TEMPO COMUM. DÉCIMA TERCEIRA SEMANA. SEXTA‑FEIRA

– As mortificações nascem do amor e por sua vez alimentam‑no.
– Mortificações que ajudam e tornam mais grata a vida dos outros; as pequenas contrariedades de cada dia; espírito de sacrifício no cumprimento do dever.
– Outras manifestações.

I. O EVANGELHO DA MISSA1 relata‑nos que São Mateus, depois de corresponder à chamada de Jesus, preparou um banquete na sua própria casa, ao qual compareceram os outros discípulos e muitos publicanos e pecadores, talvez seus amigos de velha data. Os fariseus, ao verem isso, diziam: Por que o vosso Mestre come com os publicanos e os pecadores? Jesus ouviu essas palavras e Ele mesmo lhes respondeu dizendo que não carecem de médico os sãos, mas os doentes. E a seguir fez suas umas palavras de Oséias 2: Prefiro a misericórdia ao sacrifício. O Senhor não rejeita os sacrifícios que lhe oferecem; insiste, no entanto, em que essas oferendas se façam acompanhar pelo amor que nasce de um coração bom, pois a caridade deve impregnar toda a atividade do cristão e, de modo especial, o culto que se presta a Deus 3.

Aqueles fariseus, fiéis cumpridores da Lei, não envolviam os seus sacrifícios no odor suave do amor a Deus e da caridade para com o próximo; em outro lugar, o Senhor dirá com palavras do profeta Isaías: Este povo honra‑me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Naquele banquete em casa de Mateus, os fariseus demonstraram que lhes faltava compreensão para com os outros convidados e que não se esforçavam por aproximá‑los de Deus e da sua Lei, da qual se diziam fiéis cumpridores; apreciavam tudo com uma visão tacanha e desprovida de amor. “Prefiro as virtudes às austeridades, diz o Senhor com outras palavras ao povo escolhido, que se engana com certos formalismos externos. – Por isso, temos de cultivar a penitência e a mortificação, como provas verdadeiras de amor a Deus e ao próximo” 4.

O nosso amor a Deus expressa‑se nos atos de culto, mas manifesta‑se também em todas as ações do dia, nos pequenos sacrifícios que impregnam tudo o que fazemos, e que levam até o Senhor o nosso desejo de nos abnegarmos e de agradar‑lhe em tudo.

Se nos faltasse esta profunda disposição, a materialidade de repetirmos uns mesmos atos não teria valor nenhum, porque lhes faltaria o seu sentido mais íntimo. Os pequenos sacrifícios que procuramos oferecer todos os dias ao Senhor, nascem do amor e por sua vez alimentam esse mesmo amor.

O espírito de penitência, tal como o Senhor o quer, não é algo de negativo ou desumano 5; não é uma atitude de repulsa perante as coisas boas e nobres que podem existir no uso dos bens da terra; é uma manifestação de domínio sobrenatural sobre o corpo e sobre as coisas criadas, sobre os bens, sobre as relações humanas e o trabalho… A mortificação, voluntária ou aquela que nos aparece sem a termos procurado, não é uma simples privação, mas manifestação de amor, pois “padecer necessidade é coisa que pode acontecer a qualquer pessoa, mas saber padecê‑la é próprio das almas grandes” 6, das almas que amam muito.

A mortificação não é simples moderação nem é manter controlados à risca os sentidos e o desequilíbrio produzido pela desordem e pelo excesso. É abnegação verdadeira: é dar lugar à vida sobrenatural na alma, é antecipar aquela glória vindoura que se há de manifestar em nós 7.

II. PREFIRO A MISERICÓRDIA ao sacrifício… Por isso, um dos principais aspectos dos nossos sacrifícios diz respeito às relações e ao trato com os outros, que são o campo por excelência em que podemos adotar continuamente uma atitude misericordiosa, como a do Senhor com relação às pessoas que encontrava. O apreço e estima por aqueles com quem convivemos diariamente na família, no trabalho profissional, na rua, animam e ordenam os nossos sacrifícios. Levam‑nos a tornar‑lhes mais grata a sua vida na terra, a prestar‑lhes pequenos serviços, a privar‑nos de alguma comodidade em benefício deles.

Este gênero de mortificação levar‑nos‑á a superar um estado de ânimo pouco otimista, que influi necessariamente nos outros; a sorrir diante das dificuldades, a evitar tudo aquilo que – mesmo em detalhes – possa aborrecer ou incomodar os que estão mais perto, a desculpar, a perdoar… Assim matamos, além disso, o amor próprio, tão intimamente enraizado no nosso ser, e aprendemos a ser humildes.

Esta disposição habitual, que nos faz ser causa de alegria para os outros, só pode resultar de um profundo espírito de penitência, pois “desprezar a comida, a bebida e a cama macia, pode não custar um grande trabalho a muitos… Mas suportar uma injúria, sofrer um prejuízo ou não ripostar a uma palavra implicante… não é negócio de muitos, mas de poucos” 8.

E com estes sacrifícios que têm por fim a caridade, o Senhor quer que saibamos encontrá‑lo naqueles sacrifícios que Ele permite e que de alguma maneira contrariam os nossos gostos e planos ou os nossos interesses. São as mortificações passivas, que nos saem ao encontro numa doença grave, nos problemas familiares que não parecem fáceis de resolver, num revés profissional importante…; e com maior freqüência, diariamente, nas pequenas contrariedades e imprevistos que recheiam o nosso trabalho, a vida familiar, os planos que tínhamos para aquele dia… São ocasiões para dizer ao Senhor que o amamos, precisamente nessas coisas que num primeiro momento nos custa aceitar. A contrariedade – pequena ou grande – recebida com amor, oferecida ao Senhor imediatamente, produz paz e alegria no meio da dor; e quando não se aceita, a alma destempera‑se e fica triste, ou cai num estado de rebeldia íntima que a afasta dos outros e de Deus.

Outro campo de mortificações, de sacrifícios, em que mostramos o nosso amor a Deus, encontra‑se no cumprimento fiel do dever: é trabalhar com intensidade, é não postergar os deveres ingratos, é combater a preguiça mental, é viver sem exceções a ordem e a pontualidade, é facilitar o trabalho de quem está conosco na mesma tarefa, e tantas coisas mais…

Enquanto trabalhamos, no convívio com os outros…, a cada momento, manifestamos por meio dessas pequenas vitórias que amamos a Deus acima de todas as coisas e, mais ainda, acima de nós mesmos. Com essas mortificações, elevamo‑nos até o Senhor; sem elas, ficamos prostrados ao nível da terra. Esses pequenos sacrifícios oferecidos ao longo do dia preparam a alma para a oração e enchem‑na de alegria.

III. O SENHOR PEDE-NOS sacrifício com amor. A mortificação não está na zona fronteiriça em que é iminente o perigo de cair no pecado; encontra‑se em pleno campo da generosidade, porque é saber privar‑se do que seria possível não privar‑se sem ofender a Deus. Alma mortificada não é a que não ofende, mas a que ama; viver assim, ao ritmo de uma mortificação habitual, parece loucura aos olhos dos que se perdem; mas, para os que se salvam, isto é, para nós, é a força de Deus9, recordava São Paulo aos primeiros cristãos de Corinto.

O amor ao Senhor anima‑nos a dominar a imaginação e a memória, afastando pensamentos e recordações inúteis; a controlar a sensibilidade, a tendência para a “vida tranqüila” como razão principal da nossa vida. A mortificação leva‑nos a vencer a preguiça à hora de nos levantarmos, a não deixar a vista e os outros sentidos dispersos, a ser sóbrios na bebida, a comer com temperança, a evitar os caprichos…; e a praticar uma ou outra mortificação corporal, devidamente aconselhados na direção espiritual ou na confissão.

Em determinadas circunstâncias, daremos maior atenção a umas mortificações que a outras, porque teremos visto que estamos excessivamente acomodados num ponto ou noutro, ou porque teremos sentido especialmente a ausência de uma virtude ou o recrudescimento de um defeito… Pode até ser útil tomarmos nota de algumas delas, elaborando uma pequena lista que teremos sempre à mão, sobretudo à hora do exame de consciência à noite. E saberemos pedir ajuda ao nosso Anjo da Guarda para que as cumpramos todos os dias.

Devemos ter muito em conta a tendência de todo o homem e de toda a mulher para o esquecimento e o desleixo, e isso nos ajudará a lançar mão dos meios necessários para não deixarmos de lado essas ocasiões de pequenas renúncias ao longo do dia, muitas delas previstas e procuradas. Esse plano de mortificações costumeiras, reduzido a escrito, é um “lembrete” dificilmente substituível, que nos ajuda poderosamente a adquirir o hábito do espírito de sacrifício. Depois, teremos o cuidado de rever e renovar periodicamente essa lista, por exemplo uma vez por mês, para adaptá‑la às necessidades imediatas da nossa luta interior.

Para a alma mortificada, torna‑se uma realidade aquela promessa de Jesus: Quem perder a sua vida por amor de mim, achá‑la‑á 10; e assim encontraremos Cristo no meio do mundo, nas nossas tarefas e por meio delas. “O amigo disse ao seu Amado que lhe pagasse o tempo em que o havia servido. O Amado fez a conta dos pensamentos, desejos, prantos, perigos e trabalhos que o amigo padecera por amor dele, e acrescentou à conta a eterna bem‑aventurança, e deu‑se a Si próprio em pagamento ao seu amigo” 11.

(1) Mt 9, 9‑13; (2) Os 6, 6; (3) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, EUNSA, Pamplona, 1983; cfr. B. Orchard y outros, Verbum Dei, Herder, Barcelona, 1960, vol. II, pág. 683; (4) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 992; (5) cfr. J. Tissot, A vida interior; (6) Santo Agostinho, Sobre o bem do matrimônio, 21, 25; (7) Rom 8, 18; (8) São João Crisóstomo, Sobre o sacerdócio, 3, 13; (9) 1 Cor 1, 18; (10) Mt 10, 39; (11) R. Llull, Livro do amigo e do Amado, 64.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal