TEMPO COMUM. VIGÉSIMA SÉTIMA SEMANA. QUARTA-FEIRA

– A oração do Senhor.
– Filiação divina e oração.
– Oração e fraternidade.

I. OS DISCÍPULOS viam muitas vezes como Jesus se retirava a sós e permanecia longo tempo em oração; por vezes, noites inteiras. Por isso, um dia – lemos no Evangelho da Missa 1–, após terminar a sua oração, dirigiram-se a Ele e disseram-lhe com toda a simplicidade: Senhor, ensina-nos a orar.

Dos lábios de Jesus aprenderam então aquela oração – o Pai-Nosso – que milhões de bocas, de todas as línguas, repetiriam tantas vezes ao longo dos séculos. São um feixe de petições que o Senhor deve ter ensinado também em outras ocasiões, e que talvez por isso tenham sido compiladas de maneira levemente diferente por São Lucas e São Mateus 2. São também um modo completamente novo de dirigir-se a Deus. Há nessas petições “uma tal simplicidade, que até uma criança as aprende, e ao mesmo tempo uma profundidade tão grande, que se pode consumir uma vida inteira em meditar o sentido de cada uma delas” 3.

A primeira palavra que pronunciamos por expressa indicação do Senhor é: Abba, Pai. Os primeiros cristãos quiseram conservar, sem traduzi-la, a mesma palavra aramaica que Jesus utilizou: Abba; e é muito provável que assim passasse à liturgia mais primitiva e antiga da Igreja 4.

Este primeiro vocábulo situa-nos no clima de confiança e de filiação em que sempre devemos dirigir-nos a Deus. O Senhor omitiu outras palavras – ensina o Catecismo Romano – “que poderiam ao mesmo tempo causar-nos temor, e só empregou aquela que inspira amor e confiança aos que oram e pedem alguma coisa; porque, que coisa é mais agradável que o nome de pai, que indica ternura e amor?” 5 É a mesma palavra que as crianças hebréias utilizavam para dirigir-se familiar e carinhosamente aos seus pais da terra. E foi o termo escolhido por Jesus como o mais adequado para invocarmos o Criador do Universo: Abba!, Pai!

O próprio Deus, que transcende absolutamente todas as coisas criadas, está muito perto de nós, é um Pai estreitamente ligado à existência dos seus filhos, fracos e freqüentemente ingratos, mas que Ele quer ter em sua companhia por toda a eternidade. Nós nascemos para o Céu.

“Às outras criaturas – ensina São Tomás de Aquino –, o Senhor deu-lhes como que dons minúsculos; a nós, a herança. Isto, por sermos filhos; e, por sermos filhos, também herdeiros. Não recebestes o espírito de escravidão, para recairdes novamente no temor, mas o espírito de filhos, que nos faz clamar Abba, Pai! (Ef 3, 15)” 6.

Quando rezamos o Pai-Nosso, e muitas vezes ao longo do dia, podemos saborear esta palavra cheia de mistério e de doçura: Abba, Pai, meu Pai… E esta oração influirá decisivamente ao longo do dia, pois “quando chamamos a Deus Pai nosso, temos de lembrar-nos de que devemos comportar-nos como filhos de Deus” 7.

II. ENQUANTO MUITOS PROCURAM a Deus como que no meio de névoas, às apalpadelas, nós, os cristãos, sabemos de um modo muito especial que Ele é nosso Pai e que vela por nós. “A expressão «Deus-Pai» nunca tinha sido revelada a ninguém. O próprio Moisés, quando perguntou a Deus quem Ele era, escutou como resposta outro nome. Mas a nós, este nome foi-nos revelado pelo Filho” 8.

Sempre que recorremos a Deus, Ele nos diz: Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu9. Nenhuma das nossas necessidades, das nossas tristezas, o deixa indiferente. Se tropeçamos, Ele está atento para nos segurar ou levantar.

“Tudo o que nos vem de Deus e que de modo imediato nos parece favorável ou adverso, foi-nos enviado por um Pai cheio de ternura e pelo mais sábio dos médicos, visando o nosso próprio bem” 10.

A vida, sob o influxo da filiação divina, adquire um sentido novo; já não é um enigma obscuro a ser decifrado, mas uma tarefa a realizar na casa do Pai, que é a Criação inteira: Meu filho, diz Deus a cada um, vai trabalhar na minha vinha 11. Então a vida não produz temores, e a morte é vista com paz, pois é o encontro definitivo com Ele. Se nos sentimos assim em todo o momento – filhos –, seremos pessoas piedosas, com essa piedade que nos leva a “ter uma vontade pronta para se entregar ao que diz respeito ao serviço de Deus” 12. E a nossa vida servirá para tributar glória e louvor a Deus, porque o trato de um filho com seu Pai está cheio de respeito, de veneração e, ao mesmo tempo, de reconhecimento e amor. “A piedade que nasce da filiação divina é uma atitude profunda da alma, que acaba por informar a existência inteira: está presente em todos os pensamentos, em todos os desejos, em todos os afetos” 13. Impregna tudo.

O Senhor, ao longo da sua vida terrena, ensinou-nos a manter um relacionamento íntimo com o nosso Pai-Deus. Em Jesus deu-se esse relacionamento e afeto filial para com seu Pai em grau supremo. O Evangelho mostra-nos como, em diversas ocasiões, Jesus se retirava para longe da multidão a fim de unir-se em oração com seu Pai14, e dEle aprendemos a necessidade de dedicar algum tempo exclusivamente a Deus, no meio das tarefas do dia. Em momentos especiais, Jesus ora por Si próprio; é uma oração de filial abandono na vontade de seu Pai-Deus, como no Horto de Getsêmani 15 e na Cruz 16. Em outras ocasiões, ora confiadamente pelos outros, especialmente pelos Apóstolos e pelos futuros discípulos17, por nós. Diz-nos de muitas maneiras que esse trato filial e confiado com Deus é necessário para resistirmos às tentações 18, para obtermos os bens necessários 19 e para alcançarmos a perseverança final 20.

Esta conversa filial deve ser pessoal, em segredo 21; discreta 22; humilde, como a do publicano 23; constante e sem desânimos, como a do amigo inoportuno ou a da viúva rejeitada pelo juiz 24; deve estar penetrada de confiança na bondade divina 25, pois Deus é um Pai conhecedor das necessidades dos seus filhos, e lhes dá não só os bens da alma, mas também o necessário para a vida corporal 26.

“Meu Pai – trato-o assim, com confiança! –, que estás nos Céus, olha-me com Amor compassivo, e faz que eu te corresponda. – Derrete e inflama o meu coração de bronze, queima e purifica a minha carne não mortificada, enche o meu entendimento de luzes sobrenaturais, faz que a minha língua seja pregoeira do Amor e da Glória de Cristo” 27Meu Pai…, ensina-nos e ensina-me a tratar-te com confiança filial.

III. A ORAÇÃO É PESSOAL, mas dela participam os nossos irmãos. O recolhimento e a solidão interior não impedem que, de algum modo, os outros homens estejam presentes enquanto oramos. O Senhor ensinou-nos a dizer Pai nosso, porque compartilhamos a dignidade de filhos com todos os nossos irmãos.

Pai nosso. E o Senhor já nos tinha dito 28 que se, no momento em que nos puséssemos a orar, nos lembrássemos de que um dos nossos irmãos tinha alguma queixa contra nós, deveríamos primeiro ir reconciliar-nos com ele. Só depois é que aceitaria a nossa oferenda.

Temos o direito de chamar Pai a Deus se tratamos os outros como irmãos. Porque se alguém disser: Eu amo a Deus e odiar o seu irmão, é um mentiroso. Porque aquele que não ama o seu irmão a quem vê, como pode amar a Deus, a quem não vê? 29

“Não podeis chamar Pai nosso ao Deus de toda a bondade – diz São João Crisóstomo –, se conservais um coração duro e pouco humano, pois em tal caso já não tendes a marca de bondade do Pai celestial” 30.

Quando dizemos a Deus Pai nosso, não lhe apresentamos somente a nossa pobre oração, mas também a adoração de toda a terra. Pela Comunhão dos Santos, sobe até Deus uma oração permanente em nome de toda a humanidade. Oramos por todos os homens, pelos que nunca souberam orar, ou já não o sabem, ou não querem fazê-lo. Emprestamos a nossa voz aos que ignoram ou esquecem que têm um Pai todo-poderoso nos céus. Damos graças por aqueles que se esquecem de dá-las. Pedimos pelos necessitados que não sabem que a fonte da graça está tão perto. Na nossa oração, vamos carregados com as imensas necessidades do mundo inteiro. No nosso recolhimento interior, enquanto nos dirigimos ao nosso Pai-Deus, sentimo-nos delegados de todos aqueles que passam por alguma dificuldade, especialmente daqueles que Deus colocou ao nosso lado ou sob os nossos cuidados.

Também será de grande consolo considerarmos que cada um de nós participa por sua vez da oração de todos os irmãos. No Céu, teremos a alegria de conhecer todos aqueles que intercederam por nós, e também o incontável número de cristãos que ocupavam o nosso lugar diante de Deus quando nos esquecíamos de fazê-lo, e que assim nos obtiveram as graças que nós não pedimos. Quantas dívidas por saldar!

A oração do cristão, ainda que seja pessoal, nunca é isolada; funde-se com a de todos os justos: com a daquela mãe de família que pede pelo seu filhinho doente, com a daquele estudante que espera um pouco de ajuda para as suas provas, com a daquela moça que deseja ajudar a sua amiga para que faça uma boa Confissão, com a daquele que oferece o seu trabalho, com a daquele que oferece precisamente a sua falta de trabalho.

Na Santa Missa, o sacerdote recita com os fiéis as palavras do Pai-Nosso. E consideramos que, com as diferenças horárias nos diversos países, a Santa Missa é celebrada continuamente no mundo inteiro e a Igreja recita sem cessar essa oração pelos seus filhos e por todos os homens. A terra apresenta-se assim como um grande altar de louvor contínuo ao nosso Pai-Deus, pelo seu Filho Jesus Cristo, no Espírito Santo.

(1) Lc 11, 1-4; (2) cfr. Mt 6, 9 e segs.; (3) João Paulo II, Audiência geral, 14.03.79; (4) cfr. W. Marchel, Abba, Père. La prière du Christ et des chrétiens, Roma, 1963, págs. 188-189; (5) Catecismo Romano, IV, 9, n. 1; (6) São Tomás de Aquino, Sobre o Pai-Nosso; (7) São Cipriano, Tratado sobre a oração do Senhor, 11; (8) Tertuliano, Tratado sobre a oração, 3; (9) Lc 15, 31; (10) Cassiano, Colações, 7, 28; (11) Mt 20, 1; (12) São Tomás de Aquino, Suma teológica, II-II, q. 8, a. 1, c.; (13) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 146; (14) Mt 14, 23; (15) cfr. Mc 14, 35-36; (16) cfr. Mc 15, 34; Lc 23, 34-36; (17) cfr. Lc 22, 32; (18) cfr. Mt 26, 41; (19) cfr. Jo 4, 10; 6, 27; (20) cfr. Lc 21, 36; (21) Mt 6, 5-6; (22) cfr. Mt 6, 7-8; (23) cfr. Lc 18, 9-14; (24) cfr. Lc 11, 5-8; 18, 1-8; (25) cfr. Mc 11, 23; (26) cfr. Mt 7, 7-11; (27) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 3; (28) cfr. Mt 5, 23; (29) 1 Jo 4, 20; (30) São João Crisóstomo, Homilia sobre a porta estreita.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal