TEMPO COMUM. VIGÉSIMA OITAVA SEMANA. TERÇA-FEIRA
– Somos pecadores. O pecado é sempre e sobretudo uma ofensa a Deus.
– Sempre encontraremos o Senhor disposto a perdoar. Todo o pecado pode ser perdoado se o pecador se arrepende.
– Uma condição para sermos perdoados: perdoar os outros de coração. Como deve ser o nosso perdão.
I. PAI, PERDOAI-NOS as nossas ofensas, pedimos todos os dias no Pai-Nosso. Somos pecadores, e se dissermos que não temos pecado, nós mesmos nos enganamos e a verdade não está em nós1, escreve São João na sua primeira Epístola. A universalidade do pecado aparece com freqüência no Antigo Testamento2 e é sublinhada também no Novo 3. Todos os dias temos necessidade de pedir perdão ao Senhor pelas nossas faltas e pecados. Ofendemo-lo ao menos em coisas pequenas, talvez sem uma expressa voluntariedade atual, mas não há dúvida de que o ofendemos com as nossas ações e com as nossas omissões; por pensamentos, palavras e obras. “O que a Revelação divina nos diz concorda com a experiência. O homem, olhando o seu coração, descobre-se também inclinado para o mal e mergulhado em múltiplos males que não podem provir do seu Criador que é bom […]. Por isso o homem está dividido em si mesmo” 4.
Hoje, enquanto fazemos a nossa oração com o Senhor, como também ao longo do dia, podemos fazer nossa aquela jaculatória do publicano que não se atrevia a levantar os olhos no Templo e que reconhecia, como nós, ter ofendido o Senhor: Meu Deus – dizia, cheio de humildade e de arrependimento –, tem piedade de mim, pecador 5. Quanto bem nos pode fazer esta breve oração, se for repetida com um coração humilde! O Senhor colocou-a na boca do publicano da parábola para que nós a repetíssemos.
Muitas vezes, os homens costumam confundir o pecado com as suas conseqüências. Ficam tristes com o fracasso que introduz na sua vida pessoal ou com a humilhação de terem faltado a um dever ou pelos danos causados a outra pessoa. Vêem o pecado em função das sombras que projeta na imagem que fazem de si próprios ou do dano que causa aos outros. Mas o pecado é sobretudo uma ofensa a Deus, e só secundariamente é que se relaciona com a própria pessoa, com os outros e com a sociedade. Pequei contra o Senhor 6, afirma o rei Davi quando repara no delito que cometeu fazendo que Urias – um amigo e um dos seus melhores generais e com cuja esposa praticara adultério – fosse ao encontro da morte. No entanto, o adultério, o crime perpetrado, o abuso de poder, o escândalo dado ao povo, por mais graves que tivessem sido, julgou-os inferiores em malícia à ofensa que fizera a Deus.
O descumprimento da lei pode acarretar desastres e sofrimentos, mas só existe pecado propriamente dito perante Deus. Pequei contra o céu e contra ti 7, confessa o filho pródigo quando volta arrependido à casa paterna. “Sem esta palavra: Pequei, o homem não pode verdadeiramente penetrar no mistério da morte e da ressurreição de Cristo, para tirar deles os frutos da redenção e da graça. É uma palavra-chave. Evidencia sobretudo a grande abertura do interior do homem para Deus: Pai, pequei contra ti […].
“O Salmista fala ainda mais claramente: Tibi soli peccavi, foi só contra Ti que pequei (Sl 50, 6). “Esse Tibi soli não anula as outras dimensões do mal moral, como é o pecado em relação à condição humana. O pecado, no entanto, é um mal moral de modo principal e definitivo em relação ao próprio Deus, ao Pai no Filho. Assim, pois, o mundo (contemporâneo) e o príncipe deste mundo trabalham muitíssimo para anular e aniquilar este aspecto do pecado.
“Pelo contrário, a Igreja […] trabalha sobretudo para que cada um dos homens se examine a si próprio, com o seu pecado, diante de Deus somente, e para que acolha a penitência salvífica do perdão contida na paixão e na ressurreição de Cristo”8.
Que grande dom do Céu é podermos reconhecer os nossos pecados, sem desculpas nem mentiras, aproximarmo-nos da fonte inesgotável da misericórdia divina e dizer: Pai, perdoai-nos as nossas ofensas! Que paz tão grande nos dá o Senhor!
II. NÃO BASTA reconhecermos os nossos pecados; “é necessário que a sua recordação seja dolorosa e amarga, que fira o coração, que mova a alma ao arrependimento. E ao sentir-nos angustiados, recorramos a Deus nosso Pai pedindo-lhe com humildade que tire os espinhos do pecado cravados na nossa alma”9.
O Senhor está disposto a perdoar tudo de todos. Aquele que vem a mim, não o lançarei fora10. Não é vontade do vosso Pai que está nos céus que pereça um só destes pequeninos11. Mais ainda: como ensina São Tomás, a Onipotência de Deus manifesta-se, sobretudo, em perdoar e usar de misericórdia, porque a maneira que Deus tem de mostrar que possui o supremo poder é perdoar livremente12. No Evangelho, a misericórdia de Jesus para com os pecadores aparece como uma constante: recebe-os, atende-os, deixa-se convidar por eles, compreende-os, perdoa-lhes. Às vezes, os fariseus criticam-no por isso, mas Ele recrimina-os dizendo-lhes que os sãos não necessitam de médico, mas os pecadores, e que o Filho do homem veio buscar e salvar o que tinha perecido13.
A ofensa deve ser perdoada pelo ofendido. O pecado só pode ser perdoado pelo próprio Deus. Assim o fizeram notar a Jesus uns fariseus: Quem pode perdoar os pecados senão unicamente Deus? 14 Cristo não rejeitou essas palavras, mas serviu-se delas para lhes mostrar que Ele tem esse poder precisamente por ser Deus. Depois da Ressurreição, transmitiu-o à sua Igreja, para que Ela pudesse exercê-lo até o fim dos tempos por meio dos seus ministros. Recebei o Espírito Santo – disse aos Apóstolos –; àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos 15.
No sacramento da Confissão, sempre encontraremos o Senhor disposto ao perdão e à misericórdia. “Podemos estar absolutamente certos – ensina o Catecismo Romano – de que Deus se inclina para nós de tal modo que com muitíssimo gosto perdoa a quem se arrepende verdadeiramente. Não há dúvida de que pecamos contra Deus […], mas também é verdade que pedimos perdão a um pai carinhosíssimo, que tem poder para perdoar tudo, e não somente disse que queria perdoar, mas além disso anima os homens a pedir perdão, e até nos ensina com que palavras devemos pedi-lo. Por conseguinte, ninguém pode duvidar de que – porque Ele assim o dispôs – está em nossas mãos, por assim dizer, recuperar a graça divina” 16.
III. PERDOAI AS NOSSAS OFENSAS assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, rezamos todos os dias. O Senhor espera de nós essa generosidade que nos assemelha a Ele próprio. Porque, se perdoardes aos outros as suas faltas, também o vosso Pai celestial vos perdoará a vós 17. Esta disposição faz parte de uma norma freqüentemente afirmada pelo Senhor ao longo do Evangelho: Absolvei e sereis absolvidos. Dai e ser-vos-á dado… Com a medida com que medirdes, também vós sereis medidos 18.
Deus tem-nos perdoado muito, e por isso não devemos guardar rancor de ninguém. Temos que aprender a desculpar com mais generosidade, a perdoar com mais rapidez. Perdão sincero, profundo, de coração.
Às vezes, sentimo-nos magoados sem uma razão objetiva: apenas por suscetibilidade ou por amor próprio. E ainda que alguma vez se trate de uma ofensa real e de importância, por acaso não ofendemos nós muito mais a Deus? O Senhor “não aceita o sacrifício dos que vivem em discórdia; manda-lhes que comecem por retirar-se do altar e vão reconciliar-se com o seu irmão, para depois poderem apaziguar a Deus com as preces de um coração pacífico. O melhor sacrifício é, para Deus, a nossa paz e a nossa concórdia fraternas, a unidade de todo o povo fiel no Pai, no Filho e no Espírito Santo” 19.
Devemos fazer com freqüência um exame para ver como são as nossas reações em face das contrariedades que a convivência pode ocasionar de vez em quando. Seguir o Senhor na vida corrente é encontrar, também neste ponto, o caminho da paz e da serenidade. Devemos estar vigilantes para evitar a menor falta de caridade externa ou interna. As ninharias diárias – normais em toda a convivência – não podem ser motivo para que diminua a alegria no trato com as pessoas que nos rodeiam.
Se alguma vez temos que perdoar uma ou outra ofensa real, compreendamos que estamos diante de uma ocasião muito especial de imitar Jesus, que pede o perdão para os que o crucificam. Assim saboreamos o amor de Deus, que não busca o proveito próprio; e o nosso coração dilata-se e adquire maior capacidade de amar. Não devemos esquecer então que “nada nos assemelha tanto a Deus como estarmos sempre dispostos a perdoar” 20. A generosidade com os outros conseguirá que a misericórdia divina nos perdoe tantas fraquezas nossas.
(1) 1 Jo 1, 8; (2) cfr. Jó 9, 2; 14, 4; Prov 20, 9; Sl 13, 1-4; 50, 1 e segs.; (3) cfr. Rom 3, 10-18; (4) Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et spes, 13; (5) Lc 18, 13; (6) 2 Sam 12, 13; (7) Lc 15, 18; (8) João Paulo II, Ângelus, 16.03.80; (9) Catecismo Romano, IV, 14, n. 6; (10) Jo 6, 37; (11) Mt 18, 14; (12) São Tomás de Aquino, Suma teológica, I, q. 25 a. 3 ad 3; (13) Lc 19, 10; (14) cfr. Lc 5, 18-25; (15) cfr. Jo 20, 19-23; (16) Catecismo Romano, IV, 24, n. 11; (17) Mt 6, 14-15; (18) cfr. Lc 6, 37-38; (19) São Cipriano, Tratado sobre a oração do Senhor, 23; (20) São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 19, 7.