TEMPO COMUM. DÉCIMA OITAVA SEMANA. SEGUNDA‑FEIRA
– Ser sobrenaturalmente realista é contar sempre com a graça do Senhor.
– O otimismo cristão é conseqüência da fé.
– Otimismo fundamentado também na Comunhão dos Santos.
I. UMA GRANDE MULTIDÃO seguiu Jesus afastando‑se cada vez mais de lugares habitados1. Seguem‑no sem se preocuparem com as distâncias, porque precisam muito dEle e sentem‑se acolhidos. Estão pendentes das palavras que lhes dirige e que dão sentido às suas vidas, e até se esquecem de levar provisões para comer. Não parecem preocupados com isso, nem eles nem Jesus. Mas os discípulos percebem a situação e, ao cair da tarde, aproximam‑se do Mestre e dizem‑lhe: Este lugar é deserto, e a hora é já adiantada; despede essa gente, para que, indo às aldeias, compre de comer. Era uma realidade evidente. Mas Jesus conhece uma realidade mais alta, umas possibilidades que os discípulos mais íntimos parecem ignorar. Por isso, responde‑lhes: Não têm necessidade de ir; dai‑lhes vós de comer. Mas eles, conhecedores da dificuldade em que se encontravam, dizem‑lhe: Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes.
Os discípulos vêem a realidade objetiva: são conscientes de que, com aqueles alimentos, não podiam dar de comer a uma multidão. O mesmo acontece conosco quando nos pomos a calcular as nossas forças e possibilidades: as dificuldades da vida e do meio ambiente ultrapassam as nossas forças. Mas essa objetividade humana, que por si só nos levaria ao desalento e ao pessimismo, faz‑nos esquecer o otimismo radical que é inerente à vocação cristã e que tem outros fundamentos.
A sabedoria popular diz: “Quem deixa a Deus fora das suas contas, não sabe contar”; essas contas não batem, não podem bater, porque se esquece precisamente a parcela de maior importância. Os Apóstolos fizeram bem os cálculos, contaram com toda a exatidão os pães e os peixes disponíveis…, mas esqueceram‑se de que Jesus, com o seu poder, estava ao lado deles. E esse dado mudava radicalmente a situação; a verdadeira realidade era outra, muito diferente. “Nos empreendimentos de apostolado, está certo – é um dever – que consideres os teus meios terrenos (2 + 2 = 4). Mas não esqueças – nunca! – que tens de contar, felizmente, com outra parcela: Deus + 2 + 2…”2 Esquecer essa parcela seria falsear a verdadeira situação. Ser sobrenaturalmente realista significa contar com a graça de Deus, que é um “dado” bem real.
O otimismo do cristão não se baseia na ausência de dificuldades, de resistências e de erros pessoais, mas em Deus, que nos diz: Eu estarei sempre convosco3. Com Ele, podemos tudo; vencemos…, mesmo quando aparentemente fracassamos. A Santa de Ávila repetia, com bom humor e sentido sobrenatural: “Teresa sozinha não pode nada; Teresa e um maravedi, menos ainda; Teresa, um maravedi e Deus podem tudo”4. E o mesmo acontece conosco. “Lança para longe de ti essa desesperança que te produz o conhecimento da tua miséria. – É verdade: pelo teu prestígio econômico, és um zero…, pelo teu prestígio social, outro zero…, e outro pelas tuas virtudes, e outro pelo teu talento… Mas à esquerda dessas negações está Cristo… E que cifra incomensurável não resulta!”5
Como mudam as forças disponíveis à hora de empreendermos uma iniciativa apostólica ou quando nos decidimos a lutar na vida interior, ou mesmo a enfrentar as realidades da vida humana, apoiados no Senhor!
II. O OTIMISMO DO CRISTÃO é conseqüência da sua fé, não das circunstâncias. O cristão é consciente de que o Senhor preparou tudo para o seu maior bem, e de que Ele sabe tirar fruto até dos aparentes fracassos, ao mesmo tempo que nos pede que utilizemos todos os meios humanos ao nosso alcance, sem deixar de lado nem um só: os cinco pães e os dois peixes. O milagre virá.
O Senhor faz com que os fracassos na ação apostólica (uma pessoa que resiste ou nos vira as costas, outra que se nega reiteradamente a dar um passo muito pequeno que a pode aproximar de Deus, um filho que se recusa a acompanhar‑nos à missa de domingo…) nos santifiquem e acabem por santificar os outros; nada se perde. O que não pode dar fruto são as omissões e os atrasos, o cruzar os braços porque parece ser pouco o que podemos fazer e grande a resistência do ambiente. Deus quer que ponhamos à sua disposição os poucos pães e peixes que sempre temos, e que confiemos nEle. Uns frutos chegarão em breve prazo; outros, o Senhor os reserva para o momento oportuno, que Ele conhece muito bem; mas sempre chegarão. Temos de convencer‑nos de que não somos nada e de que nada podemos por nós mesmos, mas que Jesus está ao nosso lado, e “Ele, a cujo poder e ciência estão submetidas todas as coisas, nos protege através das suas inspirações contra toda a estultícia, ignorância ou dureza de coração”6.
O otimismo do cristão robustece‑se poderosamente através da oração: “Não é um otimismo meloso, nem tampouco uma confiança humana em que tudo dará certo. É um otimismo que mergulha as suas raízes na consciência da liberdade e na certeza do poder da graça; um otimismo que nos leva a ser exigentes conosco próprios, a esforçar‑nos por corresponder em cada instante às chamadas de Deus”7, a estar atentos ao que Ele deseja que realizemos. Não é o otimismo do egoísta, que só procura a sua tranqüilidade pessoal e para isso fecha os olhos à realidade e diz: “Tudo se ajeitará”, como desculpa para que não o incomodem, ou que se nega a ver os males do próximo para evitar preocupações.
O otimismo radical de quem segue de perto o Senhor não o afasta da realidade. Com os olhos abertos e vigilantes, sabe enfrentá‑la, mas nem por isso se deixa atenazar pelo mal que às vezes contempla, nem se enche de tristeza. Sabe que em circunstância nenhuma seu Pai‑Deus o abandona, e que Ele sempre tirará frutos surpreendentes daquele terreno – daquelas circunstâncias ou daqueles amigos – onde só podiam crescer cardos e urtigas. O cristão “sabe que a obra boa nunca será destruída, e que, para dar fruto, o grão de trigo deve começar a morrer debaixo da terra; sabe que o sacrifício dos bons nunca é estéril”8.
III. RONALD KNOX9 comenta que Jesus não realizou o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes em benefício de transeuntes casuais que se tivessem aproximado para ver o que acontecia com aquela multidão, mas para os que o seguiam há vários dias e o procuraram ao perceberem que se ausentara; eram – diz – como uma manifestação da Igreja incipiente. Aqueles cinco mil, sentados no sopé da montanha, estavam unidos entre si por terem seguido o Senhor, por se terem alimentado do mesmo pão – imagem da Sagrada Eucaristia –, saído das mãos de Cristo. “Que símbolo tão natural de fraternidade é uma refeição em comum! Com que facilidade brota a amizade entre os participantes de um banquete ao ar livre!
“Podemos imaginar o que aconteceria depois, quando alguns dos cinco mil se encontrassem casualmente. A amizade suscitaria neles recordações comuns: o lugar onde se tinham sentado uns e outros naquele dia memorável; o temor de que as provisões não fossem suficientes; a alegria que tiveram quando Pedro, João ou Tiago passaram por eles com as mãos cheias de víveres; o assombro ao verem todos saciados e os doze cestos que sobraram”10.
Nós participamos da mesma mesa, do mesmo Banquete, comemos o mesmo Pão, que se multiplica sem cessar, e através do qual Cristo vem até nós. Os que seguimos o Senhor estamos unidos por um vínculo muito forte, e por nós corre a mesma vida. “Oxalá nos olhemos a nós mesmos como sarmentos vivos de Cristo, a videira, animados e vigorizados pela graça e pela virtude de Cristo!”11 A Comunhão dos Santos ensina‑nos que formamos um só Corpo em Cristo e que podemos ajudar‑nos eficazmente uns aos outros. Neste preciso momento, alguém está pedindo por nós, alguém nos ajuda com o seu trabalho, com a sua oração ou com a sua dor. Nunca estamos sós. A Comunhão dos Santos alimenta continuamente o nosso otimismo.
E comeram todos, e saciaram‑se; e do que sobrou recolheram doze cestos cheios de fragmentos. Ora, o número dos que tinham comido era de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças. A generosidade de Jesus – que é a mesma agora, nos nossos dias – incita‑nos a recorrer a Ele cheios de esperança, pois são já muitos os dias em que o vimos seguindo.
“Pede‑Lhe sem medo, insiste. Lembra‑te da cena que o Evangelho nos relata acerca da multiplicação dos pães. – Olha a magnanimidade com que o Senhor responde aos Apóstolos: – Quantos pães tendes? Cinco?… Que me pedis?… E Ele dá seis, cem, milhares… Por quê?
“– Porque Cristo vê as nossas necessidades com uma sabedoria divina, e com a sua onipotência pode e chega mais longe do que os nossos desejos.
“O Senhor vai além da nossa pobre lógica e é infinitamente generoso!”12
Ele volta a realizar milagres quando pomos à sua disposição o pouco que possuímos. Ele tem outra lógica, que supera os nossos pobres cálculos, sempre pequenos e insuficientes. Que vergonha se alguma vez guardássemos para nós os cinco pães e os dois peixes, enquanto o Senhor esperava que os entregássemos para fazer maravilhas com eles!
(1) Cfr. Mt 14, 13‑21; (2) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 471; (3) cfr. Mt 28, 28; (4) A. Ruiz, Anédoctas teresianas, 3ª ed., Monte Carmelo, Burgos, 1982, pág. 217; (5) Josemaría Escrivá, op. cit., n. 473; (6) São Tomás, Suma Teológica, I‑II, q. 68, a. 2, ad. 3; (7) Josemaría Escrivá, Forja, n. 659; (8) G. Chevrot, Jesus e a samaritana, Aster, Lisboa, 1954, pág. 145; (9) cfr. R. Knox, Ejercícios para sacerdotes, Rialp, Madrid, 1981, pág. 257; (10) ib.; (11) B. Baur, En la intimidad con Dios, Rialp, Madrid, 1963, pág. 233; (12) Josemaría Escrivá, Forja, n. 341.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal