TEMPO COMUM. VIGÉSIMA OITAVA SEMANA. QUARTA-FEIRA

– Jesus Cristo quis ser tentado; nós também sofreremos tentações e provas. Através da tentação mostramos o nosso amor a Deus e a fidelidade aos compromissos que temos com Ele.
– O que é a tentação. Os bens que ela pode produzir.
– Meios para vencer.

I. NÃO NOS DEIXEIS cair em tentação, mas livrai-nos do mal, rogamos aos Senhor na última petição do Pai-NossoDepois de termos pedido a Deus o perdão dos nossos pecados, suplicamos-lhe que nos dê as graças necessárias para não voltarmos a ofendê-lo e que não permita que sejamos vencidos nas provas que nos venham a atingir, pois “no mundo, a própria vida é uma prova […]. Peçamos, pois, que não nos abandone ao nosso arbítrio, mas nos guie em todo o momento com piedade paterna e nos confirme no caminho da vida com moderação celestial. Mas livrai-nos do mal. De que mal? Do demônio, de quem procede todo o mal”1. O demônio não cessa de rondar as criaturas para semear a inquietação, a ineficácia, a separação de Deus.

“Há épocas em que a existência do mal entre os homens se torna singularmente evidente no mundo. Percebe-se então com mais clareza como os poderes das trevas, que atuam no homem e por meio dele, são maiores do que o próprio homem. Cercam-no, assaltam-no de fora.

“Tem-se a impressão de que o homem atual não quer ver esse problema. Faz tudo o que pode para eliminar da consciência geral a existência desses dominadores deste mundo tenebroso, desses astutos ataques do diabo de que fala a Epístola aos Efésios. Contudo, há épocas históricas em que essa verdade da Revelação e da fé cristã, que tanto custa aceitar, se expressa com grande força e se deixa ver de forma quase palpável”2.

Jesus, nosso Modelo, quis ser tentado para nos ensinar a vencer todas as provas e a crescer em confiança no meio delas.

Não temos nele um pontífice que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, antes foi tentado em tudo à nossa semelhança, fora o pecado3. Seremos tentados de uma forma ou de outra ao longo da vida, talvez tanto mais quanto maiores forem os nossos desejos de seguir o Senhor de perto. A graça que recebemos no Batismo e aumentou pela nossa correspondência ver-se-á ameaçada até o último momento desta vida. Devemos permanecer vigilantes, com a vigilância do soldado que está de guarda.

Por outro lado, sempre devemos ter presente que nunca seremos tentados além das nossas forças4. Poderemos vencer em todas as circunstâncias se soubermos fugir das ocasiões e pedir os auxílios oportunos. E, “se alguém argumenta que a debilidade da natureza o impede de amar a Deus, é necessário ensinar-lhe que o Senhor, que requer o nosso afeto, derramou nos nossos corações a virtude da caridade por meio do Espírito Santo (Rom 5, 5), e que o nosso Pai celestial dá esse bom espírito aos que lho pedem (cfr. Lc 9, 13). Por isso, Santo Agostinho suplicava com razão: Dá o que mandas e manda o que queiras. O auxílio divino está à nossa disposição […], não há motivo para assustar-se com a dificuldade da obra; porque nada é difícil a quem ama”5.

A tentação em si mesma não é má; é até uma ocasião de mostrarmos ao Senhor que o amamos, que o preferimos a qualquer outra coisa, e é meio para crescermos nas virtudes e na graça santificante.

Bem-aventurado o homem que sofre tentação, porque, depois que tiver sido provado, receberá a coroa da vida que Deus prometeu aos que o amam6. Mas, ainda que a prova não seja um mal, seria uma presunção desejá-la ou provocá-la de algum modo. E em sentido contrário, seria um grande erro temê-la excessivamente, como se não confiássemos nas graças que o Senhor nos preparou para vencê-la, se recorremos a Ele na nossa fraqueza. “Não te perturbes se, ao considerar as maravilhas do mundo sobrenatural, sentes a outra voz – íntima, insinuante – do «homem velho». – É «o corpo de morte» que clama por seus foros perdidos… Basta-te a graça; sê fiel e vencerás”7.

II. TENTAR NÃO É senão tatear, pôr à prova. Tentar o homem é pôr à prova a sua virtude8. Tentação é tudo aquilo – bom ou mau em si mesmo – que num momento determinado tende a afastar-nos do cumprimento amoroso da vontade de Deus. Podemos sofrer tentações que procedem da própria natureza, ferida pelo pecado original e inclinada ao pecado: nascemos com a desordem da concupiscência e dos sentidos. Ora, o demônio incita ao mal aproveitando-se dessa fraqueza, prometendo uma felicidade que não tem nem pode dar. Sede sóbrios e vigiai, adverte-nos São Pedro, pois o vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como um leão que ruge, buscando a quem devorar9. Só “quem confia em Deus não teme o demônio”10.

O demônio, por sua vez, alia-se ao mundo e às nossas paixões, que nunca deixarão de acompanhar-nos. Quando dizemos mundo, temos em vista tudo o que afasta de Deus: as pessoas que parecem viver exclusivamente para o seu amor próprio, para a sua vaidade e sensualidade; as que têm os olhos postos apenas nas coisas da terra: o dinheiro e um desejo desordenado de bem-estar material. Para essas pessoas, o necessário desprendimento das coisas da terra, a amável austeridade cristã, a castidade… são loucura e coisa própria de outros séculos. A mortificação voluntária, sem a qual não é possível dar um passo na vida cristã, é encarada como um disparate. Estão incapacitadas para entender as coisas de Deus e gostariam de inculcar nos outros os critérios pelos quais se regem: um sentido da vida em que Deus não tem lugar ou ocupa um posto muito afastado e secundário. Por meio de palavras, e sobretudo pelo seu exemplo, empenham-se em levar os outros pelo largo caminho que elas percorrem. Não raras vezes tentam desanimar os que querem ser conseqüentes com os princípios cristãos, e zombam deles, da vida e das idéias que professam.

A tentação é, freqüentemente, como um fogo-de-bengala que ilumina as profundezas da alma. É na tentação e na dificuldade que podemos verificar a nossa real capacidade de espírito de sacrifício, de generosidade, de retidão de intenção…, como também a inveja oculta, a avareza mascarada sob a fachada de falsas necessidades, a sensualidade, a soberba…, a capacidade de praticar o mal que há em cada um de nós. Nesses momentos, podemos crescer no conhecimento próprio e, conseqüentemente, na humildade: vemos como somos fracos e quão perto estaríamos do pecado se o Senhor não nos ajudasse.

As provas ensinam-nos a desculpar com mais facilidade os defeitos dos outros e a perceber que, ao fim e ao cabo, tudo isso que nos incomoda neles não passa de um cisco nos seus olhos, em comparação com a viga que podemos ver nos nossos.

Por isso as tentações ajudam-nos a viver melhor a caridade com todos, a compreendê-los mais e a estar dispostos a rezar por eles e a prestar-lhes a cooperação e o auxílio que estiverem ao nosso alcance.

Se sabemos lutar contra elas, as tentações são ainda um estímulo para crescermos nas virtudes. Rejeitar uma dúvida contra a fé desperta um ato de fé; cortar uma murmuração incipiente é crescer no respeito aos outros; afastar com prontidão um mau pensamento contra a castidade é crescer em finura no trato com o Senhor. Uma época que seja especialmente difícil pelas tentações, e que pode apresentar-se em qualquer idade e em qualquer momento da vida interior, será uma ocasião excelente para aumentarmos a devoção a Nossa Senhora – Virgem fiel –, para crescermos em humildade, para sermos mais sinceros e dóceis nas nossas conversas com quem orienta a nossa alma… Não devemos assustar-nos nem desanimar com o assédio das tentações. Nada nos pode separar de Deus se a vontade não o permite. Ninguém peca se não quer. Esses tempos difíceis, se o Senhor os vem a permitir, são tempos para purificar o coração e para adiantar muito na vida interior.

A tentação pode ser uma fonte inesgotável de graças e de méritos para a vida eterna. Porque eras agradável a Deus, foi preciso que a tentação te provasse11. Foi com essas palavras que o Anjo consolou Tobias no meio da sua prova. Também têm sido úteis a muitos cristãos à hora das suas tribulações.

III. PARA VENCER, temos de pedir ajuda a Nosso Senhor, que está sempre do nosso lado na hora da luta. Ele é onipotente: Tende confiança, eu venci o mundo12. E, junto de Cristo, podemos dizer: Tudo posso naquele que me conforta13. O Senhor é a minha luz e a minha salvação: a quem temerei?14

Nas tentações, contamos com o auxílio poderoso dos Anjos da Guarda, postos junto de cada um de nós pelo nosso Pai-Deus para que nos protejam: Ele mandou aos seus anjos que te guardem em todos os teus caminhos. Sustentar-te-ão nas suas mãos para que não tropeces em pedra alguma15. Pedir-lhes-emos ajuda com muita freqüência, especialmente nas tentações. O Anjo da Guarda é um formidável amigo, pronto a ajudar-nos nos momentos de maior perigo e necessidade.

Estamos vigilantes contra as tentações quando perseveramos na oração pessoal, que evita a tibieza, quando não abandonamos a mortificação, que nos mantém disponíveis para as coisas de Deus. Somos fortes na tentação quando fugimos das ocasiões de pecado, por pequenas que possam parecer, pois sabemos que quem ama o perigo perecerá nele16, quando temos o dia cheio de trabalho intenso, evitando o ócio e a preguiça.

Além disso, devemos ter em conta que é mais fácil resistir no princípio, quando a tentação começa a insinuar-se, do que se permitimos que vá ganhando corpo, “porque nos será mais fácil vencer o inimigo quando não o deixamos entrar na alma, enfrentando-o logo que bater à porta. Por isso costuma-se dizer: «Resiste no princípio; o remédio chega tarde quando a chaga é velha»”17. Se bem que, mesmo quando “a chaga é velha”, se pode, com humildade, encontrar o remédio oportuno.

Se recorrermos à Virgem, Nossa Senhora, sempre sairemos vencedores, mesmo das provas em que possamos sentir-nos absolutamente perdidos.

(1) São Pedro Crisólogo, Sermão 67; (2) João Paulo II, Homilia, 3.05.87; (3) Hebr 4, 15; (4) cfr. 1 Cor 10, 13; (5) Catecismo Romano, III, 1, n. 7; (6) Ti 1, 12; (7) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 707; (8) cfr. São Tomás de Aquino, Sobre o Pai-Nosso; (9) 1 Pe 5, 8; (10) Tertuliano, Tratado sobre a oração, 8; (11) Tob 12, 13; (12) Jo 16, 23; (13) Fil 4, 13; (14) Sl 26, 1; (15) Sl 90, 11; (16) Eclo 3, 27; (17) Tomás de Kempis, Imitação de Cristo, I, 13, 5.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal