nosso coração, com Santo Agostinho: “Meu Senhor e meu Deus, minha única esperança, ouve-me para que eu não sucumba ao desalento e deixe de buscar-te. Que eu sempre anseie ver o teu rosto. Dá-me forças para te procurar, Tu que fizeste que eu te encontrasse e que me deste esperanças de um conhecimento mais perfeito. Diante de ti estão a minha firmeza e a minha debilidade: cura-me esta, conserva-me aquela. Diante de ti estão a minha ciência e a minha ignorância: se me abres a porta, recebe quem entra; se a fechas, abre a quem te chama. Faz que eu me lembre de ti, que te compreenda e te ame. Acrescenta em mim estes dons até a minha completa reforma [...].

“Quando estivermos na tua presença, cessarão estas muitas coisas que agora dizemos sem as compreender, e Tu serás tudo em todos, e então incoaremos um cântico eterno, louvando-te unanimemente e transformados também nós mesmos numa só coisa em ti” 17.

A contemplação e o louvor à Santíssima Trindade são a substância da nossa vida sobrenatural, e esse é também o nosso fim: porque no Céu, junto de nossa Mãe Santa Maria – Filha de Deus Pai, Mãe de Deus Filho, Esposa de Deus Espírito Santo: mais do que Ela, só Deus! 18 –, a nossa felicidade e o nosso júbilo serão um louvor eterno ao Pai, pelo Filho, no Espírito Santo.

(1) Jo 14, 23; (2) cfr. 1 Cor 6, 19; (3) Tertuliano, Contra Praxeas, 31; (4) cfr. São Tomás, S.Th., I, q. 43, a. 3; (5) São João da Cruz, Cântico espiritual, I, 7; (6) Santa Teresa, Primeiras moradas, 5, 6; (7) cfr. Leão XIII, Enc. Divini illud munus, 9-V-1897; (8) Sor Cristina de Arteaga, Sembrad, Ed. Monasterio de Santa Paula, Sevilha, 1982, LXXXV; (9) Santa Teresa, Vida, 39, 25; (10) São Tomás, Comentário ao Livro IV das Sentenças, I, d. 2, q. 1, exord.; (11) cfr. R. Garrigou-Lagrange, As três idades da vida interior, vol. I, pág. 118; (12) Jo 14, 16-18; (13) Mt 13, 11; (14) Santa Teresa, Contas de consciência, 41, 2; (15) Sor Isabel da Trindade, Carta à sua irmã Margarida; (16) Mt 13, 16-17; (17) Santo Agostinho, Tratado sobre a Trindade, 15, 28, 51; (18) Josemaría Escrivá,Caminho, n. 496.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal