Luta Ascética

TEMPO COMUM. DÉCIMA QUARTA SEMANA. TERÇA‑FEIRA

– Diariamente travam‑se muitos combates no coração do homem. Ajuda constante do Senhor.
– Para seguir Cristo, é necessário um esforço diário, alegre e humilde.
– Recomeçar muitas vezes. Recorrer à Virgem Nossa Mãe.

I. A MISTERIOSA LUTA de Jacó com um anjo em figura humana às margens do rio Iaboc assinala uma mudança radical na vida do Patriarca. Até então, Jacó tivera uma conduta demasiado humana, apoiada somente nos meios puramente naturais. A partir desse momento, confiará sobretudo em Deus, que reafirma nele a Aliança com o Povo eleito.

Jacó pôde vencer no combate somente por causa da força que Deus lhe comunicou, e a lição dessa façanha foi que não lhe haviam de faltar a bênção e a proteção divina nas dificuldades futuras 1. Assim o expressa o livro da Sabedoria: Concedeu‑lhe a palma no duro combate para ensinar‑lhe que a piedade prevalece contra tudo 2.

Para os Santos Padres, esta cena do Antigo Testamento é imagem do combate espiritual que o cristão deve travar contra forças muito superiores às dele, e contra as suas próprias paixões e tendências, inclinadas ao mal depois do pecado original: A nossa luta não é contra o sangue e contra a carne – adverte São Paulo –, mas contra os principados, contra as potestades, contra os dominadores deste mundo, contra os espíritos maus que estão no ar 3. São os anjos rebeldes, já vencidos por Cristo, mas que não deixarão de incitar‑nos ao mal até o fim da nossa vida.

Há diariamente combates no nosso coração, ensina Santo Agostinho. Cada homem luta na sua alma contra um exército. Os inimigos são a soberba, a avareza, a gula, a sensualidade, a preguiça... E é difícil – acrescenta o Santo – que esses ataques não nos produzam alguma ferida 4. Não obstante, temos a certeza da vitória se lançamos mão dos recursos que o Senhor nos deu: a oração, a mortificação, a sinceridade plena na conversa com o sacerdote, a ajuda do nosso Anjo da Guarda e, sobretudo, da nossa Mãe Santa Maria. Além disso, “se Aquele que entregou a sua vida por nós é o juiz dessa luta, que orgulho e confiança não devemos ter?

“Nos jogos olímpicos, o árbitro permanece no meio dos dois adversários, sem favorecer nem um nem outro, esperando pelo desfecho. Se o árbitro se coloca entre os dois combatentes, é porque a sua atitude é neutral. No combate contra o demônio, Cristo não permanece indiferente: está totalmente do nosso lado. Como pode isso acontecer? Vede que, logo depois de entrarmos na arena – são palavras de São João Crisóstomo a uns cristãos no dia do seu batismo –, Ele nos ungiu, enquanto acorrentava o outro. Ungiu‑nos com o óleo da alegria e atou o outro com correntes pesadas para lhe paralisar os assaltos. Se eu vier a tropeçar, Ele estende‑me a mão, levanta‑me da minha queda e volta a pôr‑me de pé” 5.

Por maiores que sejam as tentações, as dificuldades, as tribulações, Cristo é a nossa segurança. Ele não nos abandona! Ele não é neutral!, está sempre do nosso lado. Todos podemos dizer com São Paulo: Omnia possum in eo qui me confortat, tudo posso em Cristo que me conforta, que me dá a ajuda de que necessito, se sei recorrer a Ele e aos meios que estabeleceu.

II. CAMINHAVA UM EXCURSIONISTA em direção a um refúgio de alta montanha; a subida ia‑se tornando cada vez mais íngreme, e por vezes custava‑lhe vencer as etapas; o frio açoitava‑lhe o rosto, mas o lugar era impressionante pelo silêncio que ali reinava e pela beleza da paisagem. O refúgio, simples e tosco, revelou‑se muito acolhedor. Não demorou a observar que, sobre a lareira, alguém deixara escrita uma frase com que se identificou plenamente: “O meu lugar está no cume”.

Ali está também o nosso lugar: no cume, ao lado de Cristo, num desejo contínuo de aspirar à santidade apesar de conhecermos bem o barro de que estamos feitos, as nossas fraquezas e retrocessos. Sabemos também que o Senhor nos pede que escalemos a montanha mediante o esforço pequeno e contínuo por lutar sem tréguas contra as paixões que tendem a arrastar‑nos para baixo. O que nos fará perseverar nesse combate é o amor pelo cume, o amor profundo por Cristo, a quem procuramos incessantemente 6.

A luta ascética do cristão deve ser positiva, alegre, constante, com “espírito esportivo”. “A santidade tem a flexibilidade dos músculos soltos. Quem quer ser santo sabe comportar‑se de tal maneira que, ao mesmo tempo que faz uma coisa que o mortifica, omite – se não é ofensa a Deus – outra que também lhe custa, e dá graças ao Senhor por essa comodidade. Se nós, os cristãos, atuássemos de outro modo, correríamos o risco de tornar‑nos rígidos, sem vida, como uma boneca de trapos. A santidade não tem a rigidez do cartão: sabe sorrir, ceder, esperar. É vida: vida sobrenatural” 7.

Na luta interior, também encontraremos fracassos. Muitos deles terão pouca importância; outros serão mais sérios, mas o desagravo e a contrição aproximar‑nos‑ão mais do Senhor. E se tivermos quebrado em pedaços o que temos de maior valor na nossa vida, Deus saberá recompô‑lo se formos humildes. Ele perdoa e ajuda sempre, quando o procuramos de coração contrito. Devemos aprender a recomeçar muitas vezes; com uma alegria nova, com uma humildade nova, pois mesmo quando se ofendeu muito a Deus e se fez muito mal aos outros, pode‑se voltar a estar muito perto do Senhor nesta vida e depois na outra, se existe verdadeiro arrependimento, se se leva uma vida acompanhada de penitência. Humildade, sinceridade, arrependimento... e recomeçar novamente.

Deus conta com a nossa fragilidade e perdoa sempre, mas é preciso saber levantar‑se. Há uma alegria incomparável no céu cada vez que recomeçamos. E ao longo do nosso caminhar teremos que fazê‑lo em muitas ocasiões, porque sempre teremos faltas, deficiências, fragilidades, pecados. Que não nos falte a alegria de retificar e de começar tudo outra vez.

III. A LUTA DIÁRIA do cristão concretiza‑se ordinariamente em coisas pequenas: na fortaleza necessária para cumprir delicadamente os atos de piedade, sem trocá‑los por qualquer outra coisa que se apresente momentaneamente, sem deixar‑se levar pelo estado de ânimo desse dia ou desse momento; no modo de viver a caridade, corrigindo as formas destemperadas do caráter (do mau caráter); em fazer do trabalho profissional o campo por excelência de aquisição das virtudes humanas e cristãs; em perseverar no bom‑humor precisamente quando de um ponto de vista humano estaria justificado que o perdêssemos...

Coisas pequenas, constantes, em que umas vezes vencemos e outras somos vencidos. Mas... vitórias e derrotas, cair e levantar‑se, recomeçar sempre..., isso é o que o Senhor nos pede a todos. Esta luta exige um amor vigilante, um desejo eficaz de procurar o Senhor ao longo do dia. Este esforço alegre é o pólo oposto da tibieza, que é apatia, desleixo, falta de interesse em procurar a Deus, preguiça e tristeza nas obrigações para com Ele e para com os outros.

Neste combate, contamos sempre com a ajuda da nossa Mãe Santa Maria, que segue passo a passo o nosso caminhar em direção ao seu Filho. Na Liturgia das Horas, a Igreja recomenda todos os dias aos sacerdotes esta Antífona da Virgem: Salve, Mãe soberana do Redentor, Porta do Céu sempre aberta, Estrela do mar; socorre o povo que sucumbe e luta por levantar‑se...8 Este povo que cai e que luta por levantar‑se somos todos nós.

E essa mudança que se produz sempre que recomeçamos – ainda que em aspectos que parecem de pouca importância: no exame particular, nos conselhos recebidos na conversa com o sacerdote, nos propósitos do exame de consciência – é a maior de todas as mudanças que podemos imaginar. “A humanidade fez descobertas admiráveis e alcançou resultados prodigiosos no campo da ciência e da técnica, realizou grandes obras nas vias do progresso e da civilização, e em épocas recentes dir‑se‑ia que conseguiu acelerar o curso da história. Mas a mudança fundamental, aquela que se pode definir como “original”, acompanha sempre a caminhada do homem e, através dos diversos acontecimentos históricos, acompanha todos e cada um. É a mudança entre o “cair” e o “levantar‑se”, entre a morte e a vida” 9.

Cada vez que recomeçamos, que decidimos lutar uma vez mais, chega‑nos a ajuda de Santa Maria, Medianeira de todas as graças. Devemos recorrer a Ela com pleno abandono quando as tentações se embravecem.

“Minha Mãe! As mães da terra olham com maior predileção para o filho mais fraco, para o mais doente, para o mais curto de cabeça, para o pobre aleijado...

“– Senhora! Eu sei que tu és mais Mãe que todas as mães juntas... – E como eu sou teu filho... E como sou fraco, e doente... e aleijado... e feio...” 10

(1) Gen 32, 22‑32; Primeira leitura da Missa da terça‑feira da décima quarta semana do TC, Ano I; (2) Sab 10, 12; (3) Ef 6, 12; (4) Santo Agostinho, Comentário ao Salmo 99; (5) São João Crisóstomo, Catequeses batismais, 3, 9‑10; (6) Tanquerey, Compêndio de Teologia ascética e mística, n. 193 e segs.; (7) Josemaría Escrivá, Forja, n. 156; (8) Liturgia das Horas, Antífona Alma Redemptoris Mater; (9) João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 25‑III‑1987, 52; (10) São Josemaría Escrivá, op. cit., n. 234.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal


Encontrar Cristo na Igreja

TEMPO COMUM. DÉCIMA QUARTA SEMANA. SEGUNDA‑FEIRA

– Não é possível amar, seguir ou escutar Cristo, sem amar, seguir ou escutar a Igreja.
– Nela, participamos da Vida de Cristo.
– Fé, esperança e amor à Igreja.

I. TODOS PROCURAM JESUS. Todos necessitam dEle, e Ele está sempre disposto a compadecer‑se dos que o procuram com fé. A sua Santíssima Humanidade era como que o canal pelo qual passavam todas as graças, enquanto permaneceu entre os homens. Por isso, toda a multidão procurava tocá‑lo, porque saía dEle uma força que curava a todos.

A mulher de que nos fala o Evangelho da Missa 1 também se sentiu movida a aproximar‑se de Cristo. Aos seus sofrimentos físicos – de há doze anos –, somava‑se a vergonha de sentir‑se impura segundo a lei. No povo judeu, considerava‑se impura não só a mulher afetada por uma doença desse tipo, como também quem a tocasse. Por isso, para não se fazer notar, aproximou‑se de Jesus por trás e limitou‑se a tocar a orla do seu manto. “Tocou delicadamente a borda do manto, aproximou‑se com fé, acreditou e soube que tinha sido curada...” 2

Essas curas, os milagres, as expulsões de demônios que Cristo realizou enquanto vivia na terra, eram uma prova de que a Redenção já era uma realidade, não uma mera esperança. Essas pessoas que se aproximaram do Mestre anteciparam de algum modo a devoção dos cristãos pela Santíssima Humanidade de Cristo.

Depois, quando estava prestes a partir para o Céu, para junto do Pai, sabendo que sempre precisaríamos dEle, o Senhor preparou os meios para que em qualquer época e lugar pudéssemos receber as infinitas riquezas da Redenção: fundou a Igreja, bem visível e localizável. Procuramos nela o mesmo que as pessoas procuravam no Filho de Maria. Estar com a Igreja é estar com Jesus, unir‑se a esse redil é unir‑se a Jesus, pertencer a essa sociedade é ser membro do seu Corpo. Somente nela encontraremos Cristo, o próprio Cristo, Aquele que o Povo eleito esperava.

Os que pretendem ir a Cristo prescindindo da Igreja, ou até maltratando‑a, poderiam um dia ter a mesma surpresa que colheu São Paulo no caminho de Damasco: Eu sou Jesus a quem tu persegues 3. “Ele não diz – ressalta São Beda –: Por que persegues os meus membros?, mas: Por que me persegues? Porque Ele ainda padece afrontas no seu Corpo, que é a Igreja” 4. Paulo não sabia até esse momento que perseguir a Igreja era perseguir o próprio Jesus. Mais tarde, quando falar sobre ela, fá‑lo‑á descrevendo‑a como o Corpo de Cristo 5, ou simplesmente como Cristo 6; e designando os fiéis como seus membros 7.

Não é possível amar, seguir ou escutar Cristo, sem amar, seguir ou escutar a Igreja, porque Ela é a presença simultaneamente sacramental e misteriosa de Nosso Senhor, que assim prolonga a sua missão salvífica no mundo até o fim dos tempos.

II. NINGUÉM PODE DIZER que ama a Deus se não escolhe o caminho – Jesus – estabelecido pelo próprio Deus: Este é o meu Filho amado [...], escutai‑o 8. E é ilógica a pretensão de sermos amigos de Cristo desprezando as suas palavras e os seus desejos.

Aquelas multidões que afluíam de toda a parte encontram em Jesus alguém que, com autoridade, lhes fala de Deus – Ele próprio é a Palavra divina feita carne –: encontram Jesus Mestre. E agora encontramo‑lo e vinculamo‑nos a Ele quando aceitamos a doutrina da Igreja: Quem vos ouve, a mim me ouve, e quem vos rejeita, a mim me rejeita 9.

Jesus é, além disso, nosso Redentor. Ele é Sacerdote, o possuidor do único sacerdócio, que se ofereceu a si próprio como propiciação pelos pecados. Cristo não se apropriou da glória de ser Sumo Sacerdote, mas ela foi‑lhe concedida por Aquele que lhe disse: Tu és meu filho...10 Unimo‑nos a Jesus‑Sacerdote e Vítima, que honra a Deus Pai e nos santifica, na medida em que participamos da vida da Igreja, particularmente dos seus sacramentos, que são como canais divinos pelos quais a graça flui até chegar às almas; sempre que os recebemos, pomo‑nos em contacto com o próprio Cristo, fonte de toda a graça.

Por meio dos sacramentos, os méritos infinitos que Cristo nos conquistou chegam aos homens de todas as épocas e são, para todos, firme esperança de vida eterna. Na Sagrada Eucaristia, que Cristo mandou a Igreja celebrar, renovamos a sua oblação e imolação: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim 11; e só a Sagrada Eucaristia nos garante essa Vida que Ele conquistou para nós: Se alguém comer deste pão, viverá eternamente, e o pão que eu lhe darei é a minha carne para a vida do mundo... 12

A condição para participarmos do sacrifício e banquete eucarístico reside em outro dos sacramentos que Cristo conferiu à sua Igreja, o Batismo: Ide, pois, e ensinai a todos os povos, batizando‑os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo 13. O que crer e for batizado será salvo... 14 E se os nossos pecados nos afastaram de Deus, a Igreja também é o meio para recuperarmos a nossa condição de membros vivos do Senhor: Àqueles a quem perdoardes os pecados – diz Ele aos seus Apóstolos –, ser‑lhes‑ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser‑lhes‑ão retidos 15. O Senhor estabeleceu que esta vinculação profundíssima com Ele se realizasse através desses sinais visíveis da vida sacramental da sua Igreja. Nos sacramentos também encontramos Cristo.

E ainda que alguma vez possa haver dissensões dentro da Igreja, não será difícil encontrarmos Cristo. As maiorias ou minorias pouco significam quando se trata de encontrar Jesus: no Calvário, só estava presente a sua Mãe, rodeada de umas poucas mulheres e um adolescente, mas ali, a poucos metros, estava Jesus! Na Igreja, também sabemos onde é que o Senhor está: Eu te darei – declarou Ele a Pedro – as chaves do reino dos céus; e tudo quanto ligares na terra será ligado nos céus, e tudo quanto desligares na terra será desligado nos céus16. E nem sequer as negações de Simão Pedro foram suficientes para revogar esses poderes. O Senhor, depois de ressuscitado, confirmou‑os de modo solene: Apascenta os meus cordeiros [...]. Apascenta as minhas ovelhas 17. A Igreja está onde estão Pedro e os seus sucessores, os bispos em comunhão com ele.

III. NA IGREJA vemos Jesus, o mesmo Jesus a quem as multidões queriam tocar porque saía dele uma força que os curava a todos. Pertence à Igreja quem, por meio da sua doutrina, dos seus sacramentos e do seu regime, se vincula a Cristo Mestre, Sacerdote e Rei. Com a Igreja, mantemos de certo modo as mesmas relações que temos com o Senhor: fé, esperança e caridade.

Em primeiro lugar , que significa crer naquilo que, em tantas ocasiões, não é evidente. Os contemporâneos de Jesus viam nEle um homem que trabalhava, que se cansava, que precisava de alimento, que sentia dor, frio, medo..., mas aquele Homem era Deus. Na Igreja, conhecemos pessoas santas, que muitas vezes permanecem na obscuridade de uma vida normal, mas também vemos homens fracos como nós, mesquinhos, preguiçosos, interesseiros... Mas se foram batizados e permanecem em graça, apesar de todos os defeitos estão em Cristo, participam da sua própria vida. E se são pecadores, a Igreja também os acolhe no seu seio, como membros mais necessitados.

A nossa atitude perante a Igreja também deve ser de esperança. O próprio Cristo afirmou: Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela 18. A Igreja será sempre a rocha firme onde poderemos procurar segurança diante dos tombos que o mundo vai dando. Ela não falha, porque nela encontramos Cristo.

E se devemos a Deus caridade, amor, esse deve ser o nosso mesmo sentir em relação à nossa mãe a Igreja, pois “não pode ter a Deus por Pai quem não tem a Igreja por Mãe” 19. Ela é a mãe que nos comunica a vida: essa vida de Cristo pela qual somos filhos do Pai. E uma mãe deve ser amada. Só os maus filhos é que se mostram indiferentes, e às vezes hostis, em relação a quem lhes deu o ser.

Nós temos uma boa mãe: por isso doem‑nos tanto as feridas que lhe causam os que estão fora e os que estão dentro, e as doenças que podem atingir outros membros. Por isso, como bons filhos, procuramos não ventilar as misérias humanas – passadas ou presentes – destes ou daqueles cristãos, constituídos ou não em autoridade: não misérias da Igreja, que é Santa, e tão misericordiosa que nem aos pecadores nega a sua solicitude maternal. Como se pode falar friamente da Igreja, com palavras duras ou indiferentes? Como se pode permanecer “imparcial” quando se trata da própria mãe? Não o somos nem queremos sê‑lo. O que é dela é nosso, e não nos podem pedir uma atitude de neutralidade, própria de um juiz diante de um réu, mas não de um filho em relação à sua mãe.

Somos de Cristo quando somos da Igreja: nela nos tornamos membros do seu Corpo, que Nossa Senhora concebeu e deu à luz. Por isso, a Santíssima Virgem é “Mãe da Igreja, quer dizer, mãe de todo o povo de Deus, tanto dos fiéis como dos pastores” 20. A última jóia que a piedade filial engastou nas ladainhas de Nossa Senhora, o mais recente elogio à Mãe de Cristo, é apenas um sinônimo: Mãe da Igreja.

(1) Mt 9, 20‑22; (2) Santo Ambrósio, Comentário ao Evangelho de São Lucas, VI, 56; (3) At 9, 5; (4) São Beda, Comentário aos Atos dos Apóstolos; (5) 1 Cor 12, 27; (6) 1 Cor 1, 13; (7) Rom 12, 5; (8) Mt 17, 5; (9) Lc 10, 16; (10) Hebr 5, 5; (11) Lc 22, 19; (12) Lc 6, 51; (13) Mt 28, 19; (14) Mc 16, 16; (15) Jo 20, 23; (16) Mt 16, 19; (17) Jo 21, 15‑17; (18) Mt 16, 18; (19) São Cipriano, Sobre a unidade, 6, 8; (20) Paulo VI, Alocução, 21‑XI‑1964.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal


Santa Maria Goretti

06 de Julho

Santa Maria Goretti

Maria nasceu em 16 de outubro de 1890, em Corinaldo, província de Ancona, Itália. Filha de Luigi Goretti e Assunta Carlini, terceira de sete filhos de uma família pobre de bens terrenos, mas rica em fé e virtudes, cultivadas por meio da oração em comum, terço todos os dias e aos domingos Missa e sagrada Comunhão. No dia seguinte a seu nascimento, foi batizada e consagrada à Virgem. Aos seis anos recebeu o sacramento da Confirmação.

Depois do nascimento de seu quarto filho, Luigi Goretti, pela dura crise econômica que enfrentava, decidiu emigrar com sua família às grandes planícies dos campos romanos, ainda insalubres naquela época.

Instalou-se em Ferriere di Conca, colocando-se a serviço do conde Mazzoleni, neste lugar Maria mostra claramente uma inteligência e uma maturidade precoce, onde não existia nenhum pingo de capricho, nem de desobediência, nem de mentira. É realmente o anjo da família.

Após um ano de trabalho esgotante, Luigi contraiu uma doença fulminante, a malária, que o levou à morte depois de padecer por dez dias. Como conseqüência da morte de Luigi, Assunta teve que trabalhar deixando a casa a cargo dos irmãos mais velhos.

Junto com a tarefa de cuidar de seus irmãos menores, Maria seguia rezando e assistindo a seu curso de catecismo. Posteriormente, sua mãe contará que o terço lhe era necessário e, de fato, o levava sempre enrolado em volta do pulso. Assim como a contemplação do crucifixo, que foi para Maria uma fonte onde se nutria de um intenso amor de Deus e de um profundo horror pelo pecado.

Maria desde muito pequena ansiava receber a Sagrada Eucaristia. Segundo era costume na época, deveria esperar até os onze anos, mas um dia perguntou a sua mãe: - Mamãe, quando tomarei a Comunhão?. Quero Jesus. – Como vai tomá-la, se não sabes o catecismo? Além disso, não sabes ler, não temos dinheiro para comprar o vestido, os sapatos e o véu, e não temos nem um momento livre. – Pois assim nunca tomarei a Comunhão, mamãe! E eu não posso estar sem Jesus! - E , o que queres que eu faça? Não posso deixar que comungues como uma pequena ignorante.

Diante destas condições, Maria começou a se preparar com ajuda de uma pessoa do lugar, e todo o povo a ajudar dando-lhe a roupa da comunhão. Desta maneira, recebeu a Eucaristia em 29 de maio de 1902.

A comunhão constante acrescenta nela o amor pela pureza e a anima a tomar a resolução de conservar essa angélica virtude a todo custo.

Ao entrar a serviço do conde Mazzoleni, Luigi Goretti havia se associado com Giovanni Serenelli e seu filho Alessandro. As duas famílias vivem em quartos separados, mas a cozinha é comum. Luigi se arrependeu em seguida daquela união com Giovanni Serenelli, pessoa muito diferente dos seus, bebedor e carente de discrição em suas palavras.

Depois da morte de Luigi, Assunta e seus filhos haviam caído sob o jugo despótico dos Serenelli, Maria, que compreendeu a situação, esforça-se para apoiar sua mãe: - Ânimo, mamãe, não tenhas medo, que já estamos crescendo. Basta com que o Senhor nos conceda saúde. A Providência nos ajudará. Lutaremos e seguiremos lutando!

Desde a morte de seu marido, Assunta sempre esteve no campo e nem sequer tem tempo de ocupar-se da casa, nem da instrução religiosa dos mais pequenos. Maria se encarrega de tudo, na medida do possível. Durante as refeições, não se senta à mesa até que todos estejam servidos, e para ela serve as sobras. Sua obsequiosidade se estende igualmente aos Serenelli. Por sua vez, Giovanni, cuja esposa havia falecido no hospital psiquiátrico de Ancona, não se preocupa em nada com seu filho Alessandro, jovem robusto de dezenove anos, grosseiro e vicioso, que gostava de cobrir seu quarto com imagens obscenas e ler livros indecentes.

Depois de ter maior contato com a família Goretti, Alessandro começou a fazer proposições desonestas à inocente Maria, que em um princípio não compreende. Mais tarde, ao adivinhar as intenções perversas do rapaz, a jovem está sobre aviso e rejeita a adulação e as ameaças. Suplica à sua mãe que não deixe sozinha na casa, mas não se atreve a explicar-lhe claramente as causas de seu pânico, pois Alessandro a havia ameaçado – Se contar algo a tua mãe, te mato. Seu único recurso é a oração. Na véspera de sua morte, Maria pede novamente chorando à sua mãe que não a deixe sozinha, mas, ao não receber mais explicações, esta o considera um capricho e não dá nenhuma importância àquela reiterada súplica.

No dia 5 de julho, a uns quarenta metros da casa, estão debulhando as favas na terra. Alessandro leva um carro puxado por bois. O faz girar uma e outra vez sobre as favas estendidas no chão. Às três da tarde, no momento em que Maria se encontra sozinha em casa, Alessandro diz:

-"Assunta, quer fazer o favor de levar um momento os bois para mim?" Sem suspeitar nada, a mulher o faz, Maria, sentada na soleira da cozinha, remenda uma camisa que Alessandro lhe entregou depois de comer, enquanto vigia sua irmãzinha Teresinha, que dorme a seu lado.

-"Maria!, grita Alessandro. - Quer queres? - Quero que me sigas. - Para quê? – segue-me!  - Se não me dizes o que queres, não te sigo".

Perante a resistência, o rapaz a agarra violentamente pelo braço e a arrasta até a cozinha, trancando a porta. A menina grita, o ruído não chega ao lado de fora. Ao não conseguir que a vítima se submeta, Alessandro a amordaça e esgrime um punhal. Maria põe-se a tremer, mas não sucumbe. Furioso, o jovem tenta com violência arrancar-lhe a roupa, mas Maria se desata da mordaça e grita: - Não faças isso, que é pecado... Irás para o inferno. Pouco cuidadoso com o juízo de Deus, o desgraçado levanta a arma: - Se não deixar, te mato.

Frente àquela resistência, a atravessa com facadas. A menina se põe a gritar: - Meu Deus! Mamãe!, e cai no chão.

Pensando que estava morta, o assassino atira a faca e abre a porta para fugir, mas ao escutá-la gemer de novo, volta sobre seus passos, pega a arma e a atravessa outra vez de parte a parte; depois, sobe e se tranca em seu quarto.

Maria recebeu catorze feridas graves e ficou inconsciente. Ao recobrar a consciência, chama o senhor Serenelli: Giovanni! Alessandro me matou... Venha. Quase ao mesmo tempo, despertada pelo ruído, Teresinha lança um grito estridente, que sua mãe escuta. Assustada, diz a seu filho Mariano: - Corre a buscar a Maria; diga-lhe que Teresinha a chama.

Naquele momento, Giovanni Serenelli sobe as escadas e, ao ver o horrível espetáculo que se apresenta diante seus olhos, exclama: - Assunta, e tu também, Mário, vem!. Mario Cimarelli, um trabalhador da granja, sobe as escadas à toda pressa. A mãe chega também: - Mamãe!, geme Maria. - É Alessandro, que queria me fazer mal! Chamam o médico e os guardas, que chegam a tempo para impedir que os vizinhos, muito exaltados, matassem Alessandro no ato.

Ao chegar ao hospital, os médicos se surpreenderam de que a menina ainda não havia sucumbido a seus ferimentos, pois alcançou o pericárdio, o coração, o pulmão esquerdo, o diafragma e o intestino. Ao diagnosticar que não tem cura, chamaram o capelão. Maria se confessa com toda clareza. Em seguida, durante duas horas, os médicos cuidaram dela sem adormecê-la.

Maria não se lamenta, e não deixa de rezar e de oferecer seus sofrimentos à santíssima Virgem, Mãe das Dores. Sua mãe conseguiu que lhe permitam permanecer à cabeceira da cama. Maria ainda tem forças para consolá-la : - Mamãe, querida mamãe, agora estou bem... Como estão meus irmãos e irmãs?

Em um momento, Maria diz à sua mãe: - Mamãe, dê-me uma gota de água. – Minha pobre Maria, o médico não quer, porque seria pior para ti. Estranhada, Maria continua dizendo: - Como é possível que não possa beber nem uma gota de água? Em seguida, dirige o olhar sobre Jesus crucificado, que também havia dito Tenho sede!, e entendeu.

O sacerdote também está a seu lado, assistindo-a paternalmente. No momento de lhe dar a Sagrada Comunhão, perguntou-lhe: - Maria, perdoa de todo coração teu assassino? Ela respondeu: - Sim, perdôo pelo amor de Jesus, e quero que ele também venha comigo ao paraíso. Quero que esteja a meu lado... Que Deus o perdoe, porque eu já o perdoei.

Passando por momentos análogos pelos quais passou o Senhor Jesus na Cruz, Maria recebeu a Eucaristia e a Extrema unção, serena, tranqüila, humilde no heroísmo de sua vitória.

Depois de breves momentos, escutam-na dizer: "Papai". Finalmente, Maria entra na glória da Comunhão com Deus amor. É o dia 6 de julho de 1902, às três horas da tardes.

No julgamento, Alessandro, aconselhado por seu advogado, confessou: - "Gostava dela. A provoquei duas vezes ao mal, mas não pude conseguir nada. Despeitado, preparei o punhal que devia utilizar". Por isso, foi condenado a 30 anos de trabalhos forçados. Aparentava não sentir nenhum arrependimento do crime tanto assim que às vezes o escutavam gritar: -"Aníma-te, Serenelli, dentro de vinte e nove anos e seis meses serás um burguês!". Entretanto, alguns anos mais tarde, Dom Blandini, Bispo da diocese onde está a prisão, decide visitar o assassino para encaminhá-lo ao arrependimento. -"Está perdendo o tempo, monsenhor - afirma o carcereiro -, ele é um duro!"

Alessandro recebeu o bispo resmungando, mas perante a lembrança de Maria, de seu heróico perdão, da bondade e da misericórdia infinita de Deus, deixa-se alcançar pela graça. Depois do Prelado sair, chora na solidão da cela, perante a estupefação dos carcereiro.

Depois de ter um sonho onde Maria lhe apareceu, vestida de branco nos jardins do paraíso, Alessandro, muito questionado, escreveu a Dom Blandino: "Lamento pelo crime que cometi porque sou consciente de ter tirado a vida de uma pobre menina inocente que, até o último momento, quis salvar sua honra, sacrificando-se antes de ceder a minha criminal vontade. Peço perdão a Deus publicamente, e à pobre família, pelo enorme crime que cometi. Confio obter também eu o perdão, como tantos outros na terra". Seu sincero arrependimento e sua boa conduta na prisão lhe devolvem a liberdade quatro anos antes da expiração da pena. Depois, ocupará o posto de hortelão em um convento de capuchinhos, mostrando uma conduta exemplar, e será admitido na ordem terceira de São Francisco.

Graças à sua boa disposição, Alessandro foi chamado com testemunha no processo de beatificação de Maria. Foi algo muito delicado e penoso para ele, mas confessou: "Devo reparação, e devo fazer tudo o que esteja a meu alcance para sua glorificação. Toda a culpa é minha. Deixei-me levar pela brutal paixão. Ela é uma santa, uma verdadeira mártir. É uma das primeiras no paraíso, depois do que teve que sofrer por minha causa".

No Natal de 1937, Alessandro dirigiu-se a Corinaldo, lugar onde Assunta Goretti havia se retirado com seus filhos. E vai simplesmente para fazer reparação e pedir perdão à mãe de sua vítima. Nada mais chegar diante dela, pergunta-lhe chorando. -"Assunta, pode me perdoar? -Se Maria te perdoou -balbucia-, como eu não vou te perdoar?" No mesmo dia de Natal, os habitantes de Corinaldo ficam surpresos e emocionados ao ver aproximar-se à mesa da Eucaristia, um ao lado do outro, Alessandro e Assunta.

Fonte: https://www.acidigital.com


Santo Antônio Maria Zaccaria

05 de Julho

Santo Antônio Maria Zaccaria

Neste dia 5 de julho, a Igreja celebra a memória litúrgica de Santo Antônio Maria Zaccaria, fundador dos Clérigos Regulares de São Paulo e da Congregação das Angélicas de São Paulo, um homem apaixonado por Jesus Eucarístico e pela Virgem Maria, que dedicou-se intensamente ao serviço da caridade.

Antônio Maria Zaccaria nasceu em Cremona em 1502, pertencente à rica família dos Zaccaria, de origem genovesa. Era filho único e seu pai faleceu quando ele tinha apenas 2 anos de idade. Na época, sua mãe, com 18 anos, foi cortejada por muitos pretendentes, mas decidiu rejeitar segundas núpcias só para dedicar-se totalmente à educação do filho.

Ainda menino começou a ser reconhecido por sua inteligência, mas sobretudo por sua caridade e humildade. Embora rico, vestia-se com modéstia e, já crescido escolheu a profissão de médico para ficar mais perto das pessoas humildes, curar-lhe as doenças do corpo, gradativamente, para distribuir-lhe os remédios da alma, o conforto, a esperança, a paz com Deus.

Em 1528, abandonou a medicina e foi ordenado sacerdote. Estabeleceu-se em Milão, onde, com a colaboração de Tiago Morigia e Bartolomeu Ferrari, fundou a Congregação dos Clérigos Regulares de São Paulo, mais conhecidos como Barnabitas, porque residiam junto à Igreja de São Barnabé.

A finalidade da nova congregação era a promoção da reforma do clero e dos leigos, não se consideravam monges nem frades, seu carisma específico era evangelizar e administrar os sacramentos.

Com a ajuda da Condessa de Guastalla, Ludovica Torelli, surgiu a congregação feminina das Angélicas, para a reforma dos mosteiros femininos. A palavra reforma era o emblema de 1500. Antônio Maria Zaccaria não dava importância às palavras, mas aos fatos.

O santo manteve muito presente em sua vida a importância de amar os demais. “Você quer chegar à perfeição? Quer ser, pelo menos, um pouquinho espiritual? Quer amar a Deus, ser seu bom filho e ser amado por Ele? Ame o próximo, oriente-se para o próximo, disponha-se beneficiar o próximo e não a ofendê-lo”, disse em um de seus sermões.

Ele ajudou na preparação do Concílio de Trento, cuja influência ainda persiste na Igreja. Foi também promotor da devoção à Eucaristia e da Adoração ao Santíssimo Sacramento, instituindo as quarenta horas de adoração ao Santíssimo Sacramento. Criou ainda os Grupos de Casais, para os leigos, sendo por isso considerado um pioneiro da Pastoral Familiar.

Durante um de suas missões na Itália meridional, foi acometido por uma epidemia. Sabendo que sua morte se aproximava, voltou para os braços de sua mãe, na casa onde havia nascido.

Morreu aos 37 anos, em 5 de julho de 1539, assistido por sua mãe, que aceitara vida de solidão para não pôr obstáculos à vocação do filho. Foi canonizado em 1897 pelo Papa Leão XIII.

Fonte: https://www.acidigital.com


Aliviar a carga dos outros

TEMPO COMUM. DÉCIMO QUARTO DOMINGO. ANO A

– O exemplo de Cristo.
– Ser compassivos e misericordiosos. O peso do pecado e da ignorância.
– Recorrer a Cristo quando o peso da vida se torna mais custoso. Aprender de Santa Maria a esquecer‑nos de nós mesmos.

I. DE UM MODO BEM DIVERSO de como os fariseus se comportavam com o povo, Jesus veio libertar os homens das suas cargas mais pesadas: carregando‑as sobre Si próprio. Vinde a mim todos os que estais fatigados e sobrecarregados – diz Jesus aos homens de todos os tempos –, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas, pois o meu jugo é suave e o meu fardo leve1.

Ao lado de Cristo, todas as fadigas se tornam amáveis, tudo o que poderia ser mais custoso no cumprimento da vontade de Deus se suaviza. O sacrifício, quando se está ao lado de Cristo, não é áspero e duro, mas amável. Ele assumiu as nossas dores e os nossos fardos mais pesados. O Evangelho é uma contínua prova da sua preocupação por todos: “Ele deixou‑nos por toda a parte exemplos da sua misericórdia”2, escreve São Gregório Magno. Ressuscita os mortos, cura os cegos, os leprosos, os surdos‑mudos, liberta os endemoninhados... Por vezes, nem sequer espera que lhe tragam o doente, mas diz: Eu irei e o curarei3. Mesmo no momento da morte, preocupa‑se com os que estão ao seu lado. E ali entrega‑se com amor, como propiciação pelos nossos pecados. E não só pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo4.

Devemos imitar o Senhor: não só evitando lançar preocupações desnecessárias sobre os outros, mas ajudando‑os a enfrentar as que têm. Sempre que seja possível, assistiremos os outros nas suas tarefas humanas, nos fardos que a própria vida impõe: “Quando tiveres terminado o teu trabalho, faz o do teu irmão, ajudando‑o, por Cristo, com tal delicadeza e naturalidade, que nem mesmo o favorecido repare que estás fazendo mais do que em justiça deves. – Isto, sim, é fina virtude de filho de Deus!”5

Nunca deverá parecer‑nos excessiva qualquer renúncia, qualquer sacrifício que possamos fazer em benefício dos outros. A caridade deve estimular‑nos a mostrar‑lhes o nosso apreço com atos muito concretos, procurando ocasiões de ser úteis, de aliviar os outros de algum peso, de proporcionar alegrias a tantas pessoas que podem receber a nossa colaboração, sabendo que se trata de uma matéria em que nunca nos excederemos suficientemente.

Temos de libertar os outros daquilo que lhes pesa, como Cristo faria se estivesse no nosso lugar. Isso nos levará a prestar‑lhes um pequeno serviço, a dirigir‑lhes uma palavra de ânimo e de alento, a ajudá‑los a olhar para o Mestre e a adquirir um sentido mais positivo da sua situação, que talvez os aflija por se encontrarem sós. Ao mesmo tempo, podemos e devemos pensar nesses aspectos em que, muitas vezes sem termos plena consciência disso, contribuímos para tornar um pouco mais pesada e menos grata a vida dos outros: pelos nossos juízos precipitados, pela crítica negativa, pela indiferença ou falta de consideração, pela palavra que magoa.

II. O AMOR DESCOBRE nos outros a imagem divina, a cuja semelhança todos fomos feitos; reconhecemos em todos o preço sem medida que foi pago pelo seu resgate: o próprio sangue de Cristo6. Quanto mais intensa for em nós a virtude sobrenatural da caridade, maior estima teremos pelo próximo e, conseqüentemente, crescerá a nossa solicitude pelas suas necessidades e penas.

Nos que sofrem ou passam por dificuldades, não vemos apenas a pessoa em si, mas também Cristo, que se identificou com todos os homens: Em verdade vos digo que, todas as vezes que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes7. Cristo faz‑se presente no mundo pela nossa caridade. Ela atua constantemente em cada época por meio dos membros do seu Corpo Místico. Por isso, a união vital com Cristo também nos permite dizer: Vinde a mim todos os que estais fatigados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. A caridade é a realização do Reino de Deus no mundo.

Para sermos fiéis discípulos do Senhor, temos de pedir‑lhe incessantemente que nos dê um coração semelhante ao seu, capaz de compadecer‑se de todos os males que pesam sobre a humanidade. A compaixão foi a atitude habitual de Cristo à vista das misérias e limitações dos homens: Tenho compaixão da multidão...8, diz o Senhor repetidamente em tons diversos ao longo do Evangelho; e essa sua inclinação para a misericórdia, há de conservá‑la permanentemente diante das misérias acumuladas pelos homens ao longo dos séculos. Se nós nos chamamos discípulos de Cristo, devemos cultivar no nosso coração os mesmos sentimentos misericordiosos do Mestre.

Temos de começar por aliviar as cargas dos que vivem mais intimamente ligados à nossa vida: por terem a mesma fé, o mesmo espírito, os mesmos laços de sangue, o mesmo trabalho...: “Velai, certamente, por todos os indigentes com uma benevolência geral – diz São Leão Magno –, mas lembrai‑vos especialmente dos que são membros do Corpo de Cristo e estão unidos a nós pela unidade da fé católica. Pois devemos mais aos nossos pela união na graça, do que aos estranhos pela comunhão de natureza”9.

Aliviemos na medida do possível os que suportam o duro fardo da ignorância religiosa, que “atinge hoje níveis jamais vistos em certos países de tradição cristã. Por imposição laicista ou por desorientação e negligência lamentável, multidões de jovens batizados vêm chegando à idade adulta com um total desconhecimento das mais elementares noções da fé e da moral e dos próprios rudimentos da piedade. Atualmente, ensinar a quem não sabe significa, sobretudo, ensinar aos que nada sabem de Religião; significa “evangelizá‑los”, quer dizer, falar‑lhes de Deus e da vida cristã”10. Que peso tão grande o daqueles que, pertencendo à nossa família sobrenatural por estarem batizados, não conhecem Cristo, foram privados na meninice e na juventude da doutrina cristã, e estão mergulhados no erro, porque a ignorância é a fonte da maior parte dos erros.

Peçamos, enfim, ao Senhor, na nossa oração pessoal, a ajuda da sua graça para sentirmos uma compaixão eficaz por aqueles que sofrem o mal incomensurável de estarem enredados no pecado. Peçamos‑lhe a graça de entender que o apostolado da Confissão é a maior obra de todas as obras de misericórdia, pois é possibilitar que Deus derrame o seu perdão generosíssimo sobre os que se afastaram da casa paterna. Que enorme fardo retiramos dos ombros de quem estava oprimido pelo pecado e se aproxima da Confissão! Que grande alívio! Hoje pode ser um bom momento para nos perguntarmos: quantas pessoas ajudei a fazer uma boa confissão?

III. NÃO ENCONTRAREMOS caminho mais seguro para seguirmos o Senhor e para encontrarmos a nossa própria felicidade do que a preocupação sincera por libertar ou aliviar do seu lastro os que caminham cansados e aflitos, pois Deus dispôs as coisas “para que aprendamos a levar as cargas uns dos outros; porque não há ninguém sem defeito, ninguém sem carga; ninguém que se baste a si próprio, nem que seja suficientemente sábio para si”11. Todos precisamos uns dos outros. A convivência diária requer essas ajudas mútuas, sem as quais dificilmente poderíamos ir para a frente.

E se alguma vez nós mesmos nos vemos a braços com um fardo excessivamente pesado para as nossas forças, não deixemos de ouvir as palavras do Senhor: Vinde a mim. Só Ele restaura as forças, só Ele sacia a sede. “Jesus diz agora e sempre: Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Efetivamente, Jesus encontra‑se numa atitude de convite, de conhecimento e de compaixão por nós; mais ainda: de oferecimento, de promessa, de amizade, de bondade, de remédio para os nossos males, de conforto e, sobretudo, de pão, de fonte de energia e de vida”12. Cristo é o nosso descanso.

O segredo é a oração. Quando por vezes na vida nos sentimos esmagados e não sabemos a quem mais recorrer, temos que voltar‑nos decididamente para o Sacrário, onde nos espera o Amigo que nunca atraiçoa nem decepciona, e que, nesse colóquio sem palavras, nos anima, nos dá critério e nos robustece para a luta. Quantas preocupações e fardos aparentemente insuportáveis se desfazem à luz trêmula da lamparina de um Sacrário!

O trato assíduo com a nossa Mãe Santa Maria ensinar‑nos‑á a ter sempre paz e a compadecer‑nos das necessidades do próximo. Nada lhe passou inadvertido, porque até os mais pequenos apuros dos homens se fizeram patentes ao amor que sempre lhe absorveu o Coração. Ela tornará mais fácil o caminho para Cristo quando tivermos mais necessidade de descarregar nEle as nossas preocupações e de renovar o impulso da caridade: assim “obterás forças para cumprir acabadamente a Vontade de Deus, encher‑te‑ás de desejos de servir a todos os homens. Serás o cristão que às vezes sonhas ser: cheio de obras de caridade e de justiça, alegre e forte, compreensivo com os outros e exigente contigo mesmo”13.

(1) Mt 11, 28‑30; (2) São Gregório Magno, Homilias sobre o Evangelho, 25, 6; (3) Mt 7, 7; (4) 1 Jo 2, 2; (5) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 440; (6) cfr. 1 Pe 1, 18; (7) Mt 25, 40; (8) Mc 8, 2; (9) São Leão Magno, Sermão 89; (10) J. Orlandis, Las ocho bien‑aventurazas, EUNSA, Pamplona, 1982, págs. 104‑105; (11) T. Kempis, Imitação de Cristo, I, 16, 4; (12) Paulo VI, Homilia, 12‑VI‑1977; (13) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 293.


O Vinho Novo

TEMPO COMUM. DÉCIMA TERCEIRA SEMANA. SÁBADO

– Dispor a alma para receber o dom divino da graça; os odres novos.
– A contrição restaura‑nos e prepara‑nos para receber novas graças.
– A Confissão sacramental, meio para crescer na vida interior.

I. JESUS ENSINAVA, e os que o escutavam entendiam‑no bem. Todos os que ouviram pela primeira vez as suas palavras narradas no Evangelho da Missa de hoje conheciam os remendos nas roupas, e todos também, acostumados aos trabalhos do campo, sabiam o que acontece quando se lança o vinho novo, extraído da vinha recém‑vindimada, em odres velhos. Com essas imagens simples e bem conhecidas, o Senhor ensinava as verdades mais profundas sobre o Reino que Ele viera trazer às almas: Ninguém coloca remendo novo em pano velho; do contrário, o remendo levará consigo parte do tecido, e o rasgão tornar‑se‑á maior. Também não se lança vinho novo em odres velhos; do contrário, os odres arrebentam e todo o vinho se derrama; o vinho novo lança‑se em odres novos e assim as duas coisas se conservam 1.

Jesus declara a necessidade de acolher a sua doutrina com um espírito novo, jovem, com desejos de renovação; pois da mesma maneira que a força da fermentação do vinho novo faz estalar os recipientes já envelhecidos, assim também a mensagem que Cristo trouxe à terra tem que quebrar o conformismo, a rotina e as estruturas arcaicas. Os Apóstolos lembrar‑se‑iam daqueles dias junto de Jesus como o início da sua nova vida: não tinham recebido a pregação do Senhor como mais uma interpretação da Lei, mas como uma vida nova que neles surgia com um ímpeto extraordinário e que lhes reclamava disposições novas.

Sempre que os homens se encontraram com Jesus ao longo destes vinte séculos, alguma coisa de novo surgiu neles, rompendo atitudes velhas e gastas. Já o profeta Ezequiel havia anunciado 2 que Deus concederia outro coração e um espírito novo aos que o seguissem. São Beda, ao comentar esta passagem do Evangelho, explica 3 como os Apóstolos se transformaram no dia de Pentecostes, ao mesmo tempo que se enchiam do fervor do Espírito Santo. O mesmo aconteceria depois na Igreja com cada um dos seus membros, uma vez recebidos o Batismo e a Confirmação. Estes odres novos – a alma limpa e purificada – devem estar sempre cheios; “pois, quando vazios, a traça e a ferrugem os consomem; mas a graça conserva‑os cheios” 4.

O vinho novo da graça necessita de umas disposições na alma constantemente renovadas, em torno do empenho por começar e recomeçar no caminho da santidade, que é um sinal de juventude interior, dessa juventude própria dos santos, das pessoas enamoradas de Deus.

É um empenho que se traduz na disposição habitual de corresponder às moções e insinuações do Espírito Santo, pois desse modo nos preparamos para receber outras novas; como também na disposição de recorrer ao Senhor, pedindo‑lhe que cure a nossa alma, sempre que não tenhamos sido plenamente fiéis. “Limpa, Senhor Jesus – pedimos‑lhe com Santo Ambrósio –, a podridão dos meus pecados. Enquanto me tens atado pelos laços do amor, cura o que está doente [...]. Eu encontrei um médico que vive no céu e derrama o seu remédio sobre a terra. Só Ele pode curar as minhas feridas, pois não tem nenhuma; só Ele pode tirar do coração a sua dor e da alma a sua palidez, pois Ele conhece os segredos mais escondidos” 5.

Só o teu amor, Senhor, pode preparar a minha alma para receber mais amor.

II. O VINHO NOVO, que o Espírito Santo traz constantemente à alma, “não envelhece, mas os odres podem envelhecer. Quando se quebram, são atirados ao lixo e o vinho perde‑se” 6. Por isso é necessário restaurar continuamente a alma, rejuvenescê‑la, pois são muitas as faltas de amor, os pecados veniais talvez, que a impedem de receber mais graças e a envelhecem. Nesta vida, sempre sentiremos as feridas dos pecados: defeitos do caráter que não se vencem de maneira definitiva, chamadas da graça que não sabemos atender com generosidade, impaciências, rotina na vida de piedade, faltas de compreensão...

O que nos prepara para novas graças é a contrição, que aumenta a esperança, evita a rotina e faz com que o cristão se esqueça de si mesmo e se aproxime novamente de Deus com um ato de amor mais profundo.

A contrição caracteriza‑se pela aversão ao pecado e pela conversão a Cristo. Não se identifica, portanto, com o estado em que uma alma pode encontrar‑se por causa dos efeitos desagradáveis do seu erro (a quebra da paz familiar, a perda de uma amizade...); nem mesmo consiste no desejo de não se ter feito o que se fez...: é a condenação decidida de uma ação, a conversão para o bom, para a santidade de Deus manifestada em Cristo; é a “irrupção de uma vida nova na alma” 7, cheia de amor ao encontrar‑se novamente com o Senhor. Por isso, não sabe arrepender‑se, não se sente movido à contrição quem não relaciona os seus pecados, tanto os grandes como as pequenas faltas, com o Senhor.

Diante de Jesus, todas as ações adquirem a sua verdadeira dimensão. Se ficássemos a sós com as nossas culpas, sem essa referência à Pessoa ofendida, provavelmente justificaríamos e tiraríamos importância às nossas faltas e pecados, ou então nos encheríamos de desalento e desesperança diante de tanto erro ou omissão. O Senhor ensina‑nos a conhecer a verdade sobre a nossa vida e, apesar de tantos defeitos e misérias, cumula‑nos de paz e de desejos de ser melhores, de recomeçar novamente.

A alma humilde sente a necessidade de pedir perdão a Deus muitas vezes ao dia. Cada vez que se afasta do que o Senhor esperava dela, compreende a necessidade de regressar como o filho pródigo, com verdadeira dor: Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho: trata‑me como a um dos teus jornaleiros 8. E o Senhor, “que está perto dos que têm um coração contrito” 9, escutará a nossa oração. Com essa contrição, a alma prepara‑se continuamente para receber o vinho novo da graça.

III. O SENHOR, sabendo que somos frágeis, deixou‑nos o sacramento da Penitência, em que a alma não só sai restabelecida, mas também surge com uma nova vida, se porventura tinha perdido a graça. Devemos recorrer a este sacramento com uma sinceridade plena, humilde, contrita, com desejos de reparar.

Uma confissão bem feita implica um exame profundo (profundo não quer dizer necessariamente longo, sobretudo se nos confessamos com freqüência): se for possível, diante do Sacrário, e sempre na presença de Deus. É nesse exame de consciência que o cristão vê o que Deus esperava da sua vida e o que realmente ela foi; a bondade ou malícia das suas ações, as omissões, as ocasiões perdidas..., a intensidade das faltas cometidas, o tempo em que permaneceu nelas antes de pedir perdão 10.

Quem deseje ter uma consciência delicada procurará antes de mais nada confessar‑se com freqüência, e depois “não se contentará com uma confissão simplesmente válida, mas aspirará a fazer uma confissão boa, que ajude eficazmente a alma a elevar‑se até Deus.

“Para que a confissão freqüente consiga esse fim, é necessário seguir com toda a seriedade este princípio: sem arrependimento, não há perdão dos pecados. Daqui nasce esta norma fundamental para quem se confessa com freqüência: não confessar nenhum pecado venial de que não se esteja séria e sinceramente arrependido.

“Há um arrependimento geral. É a dor e a detestação dos pecados cometidos em toda a vida passada. Esse arrependimento geral é de uma importância excepcional para a confissão freqüente” 11, pois ajuda‑nos a cicatrizar as feridas deixadas pelas fraquezas, purifica‑nos a alma e faz‑nos crescer no amor ao Senhor.

A sinceridade há de levar‑nos, sempre que seja necessário, a descer a esses pequenos detalhes que dão a conhecer melhor a nossa fraqueza: como?, quando?, por que motivo? por quanto tempo?; evitando tanto o detalhe insubstancial e prolixo como a generalização. É preciso dizer com simplicidade e delicadeza o que aconteceu, dar a conhecer o verdadeiro estado da alma, fugindo das divagações do tipo “não fui humilde”, “fui preguiçoso”, “faltei à caridade”..., coisas que, por outro lado, são quase sempre aplicáveis a qualquer mortal. Numa palavra, devemos cuidar de que a nossa confissão freqüente seja um ato pessoal, em que pedimos perdão ao Senhor das nossas fraquezas concretas e reais, não de generalidades difusas.

Este sacramento da misericórdia é refúgio seguro: aqui se curam as feridas, se revitaliza o que estava gasto e envelhecido, e se remedeiam todos os extravios, grandes ou pequenos. Porque a confissão não é somente um juízo em que as ofensas são perdoadas, mas também remédio para a alma.

A confissão impessoal esconde, com freqüência, um ponto de soberba e de amor próprio que trata de mascarar ou justificar aquilo que humilha e deixa humanamente em má situação. Para tornarmos mais pessoal este ato de penitência, devemos cuidar até do modo de nos confessarmos: “Acuso‑me de...”, pois este sacramento não é o relato de umas coisas acontecidas, mas uma auto‑acusação humilde e simples dos nossos erros e fraquezas diante do próprio Deus, que nos perdoará através do sacerdote e nos inundará com a sua graça.

“Deus seja louvado!, dizias de ti para ti depois de terminares a tua Confissão sacramental. E pensavas: é como se tivesse voltado a nascer.

“Depois, prosseguiste com serenidade: «Domine, quid me vis facere?» – Senhor, que queres que eu faça?

“– E tu mesmo te deste a resposta: – Com a tua graça, por cima de tudo e de todos, cumprirei a tua Santíssima Vontade: «Serviam!» – eu te servirei sem condições!” 12

(1) Mt 9, 16‑17; (2) Ez 36, 26; (3) São Beda, Comentário ao Evangelho de São Marcos, 2, 21‑22; (4) Santo Ambrósio, Tratado sobre o Evangelho de São Lucas, 5, 26; (5) ib., 5, 27; (6) G. Chevrot, El Evangelio al aire livre, Herder, Barcelona, 1961, pág. 111; (7) cfr. M. Schmaus, Teologia Dogmática, 2ª ed., Rialp, Madrid, 1963, vol. VI, pág. 562; (8) Lc 15, 18‑19; (9) Santo Agostinho, Comentário ao Evangelho de São João, 15, 25; (10) cfr. São Francisco de Sales, Introdução à vida devota, II, 19; (11) B. Baur, La confesión frecuente, Herder, Barcelona, 1957, págs. 37‑38; (12) Josemaría Escrivá, Forja, n. 238.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal


Beato Pier Giorgio Frassati

04 de Julho

Beato Pier Giorgio Frassati

“Também eu, na minha juventude, senti o benéfico influxo do seu exemplo e, como estudante, fiquei impressionado pela força do seu testemunho cristão”, afirmou São João Paulo II sobre o jovem beato e esportista Pier Giorgio Frassati.

Pior Giorgio nasceu em Turim, Itália, em 6 de abril de 1901. Cresceu no seio de uma família muito rica. Seu pai foi o fundador e diretor do jornal ‘La Stampa’ e sua mãe, uma notável pintora que lhe transmitiu a fé.

Em sua adolescência, cultivou uma profunda vida espiritual, tornou-se um membro ativo da Ação Católica, do Apostolado da Oração, da Liga Eucarística e da Associação de jovens adoradores universitários.

Decidiu estudar Engenharia Industrial Mecânica para trabalhar perto dos operários pobres e ingressou no Politécnico de Turim, onde fundou um círculo de jovens que buscavam fazer Cristo o centro de sua amizade.

Teve uma vida austera e destinava à obra de caridade boa parte do dinheiro que seus pais lhe davam para gastos pessoais. Sua força estava na comunhão diária e na frequente adoração ao Santíssimo.

Foi esportista, esquiador e montanhista. Escalou os Alpes e o Vale de Aosta. Do mesmo modo, nunca perdeu a oportunidade de levar seus amigos à Santa Missa, à leitura das Sagradas Escrituras e à oração do Santo Terço.

Quando completou 24 anos, foi diagnosticado com poliomielite fulminante, uma doença que o levou à morte em apenas uma semana.

Partiu para a casa do Pai no dia 4 de julho de 1925 e teve um multitudinário funeral entre amigos e pessoas pobres.

São João Paulo II o beatificou em 1990 e destacou que “ele proclama, com seu exemplo, que é bem-aventurada a vida conduzida no Espírito de Cristo, Espírito das Bem-aventuranças, e que só aquele que se torna homem das bem-aventuranças consegue comunicar aos irmãos o amor e a paz”.

“Ele repete que verdadeiramente vale a pena sacrificar tudo para servir ao Senhor. Testemunha que a santidade é possível a todos e que só a revolução da caridade pode acender no coração dos homens a esperança de um futuro melhor”.

Fonte: https://www.acidigital.com


São Tomé Apóstolo

– Na ausência de Tomé.
– A sua incredulidade.
– A sua fé.

O Apóstolo São Tomé é conhecido por não ter acreditado na notícia da Ressurreição de Jesus. A sua falta de fé, que se desvaneceu com a aparição de Cristo, deu ocasião ao Senhor para nos convidar a fortalecer-nos nessa virtude, cujo ponto de apoio é o fato histórico da Ressurreição. Pouco sabemos da vida do Apóstolo, pois não dispomos de outros dados a não ser as breves referências contidas no Evangelho. Segundo a Tradição, evangelizou a Índia. Desde o século VI, celebra-se a sua festa no dia 3 de julho, data do traslado do seu corpo para Edessa.

I. QUANDO JESUS se dispunha a partir para a Judéia, onde enfrentaria o ódio e os ataques dos judeus, Tomé disse aos outros discípulos: Vamos nós também e morramos com Ele 1. São as primeiras palavras do Apóstolo que o Evangelho nos relata, por meio de São João. O Senhor acolheria com gratidão esse gesto generoso e cheio de coragem.

Mais tarde, durante o discurso de despedida na Última Ceia, Tomé fez uma pergunta ao Mestre que nos deve deixar agradecidos, pois permitiu que Jesus nos legasse uma das grandes definições de Si próprio. O discípulo perguntou-lhe: Senhor, não sabemos para onde vais; como podemos saber o caminho? Jesus respondeu-lhe com estas palavras, tantas vezes meditadas: Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vai ao Pai senão por mim 2.

Na própria tarde do domingo em que ressuscitou, Jesus apareceu aos seus discípulos. Apresentou-se no meio deles sem necessidade de abrir nenhuma porta, pois o seu Corpo estava glorificado; mas, para desfazer a possível impressão de que era apenas um espírito, mostrou-lhes as mãos e o lado. Saudou-os duas vezes com a fórmula usual entre os judeus, no mesmo tom de voz de sempre. Os Apóstolos, pouco propensos a admitir o que excedesse o âmbito da sua experiência e da sua razão, já não podiam alimentar a menor dúvida de que estavam diante do próprio Jesus e de que tinha ressuscitado. Com a sua conversa amistosa e cordial, dissipavam-se o temor e a vergonha que deviam sentir por terem abandonado o Amigo quando mais tinha precisado deles. Assim se criou novamente o ambiente de intimidade em que Jesus lhes iria comunicar os seus poderes transcendentais 3.

Mas Tomé não estava com eles. Era o único que faltava. Por que estava ausente? Foi por simples acaso? São João, o Evangelista que nos narra esta cena com todo o detalhe, talvez tenha calado por delicadeza que Tomé não somente sofrera com a paixão do Senhor, como os outros, mas tinha-se afastado do grupo e estava mergulhado num verdadeiro desespero 4.

Pelos relatos de São Mateus e de São Marcos, sabemos que os Apóstolos receberam de Jesus a indicação de partir para a Galiléia, onde o veriam novamente. Por que permaneceram mais oito dias em Jerusalém, quando já nada mais os retinha ali? É muito possível que não quisessem partir sem Tomé. Procuraram-no imediatamente e tentaram convencê-lo de mil formas diferentes de que o Mestre tinha ressuscitado e os esperava uma vez mais junto ao mar de Tiberíades. Ao encontrá-lo, disseram-lhe com uma alegria irreprimível: Vimos o Senhor! 5 Devem ter-lhe repetido isso ao longo de vários dias, de todas as maneiras possíveis, tentando a todo o custo recuperá-lo para Cristo. O Senhor, que sempre nos procura como Bom Pastor, certamente aprovou essa demora.

Mais tarde, Tomé agradeceria que tivessem feito com ele todas essas tentativas, e que, apesar da sua teimosia, não o tivessem deixado sozinho em Jerusalém. É uma lição que pode servir-nos para que examinemos como é a qualidade da nossa fraternidade e da nossa fortaleza junto daqueles cristãos, nossos irmãos, que num dado momento podem cair no desalento e na solidão. Não podemos abandoná-los.

II. O DESALENTO E A INCREDULIDADE de Tomé não eram fáceis de vencer. Diante da insistência dos outros Apóstolos, respondeu-lhes: Se eu não vir nas suas mãos a abertura dos cravos, e não meter o meu dedo no lugar dos cravos, e a minha mão no seu lado, não acreditarei 6. Estas palavras parecem uma resposta definitiva, inamovível. É uma réplica dura à solicitude dos amigos. Mas sem dúvida a alegria dos que lhe falavam abriu-lhe uma porta à esperança. Por isso retornou e não voltou a separar-se deles.

A sombria obstinação de Tomé contrasta com a grandeza de Jesus e com o seu amor por todos. O Senhor não permite que nenhum dos seus se perca; tinha rogado pelos seus discípulos na Última Ceia, e a sua oração é sempre eficaz 7. Ele mesmo vai em socorro de Tomé. São João relata-o assim: Oito dias depois, estavam os seus discípulos outra vez em casa, e Tomé com eles. Ao menos conseguiram que ficasse com eles! Veio Jesus, estando as portas fechadas, pôs-se no meio e disse: A paz seja convosco. Dirigiu-se depois a Tomé e disse-lhe: Mete aqui o teu dedo e vê as minhas mãos, aproxima também a tua mão, e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas fiel 8.

Saber que o Senhor nunca nos abandonará, se nós não o abandonarmos, é para nós um forte motivo de esperança: Ele também rezou por nós 9. E aqueles que o Senhor colocou ao nosso lado também não nos deixarão desamparados. Se alguma vez ficarmos às escuras, seja qual for a nossa situação interior, poderemos apoiar-nos na fé dos que nos cercam, no seu comportamento exemplar e na fortaleza da sua caridade.

Nós temos o dever de “agasalhar” aqueles que de alguma maneira o Senhor nos confiou ou que compartilham conosco a mesma fé e os mesmos ideais, se alguma vez passam por um mau momento. A responsabilidade pela fidelidade dos outros será sempre um bom ponto de apoio para a nossa própria fidelidade. “Tudo andaria melhor e seríamos mais felizes se nos propuséssemos conhecer sempre mais a fundo – para podermos amar mais – essas verdades e essas pessoas às quais nos vinculamos com laços de responsabilidade permanente. Refletir sobre os deveres próprios, sobre as circunstâncias que afetam a vida e a paz dos outros, meditar nas conseqüências da nossa conduta, avaliar o mal que a deserção pode causar, é a primeira garantia da nossa fidelidade. E a ela deve-se acrescentar sempre uma consideração sobrenatural: Fiel é Deus, que não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças (1 Cor 10, 13)” 10.

O Senhor nunca nos falhará. Não falhemos nós aos nossos irmãos. Não nos esqueçamos de que todos – nós também – podemos passar por fases de cegueira e de desalento. Ninguém na nossa família e entre os nossos amigos é irrecuperável para Deus, porque contamos com a poderosa ajuda da graça, da caridade e da oração, de uma oração que adquire nestes casos manifestações e acentos tão diversos, mas sempre eficazes diante do Senhor.

III. QUANDO TOMÉ VIU e ouviu Jesus, exprimiu em poucas palavras o que sentia no seu coração: Meu Senhor e meu Deus!, exclama comovido até o mais fundo do seu ser. É um ato simultâneo de fé, de entrega e de amor. Confessa abertamente que Jesus é Deus e reconhece-o como seu Senhor. Jesus respondeu-lhe: Tu creste, Tomé, porque me viste; bem-aventurados os que não viram e creram 11. E comenta João Paulo II: “Esta é a fé que nós devemos renovar, na esteira de incontáveis gerações cristãs que ao longo de dois mil anos confessaram a Cristo, Senhor invisível, chegando até ao martírio. Devemos fazer nossas, como muitos outros fizeram suas, as palavras de Pedro na sua primeira Epístola: Este Jesus, vós não o vistes, mas o amais; vós também agora credes nEle sem o ver; e, crendo, exultais com uma alegria inefável (1 Pe 1, 8). Esta é a autêntica fé: entrega absoluta às coisas que não se vêem, mas são capazes de satisfazer e enobrecer toda uma vida” 12.

A partir daquele momento, Tomé foi outro homem, graças em boa parte à caridade fraterna que os demais Apóstolos tiveram com Ele. A sua fidelidade ao Mestre, que parecia impossível naqueles dias de trevas, foi para sempre firme e incondicional. Essas suas palavras têm-nos servido muitas vezes para fazer um ato de fé – Meu Senhor e meu Deus! – ao passarmos diante de um Sacrário ou no momento da Consagração na Santa Missa. A sua figura é hoje para nós um motivo de confiança no Senhor, que vela por nós constantemente, e um motivo de esperança em relação aos que temos mais perto de nós, se por vontade divina passam por momentos de desconcerto na sua fidelidade a Deus. Nessa situação, o nosso alento e a graça divina farão milagres.

Pedimos hoje ao Senhor com a Liturgia: Concedei-nos a graça de celebrarmos com alegria a festa do Apóstolo São Tomé; que sejamos sempre sustentados pela sua proteção e tenhamos em nós vida abundante pela fé em Jesus Cristo, a quem o vosso Apóstolo reconheceu como seu Senhor e seu Deus.

A Virgem, que estava naqueles dias tão perto dos Apóstolos, deve ter seguido atentamente a evolução da alma de Tomé. Talvez tenha sido Ela quem impediu que o Apóstolo se afastasse definitivamente. Nós confiamos-lhe hoje a nossa fidelidade ao Senhor e a daqueles que de alguma maneira Deus colocou sob os nossos cuidados. Virgem fiel..., rogai por eles..., rogai por mim!

(1) Jo 11, 16; (2) Jo 14, 5-6; (3) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, nota a Jo 20, 19-20; (4) cfr. O. Hophan, Los Apóstoles, Palabra, Madrid, 1982, pág. 216; (5) Jo 2, 25; (6) Jo 20, 25; (7) cfr. Jo 17, 9; (8) Jo 20, 26-27; (9) cfr. Jo 17, 20; (10) J. Abad, Fidelidade, Quadrante, São Paulo, 1989, págs. 39-40; (11) Jo 20, 29; (12) João Paulo II, Homilia, 9-IV-1983.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal


São Tomé Apóstolo

03 de Julho

São Tomé Apóstolo

Embora na nossa memória a presença de são Tomé faça sempre pensar em incredulidade e nos lembre daqueles que 'precisam ver para crer', sua importância não se resume a permitir a inclusão na Bíblia da dúvida humana. Ela nos remete, também, a outras fraquezas naturais do ser humano, como a aflição e a necessidade de clareza e pé no chão. Mas, é principalmente, mostra a aceitação dessas fraquezas por Deus e seu Filho no projeto de sua vinda para nossa salvação.

São três as grandes passagens do apóstolo Tomé no livro sagrado. A primeira é quando Jesus é chamado para voltar à Judéia e acudir Lázaro. Seu grupo tenta impedir que se arrisque, pois havia ameaças dos inimigos e Jesus poderia ser apedrejado. Mas ele disse que iria assim mesmo e, aflito, Tomé intima os demais: 'Então vamos também e morramos com ele!'

Na segunda passagem, demonstra melancolia e incerteza. Jesus reuniu os discípulos no cenáculo e os avisou de que era chegada a hora do cumprimento das determinações de seu Pai. Falou com eles em tom de despedida, conclamando-os a segui-lo: 'Para onde eu vou vocês sabem. E também sabem o caminho'. Tomé queria mais detalhes, talvez até tentando convencer Jesus a evitar o sacrifício: 'Se não sabemos para onde vais, como poderemos conhecer o caminho?'. A resposta de Jesus passou para a história: 'Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim'.

E  a terceira e definitiva passagem foi a que mais marcou a trajetória do apóstolo. Foi justamente quando todos lhe contaram que o Cristo havia ressuscitado, pois ele era o único que não estava presente ao evento. Tomé disse que só acreditaria se visse nas mãos do Cristo o lugar dos cravos e tocasse-lhe o peito dilacerado. A dúvida em pessoa, como se vê. Mas ele pôde comprovar tanto quanto quis, pois Jesus lhe apareceu e disse: 'Põe o teu dedo aqui e vê minhas mãos!... Não sejas incrédulo, acredita!' Dessa forma, sua incredulidade tornou-se apenas mais uma prova dos fatos que mudaram a história da humanidade.

O apóstolo Tomé ou Tomás, como também é chamado, tinha o apelido de Dídimo, que quer dizer 'gêmeo e natural da Galiléia'. Era pescador quando Jesus o encontrou e o admitiu entre seus discípulos.

Após a crucificação e a ressurreição, pregou entre os medos e os partas, povos que habitavam a Pérsia. Há também indícios de que tenha levado o Evangelho à Índia, segundo as pistas encontradas por são Francisco Xavier no século XVI. Morreu martirizado com uma lança, segundo a antiga tradição cristã. Sua festa é comemorada em 3 de julho.

Texto: Paulinas Internet


O Valor Infinito Da Missa

TEMPO COMUM. DÉCIMA TERCEIRA SEMANA. QUINTA‑FEIRA

– O sacrifício de Isaac, imagem e figura do Sacrifício de Cristo no Calvário. O valor infinito da Missa.
– Adoração e ação de graças.
– Expiação e propiciação pelos nossos pecados; impetração de tudo aquilo que precisamos.

I. NO LIVRO DO GÊNESIS 1, lemos como Deus quis provar a fé de Abraão, a quem prometera uma descendência tão numerosa como as estrelas do céu. O Patriarca vê o tempo passar sem ter o filho que o Senhor lhe anunciara; sua mulher era estéril. Mas ele continuou a acreditar na palavra de Deus contra toda a esperança.

 

Quando finalmente Isaac veio ao mundo e representou para Abraão, já de idade avançada, o prêmio à sua esperança, Deus, senhor da vida e da morte, mandou‑lhe que o sacrificasse: Toma Isaac, teu filho único, a quem amas, e vai à terra de Moriá, e aí o oferecerás em holocausto sobre um dos montes que eu te mostrarei. Mas no momento em que ia sacrificar o seu filho amado, o Anjo do Senhor deteve‑lhe o braço. E o Patriarca ouviu estas palavras cheias de bênçãos sobreabundantes: Porque o fizeste e não me recusaste o teu filho único, eu te abençoarei e multiplicarei a tua estirpe como as estrelas do céu e como a areia das praias do mar. A tua descendência conquistará as portas das cidades inimigas. E todas as nações da terra serão abençoadas na tua descendência, porque obedeceste à minha voz.

Os Padres da Igreja viram no sacrifício de Isaac um anúncio do sacrifício de Jesus. Isaac, o filho único de Abraão, o amado que carrega a lenha até ao monte onde será sacrificado, é figura de Cristo, o Unigênito do Pai, o Amado, que caminha com a cruz às costas para o Calvário, onde se oferece como sacrifício de valor infinito por todos os homens.

Na Missa, depois da Consagração, o Cânon Romano recorda a oferenda de Abraão, a entrega do seu filho. Abraão é o nosso “pai na fé”. Recebei, ó Pai, esta oferenda, como recebestes a oferta de Abel, o sacrifício de Abraão e os dons de Melquisedeque…2

A obediência de Abraão é a máxima expressão da sua fé incondicional em Deus. Por essa razão recuperou Isaac e, depois de tê‑lo oferecido, recebeu‑o de volta como um símbolo. Pensava, na verdade, que Deus é poderoso para ressuscitar alguém dentre os mortos; por isso recuperou o filho, que foi uma imagem dAquele que haveria de vir 3.

Orígenes sublinha que o sacrifício de Isaac permite compreender melhor o mistério da Redenção: “Isaac, ao carregar a lenha para o holocausto, é figura de Cristo que carregou a cruz às costas. Mas, ao mesmo tempo, levar a lenha para o holocausto é tarefa do sacerdote. Portanto, Isaac foi ao mesmo tempo vítima e sacerdote […]. Cristo é ao mesmo tempo Vítima e Sumo Sacerdote. Segundo o espírito, oferece a vítima ao seu Pai; segundo a carne, Ele mesmo é oferecido sobre o altar da Cruz” 4.

Por isso, cada Missa tem um valor infinito, imenso, que nós não podemos compreender por completo: “alegra toda a corte celestial, alivia as pobres almas do purgatório, atrai sobre a terra todo o tipo de graças e dá mais glória a Deus do que todos os sofrimentos dos mártires juntos, do que as penitências de todos os santos, do que todas as lágrimas por eles derramadas desde o princípio do mundo e tudo o que possam fazer até o fim dos tempos” 5.

II. AINDA QUE TODOS os atos de Cristo tenham sido redentores, existe, não obstante, na sua vida um acontecimento singular que se destaca sobre todos e para o qual todos convergem: o momento em que a obediência e o amor do Filho ofereceram ao Pai um sacrifício sem medida, em virtude da dignidade da Oferenda e do Sacerdote que a oferecia. E é Ele quem permanece na Missa como Sacerdote principal e Vítima realmente oferecida e sacramentalmente imolada.

Na Santa Missa, os frutos que dizem respeito imediatamente a Deus, como a adoração, a reparação e a ação de graças, produzem‑se sempre na sua plenitude infinita, sem dependerem da nossa atenção nem do fervor do sacerdote. E a razão pela qual esses frutos se produzem infalivelmente e sem limites está em que é o próprio Cristo quem os oferece e quem se oferece. Por isso, é impossível encontrar modo algum de adorar melhor a Deus e de reconhecer o seu domínio soberano sobre todas as coisas e sobre todos os homens. É a realização mais perfeita do preceito: Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás6.

Do mesmo modo, é impossível oferecer a Deus uma reparação mais perfeita, pelas faltas cometidas diariamente, do que oferecendo e participando com devoção do Santo Sacrifício do Altar 7. Como é impossível agradecer melhor os bens recebidos do que por meio da Santa Missa: Quid retribuam Domino pro omnibus quae retribuit mihi?…Como retribuirei ao Senhor por todo o bem que me fez? Erguerei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor” 8. Que grande oportunidade para agradecermos a Deus tantos bens que recebemos…, pois às vezes é possível que nos esqueçamos de lhe dar graças pelos seus dons, que são tantos e tantos; pode acontecer‑nos como aos leprosos curados por Jesus…

Que honra tão grande a dos sacerdotes que podem emprestar a Cristo a voz e as mãos no sacrifício eucarístico! Que grandeza a dos fiéis por poderem participar de tão grande Mistério! “Diz ao Senhor que, daqui por diante, de cada vez que celebres ou assistas à Santa Missa, e administres ou recebas o Sacramento Eucarístico, o farás com uma fé grande, com um amor que queime, como se fosse a última vez da tua vida. – E sente dor pelas tuas negligências passadas” 9.

III. NO MONTE MÓRIA, Isaac, o filho único e amado de Abraão, não foi sacrificado; no Calvário, Jesus padeceu e morreu por todos nós, pro peccatis, por causa dos nossos pecados. Este fruto de expiação e de propiciação alcança também as almas dos que nos precederam e que se purificam no Purgatório, à espera do traje nupcial10 para entrarem no Céu.

O sacrifício eucarístico produz, por si mesmo e por virtude própria, o perdão dos pecados; “mas realiza‑o de uma maneira mediata… Por exemplo, uma pessoa que suplique a Deus a graça de mudar de vida e de confessar‑se, sem assistir à Santa Missa, poderá obtê‑la somente em virtude do seu fervor e das suas instâncias…; mas, se assiste à Missa com essa finalidade, não há dúvida de que obterá esse favor de maneira eficaz, desde que não levante obstáculos” 11.

Ao oferecer‑se ao Pai, Jesus Cristo pede por todos nós. Ele vive para interceder por nós 12. Poderíamos encontrar melhor momento do que a Santa Missa para pedir aquilo de que tanto precisamos? Cada Missa é oferecida por toda a Igreja, que ao mesmo tempo suplica pelo mundo inteiro. “De cada vez que se celebra uma Missa, é o sangue da Cruz que se derrama como chuva sobre o mundo”13. Juntamente com toda a Igreja, pedimos de modo particular pelo Papa, pelo bispo diocesano, pelo prelado próprio e por todos os outros que, “fiéis à verdade, promovem a fé católica e apostólica” 14.

E além desse fruto geral da Missa, há também um fruto especial – que se produz de modos diversos – para os que participam do Santo Sacrifício: para os que solicitaram a sua celebração por esta ou aquela intenção; para o sacerdote celebrante, que beneficia de um fruto especialíssimo, irrenunciável, já que a celebração da Missa depende da sua vontade meritória; para os acólitos, para os cantores… e para todo o povo santo que assista ao Sacrifício, conforme as disposições de cada um: para todos os que circundam este altar, dos quais conheceis a fidelidade e a dedicação em Vos servir. Eles Vos oferecem conosco este sacrifício de louvor por si e por todos os seus, e elevam a Vós as suas preces para alcançar o perdão de suas faltas, a segurança em suas vidas e a salvação que esperam 15.

Os frutos de remissão dos nossos pecados e de impetração de tudo aquilo de que necessitamos são frutos finitos e limitados, de acordo com as nossas disposições. Por isso é tão importante que cuidemos bem de preparar a alma para participar deste Sacrifício único, e que nos esforcemos por estar muito recolhidos uma vez acabada a ação sagrada. “Estais ali – pergunta o Cura d’Ars – com as mesmas disposições da Santíssima Virgem no Calvário, já que se trata da presença do mesmo Deus e da consumação do mesmo sacrifício?” 16

Peçamos a Nossa Senhora que a celebração ou a participação do sacrifício eucarístico seja para nós a fonte em que se saciam e em que aumentam os nossos desejos de Deus.

(1) Gen 22, 1‑19; Primeira leitura da Missa da quinta‑feira da décima terceira semana do TC, ano I; (2) Missal Romano, Oração Eucarística I; (3) cfr. Hebr 11, 19; (4) Orígenes, Homilias sobre o Gênesis, 8, 6, 9; (5) Cura d’Ars, Sermão sobre a Santa Missa; (6) Mt 4, 10; (7) Conc. de Trento, Sessão 22, c. 1; (8) Sl 115, 12; (9) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 829; (10) cfr. Mt 22, 12; (11) Anônimo, La Santa Missa, Rialp, Madrid, 1975, pág. 95; (12) cfr. Hebr 7, 25; (13) Ch. Journet, La messe, 2ª ed., Desclée de Brouwer, Bilbao, 1962, pág. 182; (14) Missal Romano, Oração Eucarística I; (15) ib.; (16) Cura d’Ars, Sermão sobre o pecado.

Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.