TEMPO COMUM. DÉCIMA QUINTA SEMANA. QUARTA‑FEIRA

– Deus está sempre ao nosso lado.
– Imitar Jesus para sermos bons filhos de Deus Pai.
– A filiação divina leva‑nos a identificar‑nos com Cristo.

I. QUANDO MOISÉS PASTOREAVA o rebanho do seu sogro Jetro perto do Horeb, a montanha santa, Deus apareceu‑lhe numa sarça que ardia sem se consumir. Ali recebeu a missão extraordinária da sua vida: tirar o Povo eleito da escravidão a que estava submetido pelos egípcios e levá‑lo para a Terra Prometida. E como garantia do feliz resultado da tarefa que lhe confiava, o Senhor disse‑lhe: Eu estou contigo 1. Moisés não pôde imaginar então até que ponto Deus ia estar com ele e com o seu povo no meio de tantas vicissitudes e provas.

Também nós não sabemos plenamente – pela nossa limitação humana – até que ponto Deus está conosco em todos os momentos da vida. Jesus, perfeito Deus e perfeito Homem, fala‑nos constantemente, ao longo do Evangelho, dessa proximidade de Deus e da sua amorosa paternidade em relação aos homens. E só Ele podia fazê‑lo, pois ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar 2, diz‑nos o Evangelho da Missa. O Filho conhece o Pai com o mesmo conhecimento que o Pai tem do Filho, numa intimidade infinitamente perfeita. É a identificação de saber e de conhecimento que a unidade da natureza divina implica. Jesus, com essas palavras, declarava a sua divindade.

E como Filho consubstancial com o Pai, manifesta‑nos quem é Deus Pai em relação a nós, e como na sua bondade nos concede o Dom do Espírito Santo. Este foi o núcleo da sua revelação aos homens: o mistério da Santíssima Trindade e, com ele e nele, a maravilha da paternidade divina. Na última noite, quando parece resumir na intimidade do Cenáculo o que haviam sido aqueles anos de entrega e de confidências profundas, declara: Manifestei o teu nome aos que me deste 3. “Manifestar o nome” era mostrar o modo de ser, a essência de alguém. Jesus deu‑nos a conhecer a intimidade do mistério trinitário de Deus: a sua paternidade, sempre próxima dos homens.

São incontáveis as vezes em que o Senhor dá a Deus o título de Pai nos seus diálogos íntimos com Ele e na sua pregação às multidões. Fala detidamente da bondade de Deus Pai: Ele retribui qualquer pequena ação, acolhe tudo o que fazemos de bom, mesmo aquilo que ninguém vê 4; é tão generoso que reparte os seus bens entre justos e injustos 5; anda sempre solícito e providente em relação às nossas necessidades 6. O nome de Pai é citado freqüentemente nos Evangelhos, como um estribilho que Jesus gostasse muito de repetir. Deus Pai nunca está longe da nossa vida, como não o está o pai que vê o seu filho pequeno sozinho e em perigo. Se procurarmos agradar‑lhe em tudo, sempre o encontraremos ao nosso lado: “Quando amares de verdade a Vontade de Deus, não deixarás de ver, mesmo nos momentos de maior trepidação, que o nosso Pai do Céu está sempre perto, muito perto, a teu lado, com o seu Amor eterno, com o seu carinho infinito”7.

II. DEUS NÃO É SOMENTE o autor do homem, como o pintor o é do quadro; Deus é pai do homem, e de um modo misterioso e sobrenatural fá‑lo partícipe da natureza divina 8. O Pai quis que nos chamássemos filhos de Deus e que o sejamos de verdade 9. Esta realidade não é uma conquista nossa, não é um progresso humano, mas dom divino, dom inefável que devemos considerar e agradecer freqüentemente todos os dias.

A filiação divina será o fundamento da nossa alegria e da nossa esperança ao realizarmos as tarefas que o Senhor nos confiou. Aqui estará a nossa segurança perante os temores e angústias que nos podem assaltar: Pai, meu Pai, dir‑lhe‑emos tantas vezes, acariciando esse nome delicado e sonoro, sumarento e forte; Pai!, gritaremos nos momentos de alegria e nas situações de perigo. “Chama‑o Pai muitas vezes ao dia, e dize‑lhe – a sós, no teu coração – que o amas, que o adoras; que sentes o orgulho e a força de ser seu filho” 10.

Deus Pai vê‑nos cada vez mais como seus filhos na medida em que nos parecemos mais com Jesus Cristo, que é o Primogênito de muitos irmãos sem deixar de ser o Unigênito do Pai. Seremos, pois, bons filhos de Deus se procurarmos trabalhar como Cristo, se tratarmos com misericórdia os que vamos encontrando nas diversas circunstâncias que compõem o nosso dia, se desagravarmos o Senhor pelos pecados do mundo, se formos agradecidos como Jesus o era; e, de modo especial, se na oração recorrermos ao nosso Pai‑Deus como o fazia Jesus Cristo: rompendo freqüentemente em ações de graças e atos de louvor ante as contínuas provas de amor que Deus tem conosco. Dou‑te graças, Pai, Senhor do céu e da terra, lemos no Evangelho de hoje 11. Obrigado, diremos, porque me aconteceu isto ou aquilo…, porque essa pessoa se aproximou dos sacramentos…, porque me ajudas a levar para a frente a minha família…, porque posso desafogar o meu coração na direção espiritual… Dou‑te graças por tudo… Comportamo‑nos como bons filhos de Deus quando os nossos pensamentos, os nossos afetos, se dirigem a Deus Pai com muita freqüência; não só nos momentos difíceis, mas também no meio da alegria, para louvá‑lo e glorificá‑lo: Bendiz, ó minha alma, o Senhor, e todo o meu ser o seu santo nome. Bendiz, ó minha alma, o Senhor, e não te esqueças de nenhum dos seus benefícios 12.

Devemos procurar olhar para as pessoas como o Mestre o fazia… Que diferente é o mundo visto através do olhar de Cristo! E é o Espírito Santo quem nos compele a assemelhar‑nos mais a Cristo. Porque os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus 13. “Com o Espírito, chega‑se a pertencer a Cristo – comenta São João Crisóstomo –, chega‑se a possuí‑lo, compete‑se em honra com os anjos. Com o Espírito, crucifica‑se a carne, saboreia‑se o encanto de uma vida imortal, tem‑se a promessa da ressurreição futura, avança‑se rapidamente pelo caminho da virtude” 14. A filiação divina é o caminho para ir a Deus Pai por Jesus Cristo no Espírito Santo.

III. MEDITAMOS MUITAS VEZES na misericórdia de Deus, que quis tornar‑se homem para que o homem de certo modo pudesse fazer‑se Deus, isto é, divinizar‑se 15, participar de modo real da própria vida de Deus. A graça santificante, que recebemos nos sacramentos e por meio das boas obras, vai‑nos identificando com Cristo e fazendo‑nos filhos no Filho, pois Deus Pai tem um só Filho, e não é possível termos acesso à filiação divina senão em Cristo, unidos e identificados com Ele, como membros do seu Corpo Místico: Vivo, mas já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim16, escrevia São Paulo aos Gálatas.

Por esta razão, se nos dirigimos ao Pai, é Cristo quem ora em nós; quando renunciamos a alguma coisa por Deus, é Cristo quem está por trás desse espírito de desprendimento; quando queremos aproximar alguém dos sacramentos, o nosso empenho apostólico não é senão um reflexo do zelo de Jesus Cristo pelas almas. Por benevolência divina, os nossos trabalhos e as nossas dores completam os trabalhos e dores que o Senhor sofreu pelo seu Corpo Místico que é a Igreja. Que imenso valor adquirem então o trabalho, a dor, as dificuldades do dia a dia!

Este esforço ascético que, com a ajuda da graça, nos faz identificar‑nos cada vez mais com o Senhor, deve levar‑nos a ter os mesmos sentimentos que teve Cristo Jesus 17; e à medida que nos identificamos com Ele, vamos crescendo no sentido da filiação divina, somos – para dizê‑lo de alguma forma – mais filhos de Deus. Na vida humana, não tem sentido sermos “mais filhos ou menos filhos” de um pai da terra: todos o somos por igual; só é possível sermos bons ou maus filhos. Na vida sobrenatural, à medida que formos mais santos, seremos mais filhos de Deus; ao penetrarmos mais e mais na intimidade divina, chegaremos a ser não só melhores filhos, como mais filhos. Esta deve ser a grande meta da vida de um cristão: um crescimento contínuo no sentido da sua filiação divina.

A nossa Mãe, Santa Maria, é o modelo perfeito dessa grandeza sublime a que pode chegar a graça divina quando encontra uma correspondência total. A não ser Cristo na sua Santíssima Humanidade, ninguém esteve mais perto de Deus; nem criatura alguma pode chegar a ser filho de Deus na plenitude de sentido em que a Santíssima Virgem foi Filha de Deus Pai.

Peçamos‑lhe que infunda nas nossas almas a sede de procurar nos ensinamentos do Espírito Santo o impulso de que precisamos para imitar Jesus: sob o seu influxo, sentiremos a urgência, a necessidade ardente de nos dirigirmos ao Pai a cada momento, mas especialmente na Missa: invocá‑lo‑emos como Pai clementíssimo 18, unindo‑nos ao sacrifício do seu Filho; atrever‑nos‑emos a vê‑lo como Pai e a chamá‑lo Abba, precisamente porque estamos ungidos pelo Espírito do seu Filho, que clama Abba, Pai 19. É o Pai quem nos faz ter fome e sede de Deus e da sua glória, tão patentes no seu Filho Encarnado. E o Pai é glorificado pela nossa crescente semelhança com o seu Filho Unigênito.

(1) Ex 3, 1‑6; 9‑12; Primeira leitura da Missa da quarta‑feira da décima quinta semana do TC, ano I; (2) Mt 11, 27; (3) Jo 17, 6; (4) cfr. Mt 6, 3‑4; 17‑18; (5) cfr. Mt 5, 44‑46; (6) cfr. Mt 4, 7‑8; 25‑33; (7) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 240; (8) 2 Pe 1, 4; (9) 1 Jo 3, 1; (10) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 150; (11) Mt 1, 25‑26; (12) Sl 102, 1‑4; Salmo responsorial da Missa da quarta‑feira da décima quinta semana do TC, ano I; (13) Rom 8, 14; (14) São João Crisóstomo, Comentário à Epístola aos Romanos, 13; (15) cfr. Santo Irineu, Contra os hereges, V, pref.; (16) Gal 2, 20; (17) Fil 2, 5; (18) cfr. Missal Romano, Anáfora I; (19) Gal 4, 6.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal