TEMPO COMUM. DÉCIMA QUINTA SEMANA. TERÇA‑FEIRA

– Apesar dos muitos milagres que o Senhor realizou nelas, algumas cidades não fizeram penitência. O Senhor também passa ao nosso lado.
– Frutos que a contrição produz na alma.
– Pedir o dom da contrição. Obras de penitência.

I. AO ABANDONAR NAZARÉ, Jesus escolheu como lugar de residência a cidade de Cafarnaum, designada em algumas passagens do Evangelho como a sua cidade. A partir dela, irradiou a sua pregação pela Galiléia e por toda a Palestina. É possível que se hospedasse em casa de Simão e que fizesse dela o centro das suas viagens apostólicas por toda a região. Como também é muito provável que não tenha havido outro lugar onde Jesus fizesse tantos milagres como nessa cidade.

Na margem norte do lago de Genesaré, não muito longe de Cafarnaum, estavam situadas outras duas cidades em que Jesus também realizou muitíssimos milagres. Mas, apesar de tantos sinais, de tantas bênçãos, de tanta misericórdia, as pessoas desses lugares não se converteram à passagem de Jesus. O Evangelho da Missa menciona as fortes palavras do Senhor a todas essas cidades que não quiseram arrepender‑se dos seus pecados1: Ai de ti, Corozaim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidon se tivessem feito os milagres que se fizeram em vós, há muito tempo que elas teriam feito penitência… E tu, Cafarnaum, elevar‑te‑ás porventura até o céu? Hás de ser abatida até o inferno, porque se em Sodoma se tivessem feito os milagres que se fizeram em ti, talvez existisse até hoje.

Tantas graças e tantos milagres! E, no entanto, muitos dos habitantes dessas cidades não mudaram, não se arrependeram dos seus pecados. Chegaram até a revoltar‑se contra o Senhor. Dirumpamus vincula eorum, et proiciamus a nobis iugum ipsorum2: quebremos os preceitos do Senhor e sacudamos de nós o seu doce jugo. Estas palavras do Salmo II têm‑se repetido em tantas ocasiões!

São incontáveis os momentos e as situações em que o Senhor parou ao nosso lado a fim de nos curar, de nos abençoar e alentar no caminho do bem. Recebemos dEle muitas atenções, e Ele espera de nós correspondência, um arrependimento sincero das nossas faltas, uma verdadeira detestação do pecado venial deliberado e de tudo aquilo que de uma maneira ou de outra nos separa dEle.

O Senhor ouve‑nos sempre, mas de maneira especial quando o procuramos com desejos de mudar, de recuperar o caminho perdido, de começar de novo com um coração contrito e humilhado3. Esta deve ser a nossa atitude habitual, a de um arrependimento humilde, porque têm sido muitas as ocasiões em que, conscientemente ou não, fomos rebeldes à graça divina e porque a ofensa é tanto maior quanto maiores tenham sido as provas do amor de Deus na nossa vida. E quem é tão cego a ponto de não ver Cristo que lhe bateu carinhosamente à porta uma vez e outra?

II. DEUS NÃO DESPREZARÁ um coração contrito e humilhado. Um coração contrito significa um coração partido – como quando uma pedra se parte e se desfaz em pedaços –, e chama‑se contrição à dor das faltas e pecados para significar que o coração endurecido pelo pecado de certa maneira se despedaça pela dor de ter ofendido a Deus4. Também na linguagem corrente costumamos dizer “partiu‑se o meu coração” para exprimir a nossa reação perante uma grande desgraça que comoveu o mais íntimo do nosso ser.

Coisa parecida deve acontecer‑nos ao contemplarmos os nossos pecados diante da santidade de Deus e do amor que Ele nos tem. Não é tanto o sentimento de fracasso que qualquer pecado produz numa alma que segue a Deus, mas o pesar de nos termos separado por pouco que seja do Senhor.

O que nos deve levar, portanto, a pedir perdão muitas vezes a Deus é sobretudo o amor, pois são incontáveis os momentos em que não correspondemos como deveríamos ao amor divino que nos cumula de graças. “Lembrou‑se o amigo dos seus pecados, e por temor ao inferno quis chorar e não pôde. Pediu lágrimas ao amor, mas a Sabedoria respondeu‑lhe que mais freqüente e fortemente devia chorar por amor do seu Amado do que por temor das penas do inferno, pois agradam‑lhe mais os prantos que são por amor do que as lágrimas que se derramam por temor”5.

No exame de consciência diário, devemos, pois, ver as nossas faltas sobretudo como ofensa a um Deus que é Pai e nos ama como se fôssemos filhos únicos. Se não relacionamos as nossas faltas e quedas com o amor de Deus, é fácil que nos sobressaltemos ou nos deprimamos por reaparecerem erros ou defeitos que julgávamos ultrapassados; ou que culpemos o ambiente externo ou outras circunstâncias semelhantes pelas nossas fraquezas. Então, não encontraremos motivos para manter essa atitude habitual de contrição, de arrependimento e de reparação pelos pecados, e a alma afastar‑se‑á do caminho da humildade e não chegará a Deus, que está tão próximo de nós precisamente quando nós nos afastamos.

Nunca estamos “quites” com Deus; pelo contrário, somos como aquele devedor que não tinha com que pagar6; sempre estaremos precisados de recorrer à misericórdia divina. Tende piedade de mim, Senhor, porque sou um homem pecador7, dizemos com as palavras daquele publicano que, cheio de humildade, conhecia bem a realidade da sua alma diante da santidade de Deus.

Também não podemos reagir diante dos nossos defeitos e pecados como se se tratasse de algo inevitável, quase natural, “pactuando com eles”, mas pedindo perdão e recomeçando muitas vezes. Diremos ao Senhor: Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho: trata‑me como a um dos teus jornaleiros8. E o Senhor, “que está perto dos que têm o coração contrito”9, escutará sempre a nossa oração.

Jesus passa constantemente pelas nossas vidas, como por aquelas cidades da Galiléia, e convida‑nos a ir ao seu encontro, abandonando os nossos pecados. Não adiemos essa conversão cheia de amor. Nunc coepi: agora começo, uma vez mais, com a tua ajuda, Senhor.

III. AI DE TI, COROZAIM! Ai de ti, Betsaida!… O Senhor deve ter pronunciado essas palavras com imensa pena, ao ver que a graça por Ele derramada a mãos cheias não penetrava nos seus habitantes. Seguiam‑no uns dias, davam mostras de admiração diante de uma cura, mostravam‑se complacentes…, mas no fundo das suas almas seguiam Cristo de longe.

Nós temos de pedir ao Espírito Santo o dom inefável da contrição. Temos de esforçar‑nos por fazer muitos atos dessa dor de amor que é a essência do arrependimento veraz. E temos de fazê‑lo de modo especial quando ofendemos o Senhor nalgum ponto mais importante e sempre que nos aproximamos do sacramento da Confissão, à hora do exame de consciência e também durante o dia. E para que os atos de contrição estejam à flor da pele, será muito proveitoso fazermos ou meditarmos a Via Sacra e meditarmos ou lermos a Paixão do Senhor – por exemplo, às sextas‑feiras –, e não nos cansarmos jamais de considerar o infinito amor que Jesus tem por nós.

A dor sincera dos pecados não traz necessariamente consigo uma dor emocional. Tal como o amor, a dor é um ato da vontade, não um sentimento. Assim como se pode amar a Deus sem experimentar efeitos sensíveis, pode‑se ter uma profunda dor dos pecados sem uma reação emotiva. Em contrapartida, é preciso cultivar uma atitude da alma que nos leve a afastar‑nos de todas as ocasiões de ofender o Senhor e a praticar obras concretas de penitência pelas vezes em que não fomos fiéis à graça.

Com que obras de penitência podemos desagravar o Senhor e agradar‑lhe? Por meio da oração, dos jejuns e das esmolas, pelos pequenos sacrifícios, pela paciência nos desgostos e contrariedades, pela aceitação dos fardos próprios da profissão, e da fadiga que o trabalho traz consigo. Devemos também esmerar‑nos em receber o melhor possível a graça da Confissão, aproximando‑nos desse sacramento bem preparados e sinceramente arrependidos das nossas faltas e pecados. Não nos esqueçamos de que a contrição reveste a alma de uma particular fortaleza, devolve‑lhe a esperança, a paz e a alegria, faz com que o cristão se esqueça de si mesmo e se entregue ao Senhor com mais delicadeza e finura interior.

“Dirige‑te a Nossa Senhora e pede‑lhe que te faça a dádiva – prova do seu carinho por ti – da contrição, da compunção pelos teus pecados, e pelos pecados de todos os homens e mulheres de todos os tempos, com dor de Amor.

“E, com essa disposição, atreve‑te a acrescentar: – Mãe, Vida, Esperança minha, guiai‑me com a vossa mão…, e se há agora em mim alguma coisa que desagrade a meu Pai‑Deus, concedei‑me que o perceba e que, os dois juntos, a arranquemos.

“Continua sem medo: – Ó clementíssima, ó piedosa, ó doce Virgem Santa Maria!, rogai por mim, para que, cumprindo a amabilíssima Vontade do vosso Filho, seja digno de alcançar e gozar das promessas de Nosso Senhor Jesus Cristo”10.

(1) Mt 11, 20‑24; (2) Sl 2, 3; (3) Sl 50, 19; (4) cfr. Catecismo de São Pio X, ns. 684‑685; (5) R. Llull, Livro do Amigo e do Amado, 341; (6) cfr. Mt 18, 25; (7) Lc 5, 8; (8) Lc 15, 18‑19; (9) Santo Agostinho, Tratado sobre o Evangelho de São João, 15, 25; (10) Josemaría Escrivá, Forja, n. 161.