TEMPO COMUM. DÉCIMO QUARTO DOMINGO. ANO A

– O exemplo de Cristo.
– Ser compassivos e misericordiosos. O peso do pecado e da ignorância.
– Recorrer a Cristo quando o peso da vida se torna mais custoso. Aprender de Santa Maria a esquecer‑nos de nós mesmos.

I. DE UM MODO BEM DIVERSO de como os fariseus se comportavam com o povo, Jesus veio libertar os homens das suas cargas mais pesadas: carregando‑as sobre Si próprio. Vinde a mim todos os que estais fatigados e sobrecarregados – diz Jesus aos homens de todos os tempos –, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas, pois o meu jugo é suave e o meu fardo leve1.

Ao lado de Cristo, todas as fadigas se tornam amáveis, tudo o que poderia ser mais custoso no cumprimento da vontade de Deus se suaviza. O sacrifício, quando se está ao lado de Cristo, não é áspero e duro, mas amável. Ele assumiu as nossas dores e os nossos fardos mais pesados. O Evangelho é uma contínua prova da sua preocupação por todos: “Ele deixou‑nos por toda a parte exemplos da sua misericórdia”2, escreve São Gregório Magno. Ressuscita os mortos, cura os cegos, os leprosos, os surdos‑mudos, liberta os endemoninhados… Por vezes, nem sequer espera que lhe tragam o doente, mas diz: Eu irei e o curarei3. Mesmo no momento da morte, preocupa‑se com os que estão ao seu lado. E ali entrega‑se com amor, como propiciação pelos nossos pecados. E não só pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo4.

Devemos imitar o Senhor: não só evitando lançar preocupações desnecessárias sobre os outros, mas ajudando‑os a enfrentar as que têm. Sempre que seja possível, assistiremos os outros nas suas tarefas humanas, nos fardos que a própria vida impõe: “Quando tiveres terminado o teu trabalho, faz o do teu irmão, ajudando‑o, por Cristo, com tal delicadeza e naturalidade, que nem mesmo o favorecido repare que estás fazendo mais do que em justiça deves. – Isto, sim, é fina virtude de filho de Deus!”5

Nunca deverá parecer‑nos excessiva qualquer renúncia, qualquer sacrifício que possamos fazer em benefício dos outros. A caridade deve estimular‑nos a mostrar‑lhes o nosso apreço com atos muito concretos, procurando ocasiões de ser úteis, de aliviar os outros de algum peso, de proporcionar alegrias a tantas pessoas que podem receber a nossa colaboração, sabendo que se trata de uma matéria em que nunca nos excederemos suficientemente.

Temos de libertar os outros daquilo que lhes pesa, como Cristo faria se estivesse no nosso lugar. Isso nos levará a prestar‑lhes um pequeno serviço, a dirigir‑lhes uma palavra de ânimo e de alento, a ajudá‑los a olhar para o Mestre e a adquirir um sentido mais positivo da sua situação, que talvez os aflija por se encontrarem sós. Ao mesmo tempo, podemos e devemos pensar nesses aspectos em que, muitas vezes sem termos plena consciência disso, contribuímos para tornar um pouco mais pesada e menos grata a vida dos outros: pelos nossos juízos precipitados, pela crítica negativa, pela indiferença ou falta de consideração, pela palavra que magoa.

II. O AMOR DESCOBRE nos outros a imagem divina, a cuja semelhança todos fomos feitos; reconhecemos em todos o preço sem medida que foi pago pelo seu resgate: o próprio sangue de Cristo6. Quanto mais intensa for em nós a virtude sobrenatural da caridade, maior estima teremos pelo próximo e, conseqüentemente, crescerá a nossa solicitude pelas suas necessidades e penas.

Nos que sofrem ou passam por dificuldades, não vemos apenas a pessoa em si, mas também Cristo, que se identificou com todos os homens: Em verdade vos digo que, todas as vezes que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes7. Cristo faz‑se presente no mundo pela nossa caridade. Ela atua constantemente em cada época por meio dos membros do seu Corpo Místico. Por isso, a união vital com Cristo também nos permite dizer: Vinde a mim todos os que estais fatigados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. A caridade é a realização do Reino de Deus no mundo.

Para sermos fiéis discípulos do Senhor, temos de pedir‑lhe incessantemente que nos dê um coração semelhante ao seu, capaz de compadecer‑se de todos os males que pesam sobre a humanidade. A compaixão foi a atitude habitual de Cristo à vista das misérias e limitações dos homens: Tenho compaixão da multidão…8, diz o Senhor repetidamente em tons diversos ao longo do Evangelho; e essa sua inclinação para a misericórdia, há de conservá‑la permanentemente diante das misérias acumuladas pelos homens ao longo dos séculos. Se nós nos chamamos discípulos de Cristo, devemos cultivar no nosso coração os mesmos sentimentos misericordiosos do Mestre.

Temos de começar por aliviar as cargas dos que vivem mais intimamente ligados à nossa vida: por terem a mesma fé, o mesmo espírito, os mesmos laços de sangue, o mesmo trabalho…: “Velai, certamente, por todos os indigentes com uma benevolência geral – diz São Leão Magno –, mas lembrai‑vos especialmente dos que são membros do Corpo de Cristo e estão unidos a nós pela unidade da fé católica. Pois devemos mais aos nossos pela união na graça, do que aos estranhos pela comunhão de natureza”9.

Aliviemos na medida do possível os que suportam o duro fardo da ignorância religiosa, que “atinge hoje níveis jamais vistos em certos países de tradição cristã. Por imposição laicista ou por desorientação e negligência lamentável, multidões de jovens batizados vêm chegando à idade adulta com um total desconhecimento das mais elementares noções da fé e da moral e dos próprios rudimentos da piedade. Atualmente, ensinar a quem não sabe significa, sobretudo, ensinar aos que nada sabem de Religião; significa “evangelizá‑los”, quer dizer, falar‑lhes de Deus e da vida cristã”10. Que peso tão grande o daqueles que, pertencendo à nossa família sobrenatural por estarem batizados, não conhecem Cristo, foram privados na meninice e na juventude da doutrina cristã, e estão mergulhados no erro, porque a ignorância é a fonte da maior parte dos erros.

Peçamos, enfim, ao Senhor, na nossa oração pessoal, a ajuda da sua graça para sentirmos uma compaixão eficaz por aqueles que sofrem o mal incomensurável de estarem enredados no pecado. Peçamos‑lhe a graça de entender que o apostolado da Confissão é a maior obra de todas as obras de misericórdia, pois é possibilitar que Deus derrame o seu perdão generosíssimo sobre os que se afastaram da casa paterna. Que enorme fardo retiramos dos ombros de quem estava oprimido pelo pecado e se aproxima da Confissão! Que grande alívio! Hoje pode ser um bom momento para nos perguntarmos: quantas pessoas ajudei a fazer uma boa confissão?

III. NÃO ENCONTRAREMOS caminho mais seguro para seguirmos o Senhor e para encontrarmos a nossa própria felicidade do que a preocupação sincera por libertar ou aliviar do seu lastro os que caminham cansados e aflitos, pois Deus dispôs as coisas “para que aprendamos a levar as cargas uns dos outros; porque não há ninguém sem defeito, ninguém sem carga; ninguém que se baste a si próprio, nem que seja suficientemente sábio para si”11. Todos precisamos uns dos outros. A convivência diária requer essas ajudas mútuas, sem as quais dificilmente poderíamos ir para a frente.

E se alguma vez nós mesmos nos vemos a braços com um fardo excessivamente pesado para as nossas forças, não deixemos de ouvir as palavras do Senhor: Vinde a mim. Só Ele restaura as forças, só Ele sacia a sede. “Jesus diz agora e sempre: Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Efetivamente, Jesus encontra‑se numa atitude de convite, de conhecimento e de compaixão por nós; mais ainda: de oferecimento, de promessa, de amizade, de bondade, de remédio para os nossos males, de conforto e, sobretudo, de pão, de fonte de energia e de vida”12. Cristo é o nosso descanso.

O segredo é a oração. Quando por vezes na vida nos sentimos esmagados e não sabemos a quem mais recorrer, temos que voltar‑nos decididamente para o Sacrário, onde nos espera o Amigo que nunca atraiçoa nem decepciona, e que, nesse colóquio sem palavras, nos anima, nos dá critério e nos robustece para a luta. Quantas preocupações e fardos aparentemente insuportáveis se desfazem à luz trêmula da lamparina de um Sacrário!

O trato assíduo com a nossa Mãe Santa Maria ensinar‑nos‑á a ter sempre paz e a compadecer‑nos das necessidades do próximo. Nada lhe passou inadvertido, porque até os mais pequenos apuros dos homens se fizeram patentes ao amor que sempre lhe absorveu o Coração. Ela tornará mais fácil o caminho para Cristo quando tivermos mais necessidade de descarregar nEle as nossas preocupações e de renovar o impulso da caridade: assim “obterás forças para cumprir acabadamente a Vontade de Deus, encher‑te‑ás de desejos de servir a todos os homens. Serás o cristão que às vezes sonhas ser: cheio de obras de caridade e de justiça, alegre e forte, compreensivo com os outros e exigente contigo mesmo”13.

(1) Mt 11, 28‑30; (2) São Gregório Magno, Homilias sobre o Evangelho, 25, 6; (3) Mt 7, 7; (4) 1 Jo 2, 2; (5) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 440; (6) cfr. 1 Pe 1, 18; (7) Mt 25, 40; (8) Mc 8, 2; (9) São Leão Magno, Sermão 89; (10) J. Orlandis, Las ocho bien‑aventurazas, EUNSA, Pamplona, 1982, págs. 104‑105; (11) T. Kempis, Imitação de Cristo, I, 16, 4; (12) Paulo VI, Homilia, 12‑VI‑1977; (13) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 293.