TEMPO PASCAL. SEXTO DOMINGO

– Fomos criados para o Céu. Fomentar a esperança.
– O que Deus revelou sobre a vida eterna.
– A ressurreição da carne. O pensamento do Céu deve levar-nos a uma luta decidida e alegre por alcançá-lo.

I. NESTES QUARENTA DIAS que separam a Páscoa da Ascensão do Senhor, a Igreja convida-nos a ter os olhos postos no Céu, a Pátria definitiva a que o Senhor nos chama.

O Senhor prometera aos seus discípulos que, passado um pouco de tempo, estaria com eles para sempre. Ainda um pouco de tempo e o mundo já não me verá. Vós, porém, tornareis a ver-me…1 O Senhor cumpriu a sua promessa nos dias em que permaneceu junto dos seus após a Ressurreição, mas essa presença não terminará quando subir com o seu Corpo glorioso ao Pai, pois pela sua Paixão e Morte nos preparou um lugar na casa do Pai, onde há muitas moradas 2. Voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, estejais vós também 3.

Os Apóstolos, que se tinham entristecido com a predição das negações de Pedro, são confortados com a esperança do Céu. A volta a que Jesus se refere inclui a sua segunda vinda no fim do mundo 4 e o encontro com cada alma quando se separar do corpo. A nossa morte será precisamente o encontro com Cristo, a quem procuramos servir nesta vida e que nos levará à plenitude da glória. Será o encontro com Aquele com quem falamos na nossa oração, com quem dialogamos tantas vezes ao longo do dia.

Do trato habitual com Jesus Cristo nasce o desejo de nos encontrarmos com Ele. A fé lima muitas das asperezas da morte. O amor ao Senhor muda completamente o sentido desse momento final que chegará para todos. “Os que se amam procuram ver-se. Os enamorados só têm olhos para o seu amor. Não é lógico que seja assim? O coração humano sente esses imperativos. Eu mentiria se negasse que me move tanto a ânsia de contemplar a face de Jesus Cristo. Vultum tuum, Domine, requiram, procurarei, Senhor, o teu rosto” 5.

O pensamento do Céu ajudar-nos-á a superar os momentos difíceis. É muito agradável a Deus que fomentemos esta esperança teologal, que está unida à fé e ao amor, e que em muitas ocasiões nos será especialmente necessária.

“À hora da tentação, pensa no Amor que te espera no Céu. Fomenta a virtude da esperança, que não é falta de generosidade” 6. Devemos fomentá-la nos momentos em que a dor e a tribulação se tornarem mais fortes, quando nos custar ser fiéis ou perseverar no trabalho ou no apostolado. O prêmio é muito grande! E está no dobrar da esquina, dentro de não muito tempo.

A meditação sobre o Céu deve também estimular-nos a ser mais generosos na nossa luta diária “porque a esperança do prêmio conforta a alma para que empreenda boas obras” 7. O pensamento desse encontro definitivo de amor a que fomos chamados ajudar-nos-á a estar mais vigilantes nas nossas tarefas grandes e nas pequenas, realizando-as de um modo acabado, como se fossem as últimas antes de irmos para o Pai.

II. NÃO EXISTEM PALAVRAS para exprimir, nem mesmo remotamente, o que será a vida no Céu que Deus prometeu aos seus filhos. Sabemos que “estaremos com Cristo e veremos a Deus (cfr. 1 Jo 3, 2); promessa e mistério admiráveis, nos quais reside essencialmente a nossa esperança. Se a imaginação não os pode alcançar, o coração alcança-os instintiva e profundamente” 8.

Será uma realidade felicíssima, que agora entrevemos pela Revelação e que mal podemos imaginar nas nossas condições atuais. O Antigo Testamento descreve a felicidade do Céu evocando a terra prometida depois de tão dura caminhada pelo deserto. Ali encontraremos todos os bens 9, ali terminarão as fadigas de tão longa e difícil peregrinação.

O Senhor falou-nos de muitas maneiras da incomparável felicidade que aguarda aqueles que amam a Deus com obras neste mundo. A eterna bem-aventurança é uma das verdades que nos pregou com mais insistência: Esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não deixe perecer nenhum daqueles que me deu, mas que os ressuscite no último dia. Esta é a vontade de meu Pai: que todo aquele que vê o Filho, e nele crê, tenha a vida eterna 10. Pai, dirá na Última Ceia, quero que, onde eu estou, estejam comigo aqueles que me deste, para que vejam a glória que me concedeste, porque me amaste antes da criação do mundo 11.

A bem-aventurança eterna é comparada a um banquete que Deus prepara para todos os homens e que saciará todas as ânsias de felicidade que o ser humano traz no coração 12. Os Apóstolos falam-nos freqüentemente dessa felicidade que esperamos. São Paulo ensina que agora vemos a Deus como por um espelho, confusamente; mas então vê-lo-emos face a face 13, e ali a nossa alegria e felicidade serão indescritíveis 14.

A felicidade da vida eterna consistirá antes de mais nada na visão direta e imediata de Deus. Esta visão não é somente um conhecimento intelectual perfeitíssimo, mas também comunhão de vida com Deus, Uno e Trino. Ver a Deus é encontrar-se com Ele, ser feliz nEle. Da contemplação amorosa das três Pessoas divinas brotará em nós uma alegria ilimitada. Serão satisfeitas, sem termo e sem fim, todas as exigências de felicidade e de amor do nosso pobre coração.

“Vamos pensar no que será o Céu. Nem olho algum viu, nem ouvido algum ouviu, nem passaram pelo pensamento do homem as coisas que Deus preparou para os que o amam. Imaginamos o que será chegar ali, e encontrar-nos com Deus, e ver aquela formosura, aquele amor que se derrama sobre os nossos corações, que sacia sem saciar? Eu me pergunto muitas vezes ao dia: o que será quando toda a beleza, toda a bondade, toda a maravilha infinita de Deus se derramarem sobre este pobre vaso de barro que sou eu, que somos todos nós? E então compreendo bem aquela frase do Apóstolo: Nem olho algum viu, nem ouvido algum ouviu… Vale a pena, meus filhos, vale a pena” 15.

III. ALÉM DO IMENSO JÚBILO de contemplar a Deus, de ver e de estar com Jesus Cristo glorificado, experimentaremos uma bem-aventurança acidental, que nos fará fruir dos bens criados que satisfazem as nossas aspirações. A companhia das pessoas justas a quem mais quisemos neste mundo: a família, os amigos; como também a glória dos nossos corpos ressuscitados, porque o nosso corpo ressuscitado será numérica e especificamente idêntico ao terreno: É necessário – indica São Paulo – que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que este corpo mortal se revista da imortalidade 16. Este, o nosso, não outro semelhante ou muito parecido. “É muito importante – afirma o Catecismo Romano – estarmos convencidos de que este mesmo corpo, e sem dúvida o mesmo corpo que foi o de cada um, ainda que se tenha corrompido e reduzido a pó, não obstante ressuscitará” 17. E Santo Agostinho afirma com toda a clareza: “Ressuscitará esta carne, a mesma que morre e é sepultada […]. A carne que agora adoece e sofre dores, essa mesma ressuscitará” 18.

Se formos fiéis, a nossa personalidade continuará a ser a mesma e teremos o nosso próprio corpo, mas revestido de glória e esplendor. O nosso corpo terá as qualidades próprias dos corpos gloriosos: agilidade e sutileza – quer dizer, não estará submetido às limitações do espaço e do tempo –, impassibilidade – Deus enxugará toda a lágrima de seus olhos, e já não haverá morte, nem luto, nem gemido, nem dor 19 –, luminosidade e beleza.

“Creio na ressurreição da carne”, confessamos no Símbolo Apostólico. Os nossos corpos no Céu terão características diferentes das atuais, mas continuarão a ser corpos e ocuparão um lugar 20, como agora o Corpo glorioso de Cristo e o da Virgem Maria. Não sabemos como nem onde está nem como se forma esse lugar. A terra atual ter-se-á transfigurado: Vi então um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra desapareceram… Eis que faço novas todas as coisas 21. Muitos Padres e Doutores da Igreja, como também muitos santos, pensam que a renovação de todas as coisas criadas se infere da própria Revelação.

O pensamento do Céu, agora que estamos próximos da festa da Ascensão, deve levar-nos a uma luta decidida e alegre por tirar os obstáculos que se interpõem entre nós e Cristo, deve estimular-nos a procurar sobretudo os bens que perduram e a não desejar a todo o custo as consolações que acabam.

Pensar no Céu dá uma grande serenidade. Nada aqui na terra é irreparável, nada é definitivo, todos os erros podem ser retificados. O único fracasso definitivo seria não acertarmos com a porta que conduz à Vida. Ali nos espera também a Santíssima Virgem.

(1) Jo 14, 19-20; (2) cfr. Jo 14, 2; (3) Jo 14, 3; (4) cfr. 1 Cor 4, 5; 11, 26; 1 Jo 2, 28; (5) São Josemaría Escrivá, em Folha Informativa, n. 1, pág. 5; (6) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 139; (7) São Cirilo de Jerusalém, Catequese, 348, 18, 1; (8) S. C. para a Doutrina da Fé, Carta sobre algumas questões referentes à escatologia, 17-V-1979; (9) cfr. Ex 3, 17; (10) Jo 3, 40; (11) Jo 17, 24; (12) cfr. Lc 13, 29; 14, 15; (13) 1 Cor 13, 12; (14) 1 Cor 2, 9; (15) São Josemaría Escrivá, em Folha Informativa, n. 1, pág. 5; (16) 1 Cor 15, 53; (17) Catecismo Romano, parte I, cap. XI, ns. 7-9; cfr. S. C. para a Doutrina de Fé, Declaração sobre a tradução do artigo carnis resurrectionem do Símbolo Apostólico, 14-XII-1983; (18) Santo Agostinho, Sermão, 264, 6; (19) cfr. Apoc 21, 3 e segs.; (20) cfr. M. Schmaus, Os Novíssimos, in Teologia dogmática, vol. VII, pág. 514; (21) cfr. Apoc 21, 1 e segs.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal