A Páscoa do Senhor
TEMPO COMUM. DÉCIMA QUINTA SEMANA. SEXTA‑FEIRA
– A Páscoa judaica.
– A Última Ceia de Jesus com os seus discípulos. O verdadeiro Cordeiro pascal.
– A Santa Missa, centro da vida interior.
I. A PÁSCOA ERA a festa judaica mais solene; fora instituída por Deus para comemorar a saída do povo judeu do Egito e para evocar anualmente a libertação da escravidão a que tinha estado submetido. O Senhor estabeleceu1 que todas as famílias imolassem na véspera desta festa um cordeiro de um ano, sem mancha nem defeito algum. Toda a família devia reunir‑se para comer essa carne assada ao fogo, com pães ázimos, sem fermento, e com ervas amargas. O pão não fermentado simbolizava a pressa da saída do Egito, sob a perseguição dos exércitos do Faraó; as ervas amargas, a amargura da escravidão padecida ao longo de tantos anos. Teriam de comer depressa, como quem está de passagem, com as roupas cingidas, como quem se prepara para empreender uma longa caminhada.
A festa começava com a ceia pascal, na tarde do dia 14 do mês de Nisán, pouco depois do pôr‑do‑sol, e prolongava‑se por mais sete dias, em que se continuava a comer pão não fermentado; por esse motivo a semana chamava‑se a semana dos Ázimos. O fermento era eliminado das casas na própria tarde do dia 14.
Tudo isso era imagem da renovação e da libertação da escravidão do pecado que Cristo operaria nas almas. Purificai‑vos do velho fermento – dirá São Paulo aos primeiros cristãos de Corinto – para que sejais uma massa nova, assim como sois ázimos. Porque Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado. Celebremos, pois, a festa, não com fermento velho, nem com o fermento da malícia e da perversidade, mas com os ázimos da pureza e da verdade2.
Já o cordeiro pascal da festa judaica era promessa e figura do verdadeiro Cordeiro, Jesus Cristo, vítima no sacrifício do Calvário em favor de toda a humanidade3. Ele é o verdadeiro Cordeiro que tirou o pecado do mundo, que morrendo destruiu a nossa morte e ressuscitando restaurou a vida4. É o Cordeiro que, com o seu sacrifício voluntário, consegue o que se simbolizava nos sacrifícios da antiga Lei: satisfazer pelos pecados dos homens.
O sacrifício de Cristo na Cruz, renovado todas as vezes que se celebra a Santa Missa, permite‑nos viver já numa contínua festa. Por isso São Paulo exortava os Coríntios a expurgarem o velho fermento, símbolo do que é velho e do que é impuro, para levarem uma autêntica vida cristã5. A Santa Missa, vivida também ao longo do dia, antecipa‑nos a glória do Céu. Depois de tantos bens recebidos, “podeis acaso não estar em festa contínua durante os dias da vossa vida terrena? – pergunta São João Crisóstomo. Longe de nós qualquer abatimento pela pobreza, doença ou perseguições que nos afligem. A vida presente é um tempo de festa”6, uma antecipação do que serão a glória e a felicidade eternas.
II. JESUS MARCOU antecipadamente e com particular relevo a última páscoa que comeria com os seus discípulos7: disse que desejara ardentemente comê‑la com eles8.
João e Pedro prepararam tudo o que era necessário: os pães ázimos, as verduras amargas, as taças para o vinho e o cordeiro, que devia ser sacrificado no átrio do Templo, nas primeiras horas da tarde. Naquela noite, provavelmente em casa de Maria, mãe de Marcos, teria lugar a instituição da Eucaristia e adiantar‑se‑ia sacramentalmente o Sacrifício da Nova Aliança que se realizaria no dia seguinte no Calvário. “Celebram‑se numa mesma mesa as duas páscoas: a da figura e a da realidade. Assim como os pintores traçam primeiro na mesma tela as linhas do contorno e acrescentam depois as cores, assim fez também Cristo”9; utilizando os velhos ritos, estabeleceu a verdadeira Páscoa, a festa por excelência, da qual a anterior era somente uma imagem precursora. As ervas amargas relacionavam‑se agora, intimamente, com a amargura da Paixão que se abateria sobre o Senhor no Gólgota.
De uma vez para sempre, com especial simplicidade e gravidade, Jesus substituiu, pois, o antigo rito pelo seu sacrifício redentor. Naquela noite, no Cenáculo, teve lugar o acontecimento de que viveriam os homens de tantas gerações e que constitui o centro da nossa existência. “Ó ditoso lugar – exclama Santo Efrém – no qual o cordeiro da Páscoa sai ao encontro do Cordeiro da verdade…! […]. Ó ditoso lugar! Nunca foi preparada uma mesa como a tua, nem na casa dos reis, nem no Tabernáculo, nem no Sancta Sanctorum”10.
Com as palavras: Fazei isto em memória de mim, o Senhor estabeleceu que esse mistério de amor pudesse repetir‑se até o fim dos tempos, concedendo aos Apóstolos e aos seus sucessores o poder de realizá‑lo11. Como devemos estar‑lhe agradecidos por participarmos de tantos bens que recebemos na Missa, e de modo particular no momento da Sagrada Comunhão! Temos tão perto de nós o próprio Cristo, que se deu plenamente aos seus discípulos e a todos os homens naquela noite memorável! Agora podemos dizer ao Senhor na intimidade do nosso coração:
“Eu te amo, Senhor Jesus, minha alegria e descanso, com todo o meu coração, com toda a minha mente, com toda a minha alma e com todas as minhas forças; e se vês que não te amo como deveria, ao menos desejo amar‑te, e, se não o desejo suficientemente, pelo menos quero desejá‑lo desse modo […]. Ó Corpo sacratíssimo aberto pelas cinco chagas, coloca‑te como selo sobre o meu coração e imprime nele a tua caridade! Sela os meus pés, para que saiba seguir os teus passos; sela as minhas mãos, para que realizem sempre boas obras; sela o meu peito, para que arda para sempre em vibrantes atos de amor por Ti. Ó Sangue preciosíssimo, que lavas e purificas todos os homens! Lava a minha alma e põe um sinal no meu rosto, para que não ame a ninguém senão a Ti”12.
III. NAQUELA ÚLTIMA PÁSCOA, Jesus entregou‑se a seu Pai como vítima a ser imolada, como Cordeiro puríssimo. Tanto a Última Ceia como a Santa Missa constituem por isso, juntamente com a oblação oferecida no Calvário, um Sacrifício único e perfeito, porque nos três casos a vítima oferecida é a mesma: Cristo; e o sacerdote é também o mesmo: Cristo13.
Preparemo‑nos para a Santa Missa como se o Senhor nos tivesse convidado pessoalmente para aquela última páscoa que comeu com os seus mais íntimos. Todos os dias devemos ouvir no nosso coração, como dirigidas unicamente a nós, aquelas palavras do Senhor: Desiderio desideravi hoc Pascha manducare vobiscum…, “desejei ardentemente comer esta páscoa convosco”14. É grande o desejo de Jesus, são muitas as graças que nos prepara.
Conta‑se de São João de Ávila que, ao receber a notícia da morte de um sacerdote que acabava de ordenar‑se, perguntou imediatamente se tinha celebrado alguma Missa; responderam‑lhe que só tinha podido fazê‑lo uma vez. E diz‑se que o Santo comentou: “De muito terá que prestar contas a Deus”. Pensemos hoje, nestes minutos de oração, em como celebramos ou em como participamos do Santo Sacrifício do Altar; como são os desejos, a preparação, o empenho por evitar que outros assuntos ocupem a nossa mente, os atos de fé e de amor nesse tempo, sempre curto, que dura a Santa Missa e a ação de graças depois da Comunhão.
Devemos procurar que a Santa Missa seja a raiz de toda a nossa vida. “Deves lutar por conseguir que o Santo Sacrifício do Altar seja o centro e a raiz da tua vida interior, de modo que todo o teu dia se converta num ato de culto – prolongamento da Missa a que assististe e preparação para a seguinte –, que vai transbordando em jaculatórias, em visitas ao Santíssimo Sacramento, em oferecimento do teu trabalho profissional e da tua vida familiar…”15
Se, com a ajuda da graça, nos esforçarmos, a Santa Missa será o centro para o qual convergirão todas as nossas práticas de piedade, os deveres familiares e sociais, o trabalho, o apostolado…; converter‑se‑á também na fonte onde recuperaremos diariamente as forças para prosseguir a nossa caminhada; no cume para o qual dirigiremos os nossos passos, as nossas obras, os nossos anseios apostólicos, os mais íntimos desejos da alma; será também o coraçãoonde aprenderemos a amar os outros, com os seus defeitos, parecidos aos nossos, e com as suas facetas menos agradáveis.
Se cada dia conseguirmos amar um pouco mais a Santa Missa, poderemos dizer ao Senhor depois da ação de graças da Comunhão: “Afasto‑me um pouco de Ti, Senhor Jesus, mas não me vou embora sem Ti, que és a consolação, a felicidade e o bem da minha alma […]. Tudo quanto fizer daqui para a frente, fá‑lo‑ei em Ti e por Ti, e nada será objeto das minhas palavras e ações internas e externas a não ser Tu, meu Deus e meu amor…”16
(1) Ex 12, 1‑4; Primeira leitura da Missa da sexta‑feira da décima quinta semana do TC, ano I; (2) 1 Cor 5, 7‑8; (3) cfr. São Tomás, Suma Teológica, III, q. 73, a. 6; (4) Missal Romano, Prefácio Pascal I; (5) cfr. Sagrada Bíblia, Epístolas de São Paulo aos Coríntios; (6) São João Crisóstomo, Homilias sobre a 1ª Epístola aos Coríntios, 5, 7‑8; (7) cfr. Jo 2, 13‑23; 6, 4; 11, 55; 12, 1; (8) cfr. Lc 22, 15; (9) São João Crisóstomo, Sobre a traição de Judas, 1, 4; (10) Santo Efrém, Hino, 3; (11) cfr. 1 Cor 11, 24‑25; Lc 22, 19; (12) Card. J. Bona, El sacrificio de la Misa, Rialp, Madrid, 1963, págs. 164‑165; (13) cfr. Ch. Journet, La Misa, Rialp, Madrid, 1965, pág. 89; (14) cfr. Lc 22, 15; (15) Josemaría Escrivá, Forja, n. 69; (16) Card. J. Bona, op. cit., pág. 176.
Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal
Bv. Inácio de Azevedo e Comps mártires
17 de Julho
Bv. Inácio de Azevedo e Companheiros mártires
Inácio de Azevedo nasceu em Portugal, na cidade do Porto, em 1527. Seus pais, Manuel e Violante, eram descendentes de famílias lusitanas, ricas e poderosas. Desde pequeno foi educado sob preceitos cristãos e recebeu também vasta cultura acadêmica. Aos dezoito anos, tornou-se administrador dos bens da família, pois tinha inteligência acima da média.
Mas sua vocação era a religião. Após um retiro na cidade de Coimbra, entrou para a Companhia de Jesus em 1548. Cinco anos depois, recebeu a ordenação sacerdotal. Seus estudos eram tão avançados e seus conhecimentos tão extensos que, mesmo sem terminar o curso de teologia, foi nomeado reitor do Colégio Santo Antonio, em Lisboa.
Em 1565, foi escolhido pelos jesuítas para representá-los, em Roma, na eleição do novo geral, que era ninguém menos que o próprio Francisco Borja, hoje santo. Admirado com a capacidade de Inácio, deu-lhe a incumbência de vistoriar as missões jesuítas nas Índias e no Brasil. Tal viagem de inspeção durou três anos.
No Brasil, a evangelização começara havia apenas dezesseis anos, mas o trabalho dos jesuítas dava frutos em profusão. A Companhia de Jesus já estava presente em sete tribos no interior e, no litoral, possuía escolas e seminários.
Ao voltar, Inácio relatou ao geral que o trabalho ia muito bem, mas poderia render ainda mais se houvesse um número maior de missionários. Recebendo autorização do superior, recrutou jesuítas na Espanha e Portugal. Após cinco meses de preparativos, ele e mais trinta e nove companheiros partiram para o Brasil, em 5 de junho de 1570, num navio mercante.
Na mesma data, partiu também uma embarcação de guerra comandada por dom Luis Vasconcelos, governador do Brasil, onde seguiam mais trinta jesuítas. Oito dias depois, os dois navios pararam na ilha da Madeira, para esperar ventos mais fortes e melhor direcionados. O navio de guerra ali permaneceu, mas o capitão do mercante, que era Inácio, resolveu zarpar em direção às ilhas Canárias.
Apesar dos boatos da existência de piratas calvinistas no caminho, que estariam no encalço dos jesuítas, ele não quis ouvir os conselhos de não seguir viagem. Inácio e seus parceiros preferiram permanecer a bordo e não desistir, pois não temiam a morte. Ela, de fato, os encontrou em alto mar. O navio foi atacado pelo corsário calvinista francês Jacques Sourie, que partira de La Rochelle, justamente no encalço dos missionários. O navio foi dominado, os tripulantes e demais passageiros poupados, mas todos os jesuítas foram degolados imediatamente. Era o dia 15 de julho de 1570.
O culto a Inácio de Azevedo e companheiros foi aprovado pelo papa Pio IX em 1854. A festa ocorre no dia do trânsito dos quarenta de jesuítas martirizados pelas mãos de piratas calvinistas. São venerados como os "Mártires do Brasil".
Fonte: http://arquisp.org.br
Nossa Senhora do Carmo
16 de Julho
Nossa Senhora do Carmo
Segundo a tradição, no dia 16 de julho de 1251, São Simão Stock, superior dos Carmelitas, encontrava-se em profunda oração rogando por seus religiosos perseguidos quando a Virgem lhe apareceu com o hábito da Ordem na mão e entregou-lhe o escapulário.
Tempos depois, a devoção a Nossa Senhora do Carmo foi florescendo e a espiritualidade carmelita se estendeu por vários lugares do mundo.
A festa de Nossa Senhora do Carmo, que se celebra a cada 16 de julho, é ainda símbolo do encontro entre a Antiga e a Nova Aliança, porque foi no monte Carmelo (vocábulo hebreu que significa jardim) onde o profeta Elias defendeu a fé do povo escolhido contra os pagãos.
Elias e Eliseu permaneceram no Monte Carmelo e com seus discípulos viveram de maneira contemplativa, como eremitas em oração. Em meados do século XII de nossa era, São Bertoldo fundou a Ordem do Carmelo e vários sacerdotes foram viver no Carmelo como eremitas.
Por volta de 1205, Santo Alberto, patriarca de Jerusalém, entregou aos eremitas do Carmelo uma regra de vida, que foi aprovada pelo Papa Honório III em 1226. Eles tinham a missão de viver na forma de Elias e de Maria Santíssima, a quem veneravam como a Virgem do Carmo.
No século XIII, o Papa Inocêncio IV concedeu aos carmelitas o privilégio de ser incluídos entre as ordens mendicantes junto com os franciscanos e dominicanos. Os carmelitas passaram por algumas reformas, sendo a maior delas a realizada por Santa Teresa d´Ávila (Santa Teresa de Jesus) e São João da Cruz. Através dos séculos, esta espiritualidade deu muitos santos à Igreja.
Fonte: https://www.acidigital.com
Nossa Senhora do Carmo
– O amor à Virgem e o escapulário do Carmo.
– As graças e as ajudas especiais de Nossa Senhora no momento da morte.
– O escapulário, símbolo da veste nupcial.
Esta festa, instituída em 1726, comemora o dia em que, conforme as tradições carmelitas, a Virgem apareceu a São Simão Stock, primeiro Superior Geral da Ordem. Maria prometeu abençoar especialmente todos aqueles que, no decorrer dos séculos, usassem o seu escapulário. A Igreja aprovou solene e repetidamente esta devoção mariana nascida na Inglaterra, e os Papas concederam-lhe numerosos privilégios espirituais. A Virgem do Carmo é padroeira dos marinheiros. Ela é o Porto seguro onde devemos refugiar-nos em todas as tempestades da vida.
I. O CULTO E A DEVOÇÃO à Virgem do Carmo remonta às origens da Ordem Carmelita, cuja tradição mais antiga a relaciona com a pequena nuvem, como a palma da mão de um homem, que se levantava do mar 1 e que era vista do cume do Monte Carmelo, enquanto o profeta Elias suplicava ao Senhor que pusesse fim a um longo período de estiagem. A nuvem cobriu rapidamente o céu e trouxe chuva abundante à terra sedenta há tanto tempo. Nessa nuvem carregada de bens viu-se uma figura da Virgem Maria 2, que, dando o Salvador ao mundo, foi portadora da água vivificante de que toda a humanidade estava sedenta. Ela nos traz continuamente bens sem número.
A 16 de julho de 1251, a Santíssima Virgem apareceu a São Simão Stock, Superior da Ordem dos Carmelitas, e prometeu graças e bênçãos especiais a todos os que usassem o escapulário. Esta devoção “fez correr sobre o mundo um rio caudaloso de graças espirituais e temporais” 3, e a Igreja aprovou-a diversas vezes com numerosos privilégios espirituais. Durante séculos, os cristãos acolheram-se a essa proteção de Nossa Senhora. “Traz sobre o teu peito o santo escapulário do Carmo. – Poucas devoções (há muitas e muito boas devoções marianas) estão tão arraigadas entre os fiéis e têm tantas bênçãos dos Pontífices. Além disso, é tão maternal este privilégio sabatino!” 4
A Virgem prometeu aos que vivessem e morressem com o escapulário – ou com a medalha, devidamente abençoada, do Sagrado Coração e da Virgem do Carmo, que o substitui – a graça de obterem a perseverança final 5, isto é, uma ajuda particular para se arrependerem nos últimos momentos da sua vida, se não estiverem em graça. A esta promessa acrescenta-se o chamado privilégio sabatino – que consiste em a alma se libertar do Purgatório no sábado seguinte à morte 6 – e muitas outras graças e indulgências. Maria, “pela sua caridade maternal, cuida dos irmãos do seu Filho que ainda peregrinam rodeados de perigos e dificuldades, até que sejam conduzidos à pátria bem-aventurada” 7. Não deixemos de recorrer a Ela diariamente, para que nos ajude e proteja. O próprio escapulário pode recordar-nos freqüentemente que pertencemos à nossa Mãe do Céu e que Ela nos pertence, pois somos seus filhos e foi muito o que cada um de nós lhe custou.
II. POR MEIO DESTA DEVOÇÃO, exprimimos uma especial dedicação de todo o nosso ser a Nossa Senhora, pois “na aparição em que a Santíssima Virgem entregou o escapulário a São Simão Stock, a Mãe de Deus manifestou-se como Senhora da graça e como Mãe que protege os seus filhos na vida e na morte.
“O povo cristão venerou a Virgem do Carmo, especialmente por meio do santo escapulário, como Mãe de Deus e Mãe nossa, que se apresenta com estas credenciais: “Na vida, protejo; na morte, ajudo; e, depois da morte, salvo” 8. Ela é vida, doçura e esperança nossa, como repetimos tantas vezes na recitação da Salve-Rainha.
A devoção ao santo escapulário do Carmo manifesta a certeza com que confiamos no auxílio maternal da Virgem. Assim como se utilizam troféus e medalhas para exprimir relações de amizade, evocar recordações ou triunfos, nós damos um sentido muito íntimo ao escapulário para nos lembrarmos freqüentemente do nosso amor à Virgem e da sua bendita proteção. Ela toma-nos pela mão e, ao longo de todos os dias da nossa vida aqui na terra, leva-nos por um caminho seguro, ajuda-nos a vencer as dificuldades e tentações: nunca nos abandona, “pois é seu costume favorecer os que se querem valer do seu amparo” 9.
Chegará um dia em que soará a hora do nosso encontro definitivo com o Senhor. Precisaremos então, mais do que nunca, da sua proteção e ajuda. A devoção à Virgem do Carmo e ao seu santo escapulário é penhor de esperança no Céu, pois a Santíssima Virgem prolonga a sua proteção maternal além da própria morte. “Maria guia-nos para esse futuro eterno; faz que ansiemos por ele e o descubramos; dá-nos a esperança da vida bem-aventurada, a sua certeza, o seu desejo. Animados por tão esplendorosa realidade, dominados por uma alegria indizível, a nossa humildade e fatigante peregrinação terrena, iluminada por Maria, transforma-se em caminho seguro – iter para tutum – para o Paraíso” 10. Ali a veremos, com a graça divina.
Em 1605, foi eleito Papa o Cardeal De Médicis, que tomou o nome de Leão XI. Quando o revestiam com as vestes pontifícias, quiseram tirar-lhe um grande escapulário do Carmo que trazia entre a roupa. Mas o Papa disse aos que o ajudavam: “Deixem-me Maria, para que Maria não me deixe”. Nós também não queremos deixá-la, pois necessitamos muito da sua proteção. Por isso trazemos sempre o seu escapulário. E agora dizemos-lhe que, quando chegar o nosso último momento, iremos abandonar-nos nos seus braços. Temos-lhe pedido tantas vezes que rogue por nós agora e na hora da nossa morte que Ela não se esquecerá!
Na sua visita a Santiago de Compostela, o Papa João Paulo II desejava a todos: “Que a Virgem do Carmo [...] vos acompanhe sempre. Seja Ela a estrela que vos guie, a que nunca desapareça do vosso horizonte, a que vos conduza a Deus, ao porto seguro” 11. Pelas mãos de Maria, chegaremos à presença do seu Filho. E se nos restar alguma coisa por purificar, Ela adiantará o momento em que, totalmente limpos, possamos ver a Deus.
Antigamente, representava-se a Virgem do Carmo com um grupo de pessoas aos seus pés, formado por almas rodeadas de chamas no Purgatório, para indicar que Ela intercede particularmente pelos que se encontram nesse lugar de purificação 12. “A Virgem é boa para aqueles que estão no Purgatório, porque por Ela obtêm alívio” 13, ensinava com freqüência São Vicente Ferrer. O seu amor ajudar-nos-á a purificar-nos nesta vida para podermos estar com o seu Filho imediatamente depois da morte.
III. O ESCAPULÁRIO é também imagem da veste nupcial, da graça divina que deve revestir sempre a alma.
O Papa João Paulo II, falando aos jovens numa paróquia romana dedicada à Virgem do Carmo, recordava-lhes em confidência como recebera especial socorro e amparo da sua devoção à Virgem do Carmo. “Devo dizer-vos – comentava-lhes – que na minha juventude, quando era como vós, Ela me ajudou. Não poderia dizer-vos em que medida, mas penso que foi numa medida imensa. Ajudou-me a encontrar a graça própria da minha idade, da minha vocação”. E acrescentava: a missão da Virgem, essa que se encontra prefigurada e “começa no Monte Carmelo, na Terra Santa, está ligada a uma veste. Esta veste chama-se santo escapulário. Eu devo muito, nos anos da minha juventude, a este escapulário carmelitano. Que a mãe se mostre sempre solícita e se preocupe com a roupa dos seus filhos, de que se apresentem bem vestidos, é algo encantador”. E quando essas vestes se rasgam, “a mãe procura consertá-las”. “A Virgem do Carmo, Mãe do santo escapulário, fala-nos desse cuidado maternal, dessa sua preocupação por vestir-nos. Vestir-nos em sentido espiritual. Vestir-nos com a graça de Deus e ajudar-nos a conservar essa roupa sempre limpa”. O Papa aludia às vestes brancas usadas pelos catecúmenos dos primeiros séculos, como símbolo da graça santificante que recebiam com o batismo. E depois de exortar a conservar a alma sempre limpa, concluía: “Sede também vós solícitos em colaborar com a Mãe boa, que se preocupa com as vossas vestes, e especialmente com as vestes da graça, que santifica a alma dos seus filhos e filhas” 14. Essas vestes com que um dia nos apresentaremos ao banquete nupcial.
O escapulário do Carmo pode ser uma grande ajuda para amarmos mais a nossa Mãe do Céu, um lembrete para que não nos esqueçamos de que lhe estamos dedicados e de que, num momento de dificuldade, no meio de uma tentação, contamos com a sua ajuda. Com palavras do Gradual da festa de hoje, pedimos a Nossa Senhora: Recordare Virgo Mater Dei [...] ut loquaris pro nobis bona. “Lembrai-vos, ó Virgem Mãe de Deus, quando estiverdes na presença de Deus, de dizer-lhe coisas boas de nós” 15; também nesses dias em que não tenhamos sido tão fiéis como Deus espera dos seus filhos.
(1) 1 Rs 18, 44; (2) cfr. Professores de Salamanca, Bíblia comentada, BAC, Madrid, 1961, vol. II, pág. 450; (3) Pio XII, Alocução, 6-VIII-1950; (4) Josemaría Escrivá, Caminho, 7ª ed., Quadrante, São Paulo, n. 500; (5) cfr. Inocêncio IV, Bula Ex parte dilectorum, 13-I-1252; (6) cfr. João XXII, Bula Sacratissimo uti culmine, 3-III-1322; (7) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 62; (8) Card. Gomá, María Santísima, 2ª ed., R. Casulleras, Barcelona, 1947; (9) Santa Teresa, Fundações, 23, 3; (10) Paulo VI, Homilia, 15-VIII-1966; (11) João Paulo II, Alocução, 9-XI-1982; (12) cfr. M. Trens, María, Iconografía de la Virgen en el arte español, Plus Ultra, Madrid, 1946, pág. 378; (13) São Vicente Ferrer, Sermão II sobre o Natal; (14) João Paulo II, Alocução, 15-I-1989; (15) Graduale Romanum, pág. 580.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal
São Boaventura
15 de Julho
São Boaventura
Seu nome de batismo era João de Fidanza. Ele nasceu em 1218, em Bagnoregio, região de Viterbo, Itália. Seu pai era um médico famoso e bem conceituado na região. Contudo, quando o pequeno João de Fidanza teve uma enfermidade grave, o pai não conseguiu curá-lo. A cura aconteceu quando o pai, a mãe e familiares a pediram pela intercessão de São Francisco. Esta cura foi como um sinal profético, pois, o pequeno João, no futuro, viria a ser um grande reformador dos franciscanos.
Aos vinte anos, João de Fidanza entrou no convento dos franciscanos. Apenas dois anos depois ele vestia o hábito, adotando o nome de Boaventura. Como seus dotes de inteligência e cultura logo afloraram dentro da ordem, ele foi designado para estudar filosofia e teologia na famosa Universidade de Paris. Mais tarde, em 1253, na mesma universidade, foi nomeado professor catedrático nas duas matérias. Sua sabedoria na condução de assuntos difíceis também se destacou.
São Boaventura tornou-se amigo e companheiro de Santo Tomás de Aquino, outro grande nome da intelectualidade católica e também Doutor da Igreja. Esta amizade foi frutuosa para os dois santos e para a Igreja pois, dela, nasceram grandes obras literárias e espirituais que definiram rumos na Igreja pelos séculos vindouros.
São Boaventura viu que a Ordem dos Franciscanos era como que uma miniatura da Igreja, porque as duas se originaram a partir de homens humildes e simples. Somente mais tarde é que os nobres e intelectuais se juntaram a elas. Por isso, São Boaventura defendeu fortemente os franciscanos e as chamadas “Ordens Mendicantes” (muito combatidas pelas ordens seculares). As mendicantes, dizia, representavam as origens da Igreja e isso tinha que ser preservado, mesmo que estas ordens já estivessem presentes nas grandes cidades e universidades da Europa. A origem tinha que ser preservada.
São Boaventura ficou famoso como orador e teólogo quando começou a defender as Ordens Mendicantes. Mais tarde, em 1257, o Papa Alexandre IV nomeou-o Superior Geral dos Franciscanos, função que ele exerceu durante dezoito anos. O exercício desta função foi tão inspirado que São Boaventura passou a ser chamado de “Segundo Pai” e “Segundo Fundador” da Ordem Franciscana. Com efeito, ele conseguiu unir de maneira maravilhosa as correntes antigas e novas dentro da Ordem, dando a ela um novo impulso.
Baseado em Santo Agostinho e Platão, São Boaventura escreveu suas obras teológicas em onze volumes, procurando sempre dar fundamentação racional às grandes verdades de fé. Além de superior geral dos franciscanos e de escritor renomado, São Boaventura recebeu a nomeação de bispo e cardeal por meio do Papa Gregório X. Nesse cargo, ele assumiu a responsabilidade de organizar e liderar o Concílio de Lyon.
São Boaventura teve papel decisivo no Concílio de Lyon, no ano 1274. Ele conseguiu reconciliar as ordens mendicantes e o clero secular, que a essa altura, ainda viviam em contendas. Este foi um dos grandes legados de São Boaventura para a Igreja. Depois disso, talvez sentindo que sua missão neste mundo estava cumprida, ele veio a falecer, estando ainda na cidade de Lyon. Na ocasião, foi atendido diretamente pelo Papa, que o estimava bastante. Era o dia 15 de julho de 1274. São Boaventura foi canonizado no ano 1482, quando recebeu o título de Doutor da Igreja por causa de suas obras.
Fonte: https://cruzterrasanta.com.br
O Nosso Pai-Deus
TEMPO COMUM. DÉCIMA QUINTA SEMANA. QUARTA‑FEIRA
– Deus está sempre ao nosso lado.
– Imitar Jesus para sermos bons filhos de Deus Pai.
– A filiação divina leva‑nos a identificar‑nos com Cristo.
I. QUANDO MOISÉS PASTOREAVA o rebanho do seu sogro Jetro perto do Horeb, a montanha santa, Deus apareceu‑lhe numa sarça que ardia sem se consumir. Ali recebeu a missão extraordinária da sua vida: tirar o Povo eleito da escravidão a que estava submetido pelos egípcios e levá‑lo para a Terra Prometida. E como garantia do feliz resultado da tarefa que lhe confiava, o Senhor disse‑lhe: Eu estou contigo 1. Moisés não pôde imaginar então até que ponto Deus ia estar com ele e com o seu povo no meio de tantas vicissitudes e provas.
Também nós não sabemos plenamente – pela nossa limitação humana – até que ponto Deus está conosco em todos os momentos da vida. Jesus, perfeito Deus e perfeito Homem, fala‑nos constantemente, ao longo do Evangelho, dessa proximidade de Deus e da sua amorosa paternidade em relação aos homens. E só Ele podia fazê‑lo, pois ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar 2, diz‑nos o Evangelho da Missa. O Filho conhece o Pai com o mesmo conhecimento que o Pai tem do Filho, numa intimidade infinitamente perfeita. É a identificação de saber e de conhecimento que a unidade da natureza divina implica. Jesus, com essas palavras, declarava a sua divindade.
E como Filho consubstancial com o Pai, manifesta‑nos quem é Deus Pai em relação a nós, e como na sua bondade nos concede o Dom do Espírito Santo. Este foi o núcleo da sua revelação aos homens: o mistério da Santíssima Trindade e, com ele e nele, a maravilha da paternidade divina. Na última noite, quando parece resumir na intimidade do Cenáculo o que haviam sido aqueles anos de entrega e de confidências profundas, declara: Manifestei o teu nome aos que me deste 3. “Manifestar o nome” era mostrar o modo de ser, a essência de alguém. Jesus deu‑nos a conhecer a intimidade do mistério trinitário de Deus: a sua paternidade, sempre próxima dos homens.
São incontáveis as vezes em que o Senhor dá a Deus o título de Pai nos seus diálogos íntimos com Ele e na sua pregação às multidões. Fala detidamente da bondade de Deus Pai: Ele retribui qualquer pequena ação, acolhe tudo o que fazemos de bom, mesmo aquilo que ninguém vê 4; é tão generoso que reparte os seus bens entre justos e injustos 5; anda sempre solícito e providente em relação às nossas necessidades 6. O nome de Pai é citado freqüentemente nos Evangelhos, como um estribilho que Jesus gostasse muito de repetir. Deus Pai nunca está longe da nossa vida, como não o está o pai que vê o seu filho pequeno sozinho e em perigo. Se procurarmos agradar‑lhe em tudo, sempre o encontraremos ao nosso lado: “Quando amares de verdade a Vontade de Deus, não deixarás de ver, mesmo nos momentos de maior trepidação, que o nosso Pai do Céu está sempre perto, muito perto, a teu lado, com o seu Amor eterno, com o seu carinho infinito”7.
II. DEUS NÃO É SOMENTE o autor do homem, como o pintor o é do quadro; Deus é pai do homem, e de um modo misterioso e sobrenatural fá‑lo partícipe da natureza divina 8. O Pai quis que nos chamássemos filhos de Deus e que o sejamos de verdade 9. Esta realidade não é uma conquista nossa, não é um progresso humano, mas dom divino, dom inefável que devemos considerar e agradecer freqüentemente todos os dias.
A filiação divina será o fundamento da nossa alegria e da nossa esperança ao realizarmos as tarefas que o Senhor nos confiou. Aqui estará a nossa segurança perante os temores e angústias que nos podem assaltar: Pai, meu Pai, dir‑lhe‑emos tantas vezes, acariciando esse nome delicado e sonoro, sumarento e forte; Pai!, gritaremos nos momentos de alegria e nas situações de perigo. “Chama‑o Pai muitas vezes ao dia, e dize‑lhe – a sós, no teu coração – que o amas, que o adoras; que sentes o orgulho e a força de ser seu filho” 10.
Deus Pai vê‑nos cada vez mais como seus filhos na medida em que nos parecemos mais com Jesus Cristo, que é o Primogênito de muitos irmãos sem deixar de ser o Unigênito do Pai. Seremos, pois, bons filhos de Deus se procurarmos trabalhar como Cristo, se tratarmos com misericórdia os que vamos encontrando nas diversas circunstâncias que compõem o nosso dia, se desagravarmos o Senhor pelos pecados do mundo, se formos agradecidos como Jesus o era; e, de modo especial, se na oração recorrermos ao nosso Pai‑Deus como o fazia Jesus Cristo: rompendo freqüentemente em ações de graças e atos de louvor ante as contínuas provas de amor que Deus tem conosco. Dou‑te graças, Pai, Senhor do céu e da terra, lemos no Evangelho de hoje 11. Obrigado, diremos, porque me aconteceu isto ou aquilo..., porque essa pessoa se aproximou dos sacramentos..., porque me ajudas a levar para a frente a minha família..., porque posso desafogar o meu coração na direção espiritual... Dou‑te graças por tudo... Comportamo‑nos como bons filhos de Deus quando os nossos pensamentos, os nossos afetos, se dirigem a Deus Pai com muita freqüência; não só nos momentos difíceis, mas também no meio da alegria, para louvá‑lo e glorificá‑lo: Bendiz, ó minha alma, o Senhor, e todo o meu ser o seu santo nome. Bendiz, ó minha alma, o Senhor, e não te esqueças de nenhum dos seus benefícios 12.
Devemos procurar olhar para as pessoas como o Mestre o fazia... Que diferente é o mundo visto através do olhar de Cristo! E é o Espírito Santo quem nos compele a assemelhar‑nos mais a Cristo. Porque os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus 13. “Com o Espírito, chega‑se a pertencer a Cristo – comenta São João Crisóstomo –, chega‑se a possuí‑lo, compete‑se em honra com os anjos. Com o Espírito, crucifica‑se a carne, saboreia‑se o encanto de uma vida imortal, tem‑se a promessa da ressurreição futura, avança‑se rapidamente pelo caminho da virtude” 14. A filiação divina é o caminho para ir a Deus Pai por Jesus Cristo no Espírito Santo.
III. MEDITAMOS MUITAS VEZES na misericórdia de Deus, que quis tornar‑se homem para que o homem de certo modo pudesse fazer‑se Deus, isto é, divinizar‑se 15, participar de modo real da própria vida de Deus. A graça santificante, que recebemos nos sacramentos e por meio das boas obras, vai‑nos identificando com Cristo e fazendo‑nos filhos no Filho, pois Deus Pai tem um só Filho, e não é possível termos acesso à filiação divina senão em Cristo, unidos e identificados com Ele, como membros do seu Corpo Místico: Vivo, mas já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim16, escrevia São Paulo aos Gálatas.
Por esta razão, se nos dirigimos ao Pai, é Cristo quem ora em nós; quando renunciamos a alguma coisa por Deus, é Cristo quem está por trás desse espírito de desprendimento; quando queremos aproximar alguém dos sacramentos, o nosso empenho apostólico não é senão um reflexo do zelo de Jesus Cristo pelas almas. Por benevolência divina, os nossos trabalhos e as nossas dores completam os trabalhos e dores que o Senhor sofreu pelo seu Corpo Místico que é a Igreja. Que imenso valor adquirem então o trabalho, a dor, as dificuldades do dia a dia!
Este esforço ascético que, com a ajuda da graça, nos faz identificar‑nos cada vez mais com o Senhor, deve levar‑nos a ter os mesmos sentimentos que teve Cristo Jesus 17; e à medida que nos identificamos com Ele, vamos crescendo no sentido da filiação divina, somos – para dizê‑lo de alguma forma – mais filhos de Deus. Na vida humana, não tem sentido sermos “mais filhos ou menos filhos” de um pai da terra: todos o somos por igual; só é possível sermos bons ou maus filhos. Na vida sobrenatural, à medida que formos mais santos, seremos mais filhos de Deus; ao penetrarmos mais e mais na intimidade divina, chegaremos a ser não só melhores filhos, como mais filhos. Esta deve ser a grande meta da vida de um cristão: um crescimento contínuo no sentido da sua filiação divina.
A nossa Mãe, Santa Maria, é o modelo perfeito dessa grandeza sublime a que pode chegar a graça divina quando encontra uma correspondência total. A não ser Cristo na sua Santíssima Humanidade, ninguém esteve mais perto de Deus; nem criatura alguma pode chegar a ser filho de Deus na plenitude de sentido em que a Santíssima Virgem foi Filha de Deus Pai.
Peçamos‑lhe que infunda nas nossas almas a sede de procurar nos ensinamentos do Espírito Santo o impulso de que precisamos para imitar Jesus: sob o seu influxo, sentiremos a urgência, a necessidade ardente de nos dirigirmos ao Pai a cada momento, mas especialmente na Missa: invocá‑lo‑emos como Pai clementíssimo 18, unindo‑nos ao sacrifício do seu Filho; atrever‑nos‑emos a vê‑lo como Pai e a chamá‑lo Abba, precisamente porque estamos ungidos pelo Espírito do seu Filho, que clama Abba, Pai 19. É o Pai quem nos faz ter fome e sede de Deus e da sua glória, tão patentes no seu Filho Encarnado. E o Pai é glorificado pela nossa crescente semelhança com o seu Filho Unigênito.
(1) Ex 3, 1‑6; 9‑12; Primeira leitura da Missa da quarta‑feira da décima quinta semana do TC, ano I; (2) Mt 11, 27; (3) Jo 17, 6; (4) cfr. Mt 6, 3‑4; 17‑18; (5) cfr. Mt 5, 44‑46; (6) cfr. Mt 4, 7‑8; 25‑33; (7) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 240; (8) 2 Pe 1, 4; (9) 1 Jo 3, 1; (10) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 150; (11) Mt 1, 25‑26; (12) Sl 102, 1‑4; Salmo responsorial da Missa da quarta‑feira da décima quinta semana do TC, ano I; (13) Rom 8, 14; (14) São João Crisóstomo, Comentário à Epístola aos Romanos, 13; (15) cfr. Santo Irineu, Contra os hereges, V, pref.; (16) Gal 2, 20; (17) Fil 2, 5; (18) cfr. Missal Romano, Anáfora I; (19) Gal 4, 6.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal
São Camilo de Léllis
14 de Julho
São Camilo de Léllis
Camilo de Léllis nasceu em 25 de maio de 1550, no vilarejo de Bucchianico, região de Chieti, ao sul da Itália. Seu nascimento lembrou o de São João Batista, pois seus pais já tinham passado da idade de ter filhos. Sua mãe, Camila Compelli, com efeito, tinha quase sessenta anos. Seu pai, João de Lellis, era militar e passava pouco tempo em casa. O parto foi difícil, mas Camilo nasceu saudável e foi a grande alegria de seus pais.
A mãe foi quem educou Camilo na infância e adolescência. Educou-o na religião, na moral e nos bons costumes. Porém, quando Camilo tinha apenas treze anos, ela faleceu. O baque foi grande. Camilo tornou-se rebelde e passou a detestar os estudos. Então, foi viver com o pai. Foi uma experiência difícil, pois o pai era viciado em jogo. Por isso, não tinha estabilidade. Vivia mudando de quartel por ganhar e perder tudo que tinha nos jogos de azar.
Apesar dessa fraqueza, que hoje sabemos ser uma doença (a dependência do jogo) o pai amava Camilo e queria ajuda-lo. Por isso, quando Camilo fez quatorze anos, colocou-o para trabalhar no exército como soldado. A essa altura, Camilo mal sabia ler, mas tinha um corpo atlético. Por isso, sobrava para ele os serviços braçais. Por falta de escolaridade, nunca saiu do posto de soldado.
Quando Camilo tinha dezenove anos, seu pai faleceu. Como herança, Camilo recebeu apenas a espada e o punhal do pai. Nessa época, Camilo já era famoso por ser um jovem forte, violento, brigador e fanático pelo jogo. A morte do pai acentuou esses desvios de caráter de tal forma que os outros tinham medo dele. Como o pai, ele passou a ganhar e a perder tudo que tinha no jogo.
No ano 1570 um frade franciscano não teve medo de Camilo e conversou longamente com ele. Os dois se tornaram amigos. Camilo sentiu que, apesar da violência que ele cultivou, alguém conseguiu enxergar sofrimento e bondade em seu coração. Isso foi tão surpreendente e bom que ele quis entrar para a Ordem dos Franciscanos. Ao chegar no convento, porém, seu ingresso foi barrado por causa de uma enorme ferida no pé.
Os franciscanos enviaram Camilo para receber tratamento no hospital de São Tiago, na cidade de Roma. Lá, ele teve um diagnóstico triste: seu tumor era incurável. Como não tinha dinheiro para fazer o tratamento, ofereceu-se para trabalhar como servente e conseguiu trocar sua força de trabalho pelos cuidados médicos. Porém, além da ferida no pé, ele tinha outra doença na alma: o vício no jogo. Por afundar-se no jogo, nas dívidas e em confusões, ele foi demitido.
Na rua, sem trabalho, sem dinheiro, com um tumor incurável, ficou sabendo que os frades capuchinhos estavam construindo um mosteiro. Lá, ele conseguiu o emprego de servente de pedreiro. O contato diário com os franciscanos foi mudando seu coração. Certo dia, quando ia para o trabalho, teve uma visão que mudou sua vida definitivamente. Essa visão nunca foi revelada a ninguém. Porém, depois dela, ele nunca mais voltou a jogar e se converteu profundamente. Ele tinha, então, vinte e cinco anos.
Transformado, Camilo pediu para ingressar novamente na Ordem Franciscana. Porém, por causa de sua ferida, não conseguiu. Os franciscanos, porém, conseguiram que ele fosse internado de novo no hospital de São Tiago. Lá, sua segunda estadia foi bem diferente da primeira. Ele tratava de sua ferida, sim, mas passou a cuidar dos outros doentes fazendo um trabalho de voluntário. Assistia sempre àqueles que eram mais repugnantes, os quais eram simplesmente abandonados pelos funcionários bem remunerados do hospital.
São Camilo de Léllis passou a enxergar nos doentes terminais, rejeitados e repugnantes, o próprio Cristo. Amava-os de todo o coração e passou a viver por eles. Os enfermos que tinham condições de se manifestar, agradeciam emocionados pela atenção e carinho que recebiam daquele jovem forte e cheio de amor cristão. Muitos se converteram ao serem cuidados por São Camilo. Outros tantos faleceram na graça de Deus, pois Camilo os levou ao arrependimento e à confissão.
O testemunho de São Camilo de Léllis começou a atrair jovens que se dispunham a segui-lo no cuidado amoroso e gratuito aos doentes. Nesse tempo, uma santa amizade nasceu com um padre, e futuro santo, que foi decisivo em sua vida: São Filipe Neri. Este, percebeu a grande graça que Deus derramara na vida de Camilo. Os dois fundaram, então, a Congregação dos Ministros Camilianos. A princípio, era apenas uma irmandade composta de voluntários dispostos a cuidar dos enfermos pobres, miseráveis, terminais, rejeitados por todos.
São Filipe Néri incentivou e ajudou São Camilo de Léllis a estudar e a vestir o hábito da própria congregação. Em 1591, aprovada pelo Vaticano, a Congregação se tornou uma Ordem Religiosa. São Camilo foi ordenado sacerdote e eleito o superior da Ordem dos Camilianos, conhecida também como a “Ordem dos Padres Enfermeiros”. São Camilo dirigiu a Ordem com firmeza por vinte anos.
Após esse vinte anos, São Camilo de Léllis dedicou os sete restantes de sua vida a ensinar como cuidar e conviver com os doentes. Suportando horríveis dores nos pés, São Camilo ia visitar os doentes nas casas. Quando era preciso, ele mesmo levava-os nas costas para o hospital dando graças a Deus pelo porte físico que tinha. São Camilo teve também o dom da cura pela oração. Por isso, passou a ser procurado por gente de todos os lugares. Tornou-se famoso e amado por toda a Itália. Tido como santo em vida por todos. São Camilo de Léllis faleceu em no dia 14 de julho de 1614, com fama de santidade. Sua canonização foi celebrada em 1746. Ele foi declarado Padroeiro dos Enfermeiros, dos hospitais e dos doentes em 1886.
Fonte: https://cruzterrasanta.com.br
Nossa Senhora Rosa Mística
13 de Julho
Nossa Senhora Rosa Mística
Em 1947, em Montechiari, situada a alguns quilômetros de Bréscia, norte da Itália, uma enfermeira chamada Pierina Gilli, nascida no dia 3 de agosto de 1911, encontrava-se num quarto do hospital onde trabalhava, quando teve uma visão de uma belíssima Senhora vestida com uma túnica púrpura e com um véu branco cobrindo-lhe a cabeça. Em seu peito estavam encravadas três espadas e seu celestial rosto tinha feições muito tristes. A Virgem chorava e disse em sua primeira aparição disse: "Oração, Penitência e Expiação".
Na segunda aparição a Virgem apresenta-se de branco e em lugar das três espadas traz no peito três rosas: uma branca, uma cor-de-rosa e outra dourada. A Virgem disse a Pierina que o Senhor a enviara especialmente para ajudar aos sacerdotes e às ordens religiosas. Suas palavras foram mais ou menos assim: "Sou a Mãe de Jesus e Mãe de todos vocês". "Nosso Senhor me envia para implantar uma nova devoção Mariana em todos os institutos tanto masculinos como femininos, nas comunidades religiosas e em todos os sacerdotes. Eu prometo-lhes que se venerarem desta maneira especial, gozarão particularmente de minha proteção e haverá um florescimento de vocações religiosas. Desejo também que o dia 31 de cada mês seja consagrado como dia Mariano e os doze dias precedentes sirvam de preparação com orações especiais, e o dia 13 de julho de cada ano seja dedicado à "Rosa Mística". A Virgem explicou também o significado das espadas e das três rosas:
A primeira espada: representa a escassez das vocações. A segunda espada: representava os pecados mortais dos sacerdotes, monges e monjas. A terceira espada: era por causa dos sacerdotes e monges que cometem a mesma traição de Judas.
A Rosa branca: o espírito de oração. A Rosa Vermelha: o espírito de expiação e sacrifício. A Rosa dourada: o espírito de penitência.
A terceira aparição ocorreu na capela do hospital de Montechiari, durante a celebração eucarística. Maria Rosa Mística disse: "Meu Divino Filho, cansado das incessantes ofensas, quer dar curso à sua justiça e quer colocar-me como intermediária entre os homens e em particular entre as almas dos religiosos e Ele". A vidente agradece em nome de todos os presentes e ela responde: "Vivei de amor".
Na quarta aparição a Virgem suplica oração e penitência, pedido que se repete na quinta aparição. Na sexta aparição, Maria expressa o desejo de que em Montechiari seja venerada sob a invocação de "Rosa Mística", unida à veneração de seu Coração Imaculado, especialmente nos conventos e Institutos Religiosos. Na sétima aparição, a Virgem disse sorrindo: "Eu sou a Imaculada Conceição, sou a Mãe da Graça, Mãe de meu Divino Filho, Jesus Cristo, quero que ao meio-dia de cada 8 de dezembro seja celebrada a "hora da graça" por todo o mundo e prometo que mediante esta devoção serão alcançadas graças para a alma e para o corpo".
Depois destes acontecimentos, Pierina passou vários anos em Bréscia como ajudante em um convento de religiosas. Em 1966 começa a segunda etapa das aparições. Em fevereiro desse ano Pierina volta a ver a Virgem e lhe anuncia que aparecerá no dia 17 de abril em Fontanelle, um bairro de Montechiari. Nesse lugar havia uma fonte numa gruta onde ocorreram várias curas físicas e espirituais.
A Virgem apareceu no dia anunciado e assim se manifestou: "Meu divino Filho Jesus é todo amor e me enviou para dar um poder milagroso de cura a este fonte... Que os enfermos e todos os meus filhos peçam perdão a meu Divino Filho, beijem com muito amor a Cruz, tirem água da fonte e bebam-na... Desejo que os enfermos e todos meus filhos venham à fonte da graça". Nossa Senhora manifestou mais vezes. Em Fontanelle, disse, no dia 6 de agosto: "Meu divino Filho Jesus me envia novamente aqui para pedir a formação da Liga Mundial da Comunidade Reparadora, que deve ter início no próximo 13 de outubro e estender-se por todo o mundo todo a cada ano".
Essas aparições aconteceram em Montichiari e em Fontanelle, subúrbio de Montichiari, na Itália. Os bispos de Bréscia, desde 1966 até os dias de hoje, proibiram a devoção pública a Rosa Mística. No ano de 2001, o bispo atual, Mons. Giulio Sanguineti, determinou a organização da dispensa dos sacramentos e do culto Mariano em Fontanelle, estabelecendo um sacerdote responsável pelo atendimento daquela comunidade. Além disso, uma nova associação de fiéis – Rosa Mística Fontanelle – foi constituída, para a promoção e divulgação da devoção a Nossa Senhora, na localidade de Fontanelle, sob orientação do Bispo de Bréscia.
A Rosa Mística de Montichiari se tornou conhecida pelo mundo todo, de tal maneira que fora da Itália existem 4 santuários associados a essa devoção: no Brasil, na Venezuela, no Líbano e na China.
Fonte: http://arquisp.org.br
Dor dos pecados
TEMPO COMUM. DÉCIMA QUINTA SEMANA. TERÇA‑FEIRA
– Apesar dos muitos milagres que o Senhor realizou nelas, algumas cidades não fizeram penitência. O Senhor também passa ao nosso lado.
– Frutos que a contrição produz na alma.
– Pedir o dom da contrição. Obras de penitência.
I. AO ABANDONAR NAZARÉ, Jesus escolheu como lugar de residência a cidade de Cafarnaum, designada em algumas passagens do Evangelho como a sua cidade. A partir dela, irradiou a sua pregação pela Galiléia e por toda a Palestina. É possível que se hospedasse em casa de Simão e que fizesse dela o centro das suas viagens apostólicas por toda a região. Como também é muito provável que não tenha havido outro lugar onde Jesus fizesse tantos milagres como nessa cidade.
Na margem norte do lago de Genesaré, não muito longe de Cafarnaum, estavam situadas outras duas cidades em que Jesus também realizou muitíssimos milagres. Mas, apesar de tantos sinais, de tantas bênçãos, de tanta misericórdia, as pessoas desses lugares não se converteram à passagem de Jesus. O Evangelho da Missa menciona as fortes palavras do Senhor a todas essas cidades que não quiseram arrepender‑se dos seus pecados1: Ai de ti, Corozaim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidon se tivessem feito os milagres que se fizeram em vós, há muito tempo que elas teriam feito penitência... E tu, Cafarnaum, elevar‑te‑ás porventura até o céu? Hás de ser abatida até o inferno, porque se em Sodoma se tivessem feito os milagres que se fizeram em ti, talvez existisse até hoje.
Tantas graças e tantos milagres! E, no entanto, muitos dos habitantes dessas cidades não mudaram, não se arrependeram dos seus pecados. Chegaram até a revoltar‑se contra o Senhor. Dirumpamus vincula eorum, et proiciamus a nobis iugum ipsorum2: quebremos os preceitos do Senhor e sacudamos de nós o seu doce jugo. Estas palavras do Salmo II têm‑se repetido em tantas ocasiões!
São incontáveis os momentos e as situações em que o Senhor parou ao nosso lado a fim de nos curar, de nos abençoar e alentar no caminho do bem. Recebemos dEle muitas atenções, e Ele espera de nós correspondência, um arrependimento sincero das nossas faltas, uma verdadeira detestação do pecado venial deliberado e de tudo aquilo que de uma maneira ou de outra nos separa dEle.
O Senhor ouve‑nos sempre, mas de maneira especial quando o procuramos com desejos de mudar, de recuperar o caminho perdido, de começar de novo com um coração contrito e humilhado3. Esta deve ser a nossa atitude habitual, a de um arrependimento humilde, porque têm sido muitas as ocasiões em que, conscientemente ou não, fomos rebeldes à graça divina e porque a ofensa é tanto maior quanto maiores tenham sido as provas do amor de Deus na nossa vida. E quem é tão cego a ponto de não ver Cristo que lhe bateu carinhosamente à porta uma vez e outra?
II. DEUS NÃO DESPREZARÁ um coração contrito e humilhado. Um coração contrito significa um coração partido – como quando uma pedra se parte e se desfaz em pedaços –, e chama‑se contrição à dor das faltas e pecados para significar que o coração endurecido pelo pecado de certa maneira se despedaça pela dor de ter ofendido a Deus4. Também na linguagem corrente costumamos dizer “partiu‑se o meu coração” para exprimir a nossa reação perante uma grande desgraça que comoveu o mais íntimo do nosso ser.
Coisa parecida deve acontecer‑nos ao contemplarmos os nossos pecados diante da santidade de Deus e do amor que Ele nos tem. Não é tanto o sentimento de fracasso que qualquer pecado produz numa alma que segue a Deus, mas o pesar de nos termos separado por pouco que seja do Senhor.
O que nos deve levar, portanto, a pedir perdão muitas vezes a Deus é sobretudo o amor, pois são incontáveis os momentos em que não correspondemos como deveríamos ao amor divino que nos cumula de graças. “Lembrou‑se o amigo dos seus pecados, e por temor ao inferno quis chorar e não pôde. Pediu lágrimas ao amor, mas a Sabedoria respondeu‑lhe que mais freqüente e fortemente devia chorar por amor do seu Amado do que por temor das penas do inferno, pois agradam‑lhe mais os prantos que são por amor do que as lágrimas que se derramam por temor”5.
No exame de consciência diário, devemos, pois, ver as nossas faltas sobretudo como ofensa a um Deus que é Pai e nos ama como se fôssemos filhos únicos. Se não relacionamos as nossas faltas e quedas com o amor de Deus, é fácil que nos sobressaltemos ou nos deprimamos por reaparecerem erros ou defeitos que julgávamos ultrapassados; ou que culpemos o ambiente externo ou outras circunstâncias semelhantes pelas nossas fraquezas. Então, não encontraremos motivos para manter essa atitude habitual de contrição, de arrependimento e de reparação pelos pecados, e a alma afastar‑se‑á do caminho da humildade e não chegará a Deus, que está tão próximo de nós precisamente quando nós nos afastamos.
Nunca estamos “quites” com Deus; pelo contrário, somos como aquele devedor que não tinha com que pagar6; sempre estaremos precisados de recorrer à misericórdia divina. Tende piedade de mim, Senhor, porque sou um homem pecador7, dizemos com as palavras daquele publicano que, cheio de humildade, conhecia bem a realidade da sua alma diante da santidade de Deus.
Também não podemos reagir diante dos nossos defeitos e pecados como se se tratasse de algo inevitável, quase natural, “pactuando com eles”, mas pedindo perdão e recomeçando muitas vezes. Diremos ao Senhor: Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho: trata‑me como a um dos teus jornaleiros8. E o Senhor, “que está perto dos que têm o coração contrito”9, escutará sempre a nossa oração.
Jesus passa constantemente pelas nossas vidas, como por aquelas cidades da Galiléia, e convida‑nos a ir ao seu encontro, abandonando os nossos pecados. Não adiemos essa conversão cheia de amor. Nunc coepi: agora começo, uma vez mais, com a tua ajuda, Senhor.
III. AI DE TI, COROZAIM! Ai de ti, Betsaida!... O Senhor deve ter pronunciado essas palavras com imensa pena, ao ver que a graça por Ele derramada a mãos cheias não penetrava nos seus habitantes. Seguiam‑no uns dias, davam mostras de admiração diante de uma cura, mostravam‑se complacentes..., mas no fundo das suas almas seguiam Cristo de longe.
Nós temos de pedir ao Espírito Santo o dom inefável da contrição. Temos de esforçar‑nos por fazer muitos atos dessa dor de amor que é a essência do arrependimento veraz. E temos de fazê‑lo de modo especial quando ofendemos o Senhor nalgum ponto mais importante e sempre que nos aproximamos do sacramento da Confissão, à hora do exame de consciência e também durante o dia. E para que os atos de contrição estejam à flor da pele, será muito proveitoso fazermos ou meditarmos a Via Sacra e meditarmos ou lermos a Paixão do Senhor – por exemplo, às sextas‑feiras –, e não nos cansarmos jamais de considerar o infinito amor que Jesus tem por nós.
A dor sincera dos pecados não traz necessariamente consigo uma dor emocional. Tal como o amor, a dor é um ato da vontade, não um sentimento. Assim como se pode amar a Deus sem experimentar efeitos sensíveis, pode‑se ter uma profunda dor dos pecados sem uma reação emotiva. Em contrapartida, é preciso cultivar uma atitude da alma que nos leve a afastar‑nos de todas as ocasiões de ofender o Senhor e a praticar obras concretas de penitência pelas vezes em que não fomos fiéis à graça.
Com que obras de penitência podemos desagravar o Senhor e agradar‑lhe? Por meio da oração, dos jejuns e das esmolas, pelos pequenos sacrifícios, pela paciência nos desgostos e contrariedades, pela aceitação dos fardos próprios da profissão, e da fadiga que o trabalho traz consigo. Devemos também esmerar‑nos em receber o melhor possível a graça da Confissão, aproximando‑nos desse sacramento bem preparados e sinceramente arrependidos das nossas faltas e pecados. Não nos esqueçamos de que a contrição reveste a alma de uma particular fortaleza, devolve‑lhe a esperança, a paz e a alegria, faz com que o cristão se esqueça de si mesmo e se entregue ao Senhor com mais delicadeza e finura interior.
“Dirige‑te a Nossa Senhora e pede‑lhe que te faça a dádiva – prova do seu carinho por ti – da contrição, da compunção pelos teus pecados, e pelos pecados de todos os homens e mulheres de todos os tempos, com dor de Amor.
“E, com essa disposição, atreve‑te a acrescentar: – Mãe, Vida, Esperança minha, guiai‑me com a vossa mão..., e se há agora em mim alguma coisa que desagrade a meu Pai‑Deus, concedei‑me que o perceba e que, os dois juntos, a arranquemos.
“Continua sem medo: – Ó clementíssima, ó piedosa, ó doce Virgem Santa Maria!, rogai por mim, para que, cumprindo a amabilíssima Vontade do vosso Filho, seja digno de alcançar e gozar das promessas de Nosso Senhor Jesus Cristo”10.
(1) Mt 11, 20‑24; (2) Sl 2, 3; (3) Sl 50, 19; (4) cfr. Catecismo de São Pio X, ns. 684‑685; (5) R. Llull, Livro do Amigo e do Amado, 341; (6) cfr. Mt 18, 25; (7) Lc 5, 8; (8) Lc 15, 18‑19; (9) Santo Agostinho, Tratado sobre o Evangelho de São João, 15, 25; (10) Josemaría Escrivá, Forja, n. 161.
Os Pais e a Vocação dos Filhos
TEMPO COMUM. DÉCIMA QUINTA SEMANA. SEGUNDA‑FEIRA
– Plena liberdade para seguir o Senhor. A vocação é uma honra imensa.
– Deixar a casa paterna, quando chega o momento oportuno, é lei da vida.
– Desejar o que há de melhor para os filhos.
I. QUEM AMA O SEU PAI ou a sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama o seu filho ou a sua filha mais do que a mim não é digno de mim, lemos no Evangelho da Missa 1. Quando decidimos livremente seguir a Deus por completo, entendemos que os outros planos devem ceder: pai, mãe, noivo, noiva... O chamamento de Deus vem em primeiro lugar, e todas as outras coisas devem ficar em segundo plano.
As palavras de Jesus não implicam nenhuma oposição entre o primeiro e o quarto mandamentos, mas assinala a ordem que se deve seguir. Devemos amar a Deus com todas as nossas forças através da peculiar vocação recebida dEle; e também devemos amar e respeitar – na teoria e na prática – os pais que Deus nos deu, com quem temos uma dívida tão grande. Mas o amor aos pais não pode antepor‑se ao amor a Deus.
Geralmente, não há razão para que surja uma oposição entre ambos, mas se em algum caso chega a dar‑se, será necessário lembrar‑se daquelas palavras de Cristo adolescente no Templo de Jerusalém: Por que me buscáveis? Não sabíeis que devo ocupar‑me nas coisas de meu Pai? 2 É a resposta de Jesus a Maria e a José, que o procuravam angustiados, e que constitui um ensinamento para os filhos e para os pais: para os filhos, porque devem aprender que não se pode antepor o carinho familiar ao amor de Deus, especialmente quando o Senhor pede um seguimento de entrega total; para os pais, porque devem ser conscientes de que os seus filhos são acima de tudo de Deus, e que Ele tem direito a dispor deles, ainda que por vezes isso implique um grande sacrifício para os pais 3.
Triste decisão seria a daquele que fizesse ouvidos surdos a Deus para não causar um desgosto aos pais, e mais triste consolo seria nesse caso o dos pais, pois, como diz São Bernardo, “o seu consolo é a morte do filho” 4. Dificilmente poderiam causar‑lhe maior mal.
Só se pode seguir o Senhor com a liberdade que nasce do desprendimento pleno: com uma liberdade de coração que não se enreda em melancolias e saudades, em frouxos sentimentos que conduzem a uma entrega a Deus pela metade. Nada se ganha com uma decisão a meias, com um coração dividido.
Pode acontecer em alguns casos que a decisão de seguir o Senhor por inteiro não seja compreendida pelos próprios parentes: porque não a entendem, porque tinham forjado outros planos, legítimos, ou porque não querem aceitar a parte de renúncia que lhes cabe. O filho ou filha a quem Deus chama deve contar com isso, e, ainda que a sua correspondência a esse chamamento divino cause dor aos pais, deve compreender que a fidelidade à sua vocação é o maior bem para ele ou para ela e para toda a família. Em qualquer circunstância, sendo muito firme em seguir o seu próprio caminho, tem de querer aos seus pais muito mais do que antes da chamada; deve rezar muito por eles, para que compreendam que “não é um sacrifício, para os pais, que Deus lhes peça os filhos; nem, para aqueles que o Senhor chama, é um sacrifício segui‑lo.
“Pelo contrário, é uma honra imensa, um orgulho grande e santo, uma prova de predileção, um carinho particularíssimo, que Deus manifestou num momento concreto, mas que estava na sua mente desde toda a eternidade” 5. É a maior honra que o Senhor pode conceder a uma família, uma das maiores bênçãos.
II. QUEM ENTREGOU o seu coração por completo ao Senhor, recupera‑o mais jovem, mais engrandecido e mais limpo, para amar a todos. O amor aos pais, aos irmãos..., passa então pelo Coração de Cristo e daí sai profundamente enriquecido.
São Tomás sublinha que Tiago e João são louvados por terem seguido o Senhor abandonando o pai, e que não o fizeram porque este os incitasse ao mal, mas porque “consideraram que o seu pai poderia passar a vida de outro modo, seguindo eles o Senhor” 6. O Mestre passou pela vida deles, chamou‑os, e a partir desse momento todas as outras coisas ficaram em segundo plano.
No Céu, os pais terão uma glória especial, fruto em boa parte da correspondência dos seus filhos à chamada de Deus: a vocação é um bem e uma bênção para todos.
A vocação é iniciativa divina; Ele sabe muito bem o que é melhor para aquele que foi chamado e para a respectiva família. Muitos pais aceitam incondicionalmente e com alegria a vontade de Deus para os seus filhos, e dão graças quando algum deles é chamado a seguir o Senhor por toda a vida; outros adotam atitudes muito diferentes, alimentadas por vários motivos: lógicos e compreensíveis uns, com laivos de egoísmo outros.
Com a desculpa de que os filhos são muito novos – para seguirem a chamada de Deus, não para tomarem outras decisões que comprometem – ou de que ainda não têm a necessária experiência da vida, deixam‑se levar pela grave tentação a que aludia Pio XI: “Mesmo entre aqueles que se orgulham da fé católica, não faltam muitos pais que não se conformam com a vocação dos filhos, e combatem sem escrúpulos a chamada divina com todo o tipo de argumentos, até com meios que podem pôr em perigo, não só a vocação para um estado de vida mais perfeito, mas a própria consciência e a salvação eterna dos que deviam ser‑lhes tão queridos” 7.
Esquecem que eles são “colaboradores de Deus”, e que é lei da vida que os filhos deixem o lar paterno para formarem por sua vez um novo lar, ou simplesmente que o façam por razões de trabalho, de estudo. E não lhes acontece nenhuma desgraça. E há casos em que são as próprias famílias que fomentam essa separação para o bem dos filhos. Por que hão de pôr obstáculos ao seguimento de Cristo? Ele “jamais separa as almas” 8.
III. OS BONS PAIS sempre desejam o melhor para os seus filhos. São capazes de realizar os maiores sacrifícios pelo bem humano de cada um deles. E, é claro, pelo seu bem espiritual. Sacrificam‑se para que cresçam cheios de saúde, para que progridam nos estudos, para que tenham bons amigos, para que vivam conforme o querer de Deus e levem uma vida honrada e cristã. Para isso Deus os chamou ao matrimônio; a educação dos filhos é um querer expresso de Deus nas suas vidas; é de lei natural.
No Evangelho encontramos muitos pedidos em favor dos filhos: uma mulher que segue Jesus com perseverança para que lhe cure a filha 9, um pai que lhe suplica que expulse o demônio que atormenta o seu filho 10, o chefe da sinagoga de Cafarnaum, Jairo, que espera com impaciência o Senhor, porque a sua filha única de doze anos está a ponto de morrer 11... É exemplar a decisão com que a mãe de Tiago e João se aproxima de Cristo para lhe pedir uma coisa que eles não se atreviam a pedir. Sem pensar em si mesma, aproximou‑se de Jesus, adorou‑o e pediu‑lhe uma graça 12. Quantas mães e quantos pais ao longo dos séculos têm pedido para os seus filhos bens e favores que jamais se atreveriam a pedir para si próprios!
Os pais devem pedir o melhor para os seus filhos, e o melhor é que sigam a chamada divina com que Deus os abençoou.
Este é o grande segredo para serem felizes na terra e chegarem ao Céu, onde os espera uma bem‑aventurança sem limites e sem fim. Do ponto de vista de cada chamada considerada em si mesma, não há dúvida de que a castidade no celibato por amor a Deus é a vocação mais excelsa de todas. “A Igreja, durante toda a sua história, defendeu sempre a superioridade deste carisma – da virgindade ou celibato – em comparação com o do matrimônio, por causa do vínculo singular que o prende ao Reino de Deus” 13.
Quantas vocações para uma entrega plena não concedeu Deus aos filhos em atenção à generosidade e à oração dos pais! Mais ainda: o Senhor serve‑se normalmente dos próprios pais para criar um clima idôneo em que possa vingar e desenvolver‑se nos filhos o germe da vocação: “Os cônjuges cristãos – afirma o Concílio Vaticano II – são um para o outro, para os filhos e para os demais familiares, cooperadores da graça e testemunhas da fé. Para os filhos, são eles os primeiros anunciadores e educadores da fé. Formam‑nos para a vida cristã e apostólica pela palavra e pelo exemplo. Ajudam‑nos com prudência na escolha da vocação e fomentam com todo o esmero a vocação sagrada quando a descobrem neles” 14. Não podem ir mais longe, pois não lhes compete discernir se os filhos têm ou não vocação; devem unicamente formar‑lhes bem a consciência e ajudá‑los a descobrir o seu caminho, sem lhes forçar a vontade.
Uma vocação no seio de uma família significa uma especial confiança e predileção do Senhor para com todos. É um privilégio, que é necessário proteger – especialmente mediante a oração – como um grande tesouro. Deus abençoa a mãos cheias o lar em que nasceu uma vocação fiel: “Não é sacrifício entregar os filhos ao serviço de Deus; é honra e alegria” 15.
(1) Mt 10, 34; 11, 1; (2) Lc 2, 49; (3) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, notas a Mt 10, 34‑37 e Lc 2, 49; (4) São Bernardo, Epístola, 3, 2; (5) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 18; (6) São Tomás, Suma Teológica, II‑II, q. 101, a. 4, ad. 1; (7) Pio XI, Enc. Ad catholici sacerdotii, 20‑XII‑1935; (8) cfr. São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 23; (9) Mt 15, 21‑28; (10) Mt 17, 14‑20; (11) Mt 9, 18‑26; (12) Mt 20, 20‑21; (13) João Paulo II, Exort. Apost. Familiaris consortio, 22‑XI‑1981, n. 16; (14) Conc. Vat. II, Decr. Apostolicam actuositatem, 11; (15) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 22.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal