O Cordeiro de Deus

TEMPO COMUM. SEGUNDO DOMINGO. ANO A

– Figura e realidade deste título com que o Batista designa Jesus no começo da sua vida pública.
– A esperança de sermos perdoados. O exame, a contrição e o propósito de emenda.
– A confissão freqüente, caminho para a delicadeza de alma e para alcançar a santidade.

I. HÁ POUCOS DIAS, contemplávamos Jesus nascido em Belém, adorado pelos pastores e pelos Magos, “mas o Evangelho deste domingo leva-nos uma vez mais às margens do Jordão, onde, trinta anos depois do seu nascimento, João Batista prepara os homens para a vinda do Senhor. E quando ele vê Jesus que vinha ao seu encontro, diz: Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1, 29) [...]. Estamos acostumados às palavras Cordeiro de Deus, e, no entanto, são palavras sempre maravilhosas, misteriosas, são palavras poderosas” 1.

Que ressonância não teria essa expressão nos ouvintes que conheciam o significado do cordeiro pascal, cujo sangue fora derramado na noite em que os judeus tinham sido libertados da escravidão no Egito! Além disso, todo o israelita conhecia bem o texto em que Isaías comparava os sofrimentos do Servo de Javé, o Messias, ao sacrifício de um cordeiro 2. O cordeiro pascal que se sacrificava cada ano no Templo evocava não só a libertação, mas também o pacto que Deus tinha feito com o seu povo: era promessa e figura do verdadeiro Cordeiro, Cristo, que se ofereceria como Vítima no sacrifício do Calvário em favor de toda a humanidade. Ele é o verdadeiro Cordeiro que tirou o pecado do mundo, que morrendo destruiu a morte e ressuscitando nos deu a vida 3. Por sua vez, São Paulo dirá aos primeiros cristãos de Corinto que Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado 4, e convida-os a uma vida nova, a uma vida santa.

A expressão “Cordeiro de Deus” foi muito meditada e comentada pelos teólogos e autores espirituais; trata-se de um título “rico em conteúdo teológico. É um desses recursos da linguagem humana que tenta expressar uma realidade plurivalente e divina. Ou, para dizê-lo melhor, é uma dessas expressões cunhadas por Deus para revelar algo muito importante sobre si mesmo” 5.

Desde os primeiros tempos, a arte cristã representou Jesus Cristo, Deus e Homem, sob a figura do Cordeiro pascal. Quando a iconografia o retrata recostado sobre o Livro da vida, quer recordar um ensinamento fundamental da nossa fé: Jesus é Aquele que tira o pecado do mundo, Aquele que foi sacrificado e possui todo o poder e sabedoria. Diante dEle prostram-se em adoração os vinte e quatro anciãos, segundo a visão do Apocalipse6; é Ele quem preside à grande ceia das bodas nupciais, quem recebe a Esposa, quem purifica com o seu sangue os bem-aventurados..., e quem é o único que pode abrir o livro dos sete selos: o Princípio e o Fim, o Alfa e o Ômega, o Redentor cheio de mansidão e o Juiz onipotente que há de vir retribuir a cada um segundo as suas obras 7.

Este é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, anuncia São João Batista; e este pecado do mundo engloba todo o gênero de pecados: o original, que em Adão afetou também os seus descendentes, e os pessoais dos homens de todos os tempos. No Cordeiro de Deus está a nossa esperança de salvação.

A profecia de Isaías cumpriu-se no Calvário e torna a atualizar-se em cada Missa, tal como se recorda hoje na oração sobre as oferendas: Todas as vezes que celebramos este sacrifício, torna-se presente a nossa redenção 8. A Igreja quer que agradeçamos ao Senhor por ter Ele querido entregar-se até à morte pela nossa salvação, por ter querido ser alimento das nossas almas 9.

II. O CORDEIRO DE DEUS que tira o pecado do mundo. Jesus converteu-se no Cordeiro imaculado 10, que se imolou com docilidade e mansidão absolutas para reparar as faltas dos homens, os seus crimes, as suas traições. É um título muito expressivo “porque – comenta Frei Luís de Granada – a palavra Cordeiro, referida a Cristo, significa três coisas: mansidão de condição, pureza e inocência de vida, satisfação de sacrifício e de oferenda” 11.

É notável a insistência de Cristo na sua constante chamada aos pecadores: Pois o Filho do homem veio salvar o que estava perdido 12. Ele lavou os nossos pecados no seu sangue 13. A maior parte dos seus contemporâneos conhecia-o precisamente por essa atitude misericordiosa; os escribas e fariseus murmuravam e diziam: Ele recebe os pecadores e come com eles 14. E surpreendem-se porque perdoa a mulher adúltera com umas palavras muito simples: Vai e não peques mais 15. E dá-nos a mesma lição na parábola do publicano e do fariseu: Senhor, tem piedade de mim, que sou um pecador16, e na parábola do filho pródigo... A relação dos seus ensinamentos e dos seus encontros misericordiosos seria interminável, gozosamente interminável. Podemos nós perder a esperança de conseguir o perdão, quando é Cristo quem perdoa? Podemos nós perder a esperança de receber as graças necessárias para sermos santos, quando é Cristo quem no-las pode dar? Isto nos cumula de paz e de alegria.

Como prova concreta desses sentimentos do Senhor, contamos com o sacramento do perdão, que nos concede as graças necessárias para lutarmos e vencermos os defeitos que talvez estejam arraigados no nosso caráter, e que são muitas vezes a causa do nosso desalento. Como é que o aproveitamos? Como é que nos esforçamos por extrair dele todas as graças que o Senhor nos quer conceder?

Para isso, vejamos como são o nosso exame de consciência, a dor dos nossos pecados e o nosso propósito de emenda. “Poder-se-ia dizer que são, respectivamente, atos próprios da fé, que nos leva ao conhecimento sobrenatural da nossa conduta, de acordo com as nossas obrigações; do amor, que agradece os dons recebidos e chora a sua falta de correspondência; e da esperança, que vai à luta no tempo que Deus concede a cada um para que se santifique. E assim como dessas três virtudes a maior é o amor, assim a dor – a compunção, a contrição – é o elemento mais importante do exame de consciência; se não desemboca na dor, talvez isso indique que estamos dominados pela cegueira, ou que o objetivo da nossa revisão de vida não procede do amor a Deus. Mas, quando as nossas faltas nos levam a essa dor [...], o propósito brota de um modo imediato, decidido, eficaz” 17.

Senhor, ensinai-me a arrepender-me, indicai-me o caminho do amor! Movei-me com a vossa graça à contrição quando eu tropeçar! Que as minhas fraquezas me levem a amar-vos cada vez mais!

III. “JESUS CRISTO traz-nos a chamada à santidade e dá-nos continuamente a ajuda necessária para a nossa santificação. Dá-nos continuamente o poder de chegarmos a ser filhos de Deus, como proclama a liturgia de hoje no canto do Aleluia. Esta força de santificação do homem [...] é o dom do Cordeiro de Deus” 18.

O caminho da santidade percorre-se mediante uma contínua purificação do fundo da alma, que é condição essencial para amarmos cada dia mais a Deus. Por isso o amor à confissão freqüente é um sintoma claro de delicadeza interior, de amor a Deus; e o desprezo ou indiferença por ela – que se revelam quando surgem facilmente a desculpa ou o atraso – indicam falta de finura de alma e talvez tibieza, grosseria e insensibilidade para as moções que o Espírito Santo suscita no coração.

De cada vez que recebemos o sacramento da Penitência, ouvimos, como Lázaro, aquelas palavras de Cristo: Desatai-o e deixai-o ir 19, porque as faltas, as fraquezas, os pecados veniais... atam e prendem o cristão, não o deixando seguir o seu caminho com rapidez. “E assim como o defunto saiu ainda atado, aquele que vai confessar-se ainda é réu. Para que fique livre dos seus pecados, o Senhor diz aos seus ministros: Desatai-o e deixai-o ir...20 O sacramento da Penitência rompe todos os liames com que o demônio tenta segurar-nos para que não apressemos o passo no seguimento de Cristo.

A confissão freqüente dos nossos pecados está muito relacionada com a santidade, pois nela o Senhor afina a nossa alma e nos ensina a ser humildes. A tibieza, pelo contrário, cresce onde aparecem o desleixo e o descaso, as negligências e os pecados veniais sem arrependimento sincero. Na confissão contrita, deixamos a alma clara e limpa. E, como somos fracos, só a confissão freqüente permitirá um estado permanente de limpeza e de amor.

“Um dos principais motivos para o alto apreço em que devemos ter a confissão freqüente é que, se bem praticada, torna totalmente impossível um estado de tibieza. Esta é convicção que leva a Santa Igreja a recomendar com tanta insistência [...] a confissão freqüente ou a confissão semanal” 21. E é por isso que devemos esforçar-nos por cuidar da sua pontualidade e por aproximar-nos dela com seriedade cada vez maior.

Cristo, Cordeiro imaculado, veio limpar-nos dos nossos pecados, não só dos graves, mas também das impurezas e das faltas de amor da vida diária. Examinemos hoje com que amor nos aproximamos do sacramento da Penitência e vejamos se o fazemos com a freqüência que o Senhor nos pede.

(1) João Paulo II, Homilia, 18-III-1981; (2) cfr. Is 53, 7; (3) Missal Romano, Prefácio Pascal I; (4) 1 Cor 5, 7; (5) A. García Moreno, “Jesucristo, Cordero de Dios”, em Cristo, Filho de Deus e Redentor do homem, III Simpósio Internacional de Teología, EUNSA, Pamplona, 1982, pág. 269; (6) Cfr. Apoc 19; (7) A. García Moreno, op. cit., págs. 292-293; (8) Missal Romano, Segundo domingo do Tempo Comum, Oração sobre as oferendas; (9) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, 2a ed., EUNSA, Pamplona, 1985, págs. 1154-1155; (10) Cfr. João Paulo II, op. cit.; (11) Frei Luis de Granada, Los nombres de Cristo, em “Obras Completas Castellanas”, BAC, Madrid, 1957, I, pág. 806; (12) Mt 18, 11; (13) Apoc 1, 5; (14) Mt 11, 19; (15) Jo 8, 11; (16) Lc 18, 13; (17) A. del Portillo, Carta, 8-XII-1976, n. 16; (18) João Paulo II, op. cit.; (19) Jo 11, 44; (20) Santo Agostinho, Comentário ao Evangelho de São João, 29, 24; (21) B. Baur, La confesión frecuente, Herder, Barcelona, 1974, págs. 106-107.


Santa Margarida da Hungria

18 de Janeiro

Santa Margarida da Hungria 

A Igreja celebra neste dia 18 de janeiro Santa Margarida da Hungria, mediadora da tranquilidade e da paz.

Nasceu em um família de santos. Foi filha do rei Bela IV e de Maria Láscaris, filha do imperador de Constantinopla. Em 1242, antes de nascer, foi oferecida a Deus pela libertação da Hungria dos tártaros.

Quando tinha apenas três anos, foi confiada às religiosas dominicanas de Veszprém e, aos doze anos, foi para o novo mosteiro edificado por seu pai, o rei, em uma ilha do Danúbio, perto de Budapeste, onde fez a profissão pelas mãos de frei Humberto de Romans.

Tomando consciência de sua extraordinária missão, a jovem princesa se dedicou com heroico fervor a percorrer o caminho da perfeição. A ascese conventual do silêncio, da solidão, da oração e da penitência se harmonizaram com um ardoroso zelo pela paz, um grande valor para denunciar as injustiças e uma grande cordialidade com suas companheiras, às quais servia com alegria nos mais humildes serviços.

Sua vida de piedade se qualificava pela devoção ao Espírito Santo, a Jesus crucificado, à Eucaristia e a Maria.

Morreu com apenas 28 anos, nesse mosteiro, em 18 de janeiro de 1270 e seu corpo permaneceu sepultado neste local até 1526. Depois de diversas vicissitudes, suas relíquias foram colocadas na igreja das clarissas de Bratislava (1618), mas desapareceram com a extinção do mosteiro em 1782.

No dia 19 de novembro de 1943, Pio XII a invocava em sua canonização como mediadora “de tranquilidade e de paz fundadas na justiça e na caridade em Cristo, não apenas para sua pátria, mas para todo o mundo”.

Fonte: https://www.acidigital.com


18 de Janeiro 2020

A SANTA MISSA

1ª Semana do Tempo Comum – Sábado 
Cor: Verde

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1ª Leitura: 1Sm 9, 1-4.17-19; 10,1a

Este é o homem de quem te falei.
Saul reinará sobre o meu povo. 

Leitura do Primeiro Livro de Samuel

1 Havia um homem de Benjamin, chamado Cis, filho de Abiel, filho de Seror, filho de Becorat, filho de Afia, um benjaminita, homem forte e valente. 2 Ele tinha um filho chamado Saul, de boa apresentação. Entre os filhos de Israel não havia outro melhor do que ele: dos ombros para cima sobressaía a todo o povo. 3 Ora, aconteceu que se perderam umas jumentas de Cis, pai de Saul. E Cis disse a seu filho Saul: ‘Toma contigo um dos criados, põe-te a caminho e vai procurar as jumentas’. Eles atravessaram a montanha de Efraim 4 e a região de Salisa, mas não as encontraram. Passaram também pela região de Salim, sem encontrar nada; e, ainda pela terra de Benjamin, sem resultado algum. 17 Quando Samuel avistou Saul, o Senhor lhe disse: ‘Este é o homem de quem te falei. Ele reinará sobre o meu povo’. 18 Saul aproximou-se de Samuel, na soleira da porta, e disse-lhe: ‘Peço-te que me informes onde é a casa do vidente’. 19 Samuel respondeu a Saul: ‘Sou eu mesmo o vidente. Sobe na minha frente ao santuário da colina. Hoje comereis comigo, e amanhã de manhã te deixarei partir, depois de te ter revelado tudo o que tens no coração’. 10,1a Na manhã seguinte, Samuel tomou um pequeno frasco de azeite, derramou-o sobre a cabeça de Saul e beijou-o, dizendo: ‘Com isto o Senhor te ungiu como chefe do seu povo, Israel. Tu governarás o povo do Senhor e o livrarás das mãos de seus inimigos, que estão ao seu redor’.

– Palavra do Senhor
– Graças a Deus.

Salmo Responsorial: Sl 20,2-3. 4-5. 6-7 (R. 2a)

R. Ó Senhor, em vossa força o rei se alegra.

2 Ó Senhor, em vossa força o rei se alegra; *
quanto exulta de alegria em vosso auxílio!
3 O que sonhou seu coração, lhe concedestes; *
não recusastes os pedidos de seus lábios.      R.

4 Com bênção generosa o preparastes; *
de ouro puro coroastes sua fronte.
5 A vida ele pediu e vós lhe destes, *
longos dias, vida longa pelos séculos.       R.

6 É grande a sua glória em vosso auxílio; *
de esplendor e majestade o revestistes.
7 Transformastes o seu nome numa bênção, *
e o cobristes de alegria em vossa face.        R. 

Evangelho: Mc 2,13-17  

‘Eu não vim para chamar justos, mas sim pecadores.’ 

– O Senhor esteja convosco
– Ele está no meio de nós.

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo São Marcos

Naquele tempo: 13 Jesus saiu de novo para a beira do mar. Toda a multidão ia ao seu encontro e Jesus os ensinava. 14 Enquanto passava, Jesus viu Levi, o filho de Alfeu, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: ‘Segue-me!’ Levi se levantou e o seguiu. 15 E aconteceu que, estando à mesa na casa de Levi, muitos cobradores de impostos e pecadores também estavam à mesa com Jesus e seus discípulos. Com efeito, eram muitos os que o seguiam. 16 Alguns doutores da Lei, que eram fariseus, viram que Jesus estava comendo com pecadores e cobradores de impostos. Então eles perguntaram aos discípulos: ‘Por que ele come com os cobradores de impostos e pecadores?’ 17 Tendo ouvido, Jesus respondeu-lhes: ‘Não são as pessoas sadias que precisam de médico, mas as doentes. Eu não vim para chamar justos, mas sim pecadores.’

– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor! 

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Conviver com Todos

TEMPO COMUM. PRIMEIRA SEMANA. SÁBADO

– Um cristão não pode estar fechado em si mesmo. Jesus Cristo, modelo de convivência.
– A virtude humana da afabilidade.
– Outras virtudes necessárias para o convívio diário: gratidão, cordialidade, amizade, alegria, otimismo, respeito mútuo...

I. DEPOIS DE ACEITAR a chamada do Senhor, Mateus deu um banquete a que assistiram Jesus, os seus discípulos e muitos outros. Entre estes, havia muitos publicanos e pecadores, todos amigos de Mateus. Os fariseus surpreenderam-se ao verem Jesus sentar-se para comer com esse tipo de pessoas, e por isso disseram aos seus discípulos: Por que come ele com publicanos e gente de má vida?1

Mas Jesus encontra-se à vontade entre pessoas tão diferentes dEle. Sente-se bem com todos porque veio salvar a todos. Não têm necessidade de médico os sãos, mas os enfermos. Jesus dá-se bem com os tipos humanos e caracteres mais variados: com um ladrão convicto, com as crianças cheias de inocência e simplicidade, com homens cultos e sérios como Nicodemos e José de Arimatéia, com mendigos, com leprosos... Esse interesse revela-nos as suas ânsias salvadoras, que se estendem a todas as criaturas de qualquer classe e condição.

O Senhor teve amigos como os de Betânia, onde é convidado ou se faz convidar em diversas ocasiões; Lázaro é o nosso amigo2. Tem amigos em Jerusalém, os quais lhe emprestam uma sala para celebrar a Páscoa com os seus discípulos; e conhece tão bem aquele que lhe emprestará um burrinho para a sua entrada solene em Jerusalém, que os discípulos poderão desatá-lo e trazê-lo sem pedir licença a ninguém3.

Jesus revelou também um grande apreço pela família, que é o lugar por antonomásia onde se devem praticar as virtudes da convivência e onde se dá o primeiro e o principal relacionamento social. É o que nos mostram os seus anos de vida oculta em Nazaré, o que o Evangelista ressalta sublinhando – ao invés de muitos outros pequenos fatos que poderia ter-nos deixado – que Jesus menino estava sujeito aos seus pais4. A fim de ilustrar o amor de Deus Pai para com os homens, o Senhor serve-se da imagem de um pai que não dá uma pedra ao filho se este lhe pede um pão, ou uma serpente se lhe pede um peixe5. Ressuscita o filho da viúva de Naim porque se compadece da sua solidão e da sua pena, pois era o único filho daquela mulher6. E Ele próprio, no meio dos sofrimentos da cruz, cuida da sua Mãe confiando-a a João7.

Jesus é um exemplo vivo para nós porque devemos aprender a conviver com todos, independentemente dos seus defeitos, idéias e modos de ser. Devemos aprender dEle a ser pessoas abertas, com capacidade de cultivar muitas amizades, dispostos a compreender e a desculpar. Um cristão, se segue de verdade os passos de Cristo, não pode estar fechado em si mesmo, despreocupado e indiferente ao que acontece à sua volta.

II. BOA PARTE da nossa vida está composta de pequenos encontros com pessoas que vemos no elevador, na fila do ônibus, na sala de espera do médico, no meio do trânsito da cidade grande ou na única farmácia da cidadezinha onde vivemos... E ainda que sejam momentos esporádicos e fugazes, são muitos por dia e incontáveis ao longo de uma vida. Para um cristão, são importantes, porque são ocasiões que Deus lhe dá para rezar por essas pessoas e mostrar-lhes o seu apreço, tal como deve suceder entre os que são filhos de um mesmo Pai. Fazemos isto normalmente através desses pormenores de educação e de cortesia que temos habitualmente com qualquer pessoa, e que se transformam facilmente em veículos da virtude sobrenatural da caridade. São pessoas muito diferentes, mas todas esperam alguma coisa do cristão: aquilo que Cristo teria feito se estivesse no nosso lugar.

Também nos relacionamos com pessoas dos mais diversos modos de ser e de comportar-se na própria família, no trabalho, entre os vizinhos...; são pessoas com temperamentos e caracteres muito diferentes dos nossos. É preciso que saibamos conviver harmonicamente com todos. São Tomás indica a importância de uma virtude particular que regula “as relações dos homens com os seus semelhantes, tanto nas obras como nas palavras”, e que reúne em si muitas outras: é a afabilidade8, que nos inclina a tornar a vida mais grata àqueles que vemos todos os dias.

É uma virtude que deve formar como que a trama da convivência. Talvez não seja uma virtude chamativa, mas, quando não está presente, nota-se muito a sua falta, pois torna tensas e ásperas as relações entre os homens, e leva freqüentemente a faltar à caridade. Opõe-se pela sua própria natureza ao egoísmo, ao gesto ofensivo, ao mau humor, à falta de educação, ao desinteresse pelos gostos e preocupações dos outros. “Destas virtudes – escrevia São Francisco de Sales – deve-se ter uma grande provisão e bem à mão, porque devem ser usadas quase continuamente”9.

O cristão saberá converter os inúmeros detalhes da virtude humana da afabilidade em outros tantos atos da virtude da caridade, vivendo-os também por amor a Deus. A caridade torna a afabilidade mais forte, mais rica em conteúdo e de horizontes muito mais elevados. Uma e outra devem ser praticadas também quando se faz necessário tomar uma atitude firme: “Tens que aprender a dissentir dos outros – quando for preciso – com caridade, sem te tornares antipático”10.

Mediante a fé e a caridade, o cristão sabe ver nos seus irmãos, os homens, filhos de Deus, que sempre merecem o maior respeito e as melhores provas de consideração e de delicadeza11. Como não há de estar atento às mil oportunidades que qualquer dos seus dias lhe oferece?

III. SÃO MUITAS AS VIRTUDES que facilitam e tornam possível a convivência.

A benignidade e a indulgência levam-nos a julgar as pessoas e as suas atuações de forma favorável, sem nos determos excessivamente nos seus defeitos e erros.

gratidão é essa evocação afetuosa de um benefício recebido, com o desejo de retribuí-lo de alguma forma, quanto mais não seja com um obrigado ou coisa parecida. Custa muito pouco sermos agradecidos, e o bem que fazemos é enorme. Se estivermos atentos aos que estão à nossa volta, notaremos como é grande o número de pessoas que nos prestam constantes favores.

cordialidade e a amizade facilitam muito a convivência diária. Como seria formidável que pudéssemos chamar amigos àqueles com quem trabalhamos ou estudamos, àqueles com quem convivemos ou com quem nos relacionamos! Amigos, e não apenas colegas ou companheiros. Isso seria sinal de que vamos desenvolvendo muitas virtudes humanas que fomentam e tornam possível a abertura aos outros: o ânimo desinteressado, a compreensão, o espírito de colaboração, o otimismo, a lealdade. Amizade particularmente profunda é a que deve existir no seio da própria família: entre irmãos, com os filhos, com os pais.

No convívio diário, a alegria, manifestada num sorriso oportuno ou num pequeno gesto amável, abre as portas de muitas almas que estavam a ponto de fechar-se ao diálogo ou à compreensão. A alegria anima e ajuda a superar as inúmeras contrariedades que a vida nos traz. Uma pessoa que se deixe dominar habitualmente pela tristeza e pelo pessimismo, que não lute por sair desse estado rapidamente, será sempre um lastro, um pequeno câncer para os que convivem com ela.

É virtude da convivência respeito mútuo, que nos leva a olhar os outros como imagens irrepetíveis de Deus. No relacionamento pessoal com o Senhor, o cristão aprende a “venerar [...] a imagem de Deus que há em cada homem”12, mesmo naqueles que por alguma razão nos parecem pouco amáveis, antipáticos ou insossos. O respeito é condição para contribuir para a melhora dos outros, porque, quando se esmagam os outros, o conselho, a correção ou a advertência tornam-se ineficazes.

O exemplo de Cristo inclina-nos a viver amavelmente abertos aos outros;compreendê-los, a olhá-los com uma simpatia prévia e sempre crescente, que nos leva a aceitar com otimismo o entrançado de virtudes e defeitos que existe na vida de qualquer homem. É um olhar que chega às profundezas do coração e sabe encontrar a parte de bondade que há em todos.

Muito próxima da compreensão está a capacidade de desculpar prontamente. Viveríamos mal a nossa vida cristã se ao menor choque se esfriasse a nossa caridade e nos sentíssemos distantes das pessoas da família ou daqueles com quem trabalhamos.

Hoje, sábado, podemos concluir a nossa oração formulando o propósito de viver com esmero, em honra de Santa Maria, os detalhes de caridade fina com o próximo.

(1) Mc 2, 13-17; (2) Jo 11, 11; (3) cfr. Mc 11, 3; (4) cfr. Lc 2, 51; (5) cfr. Mt 9, 7; (6) cfr. Lc 7, 11; (7) cfr. Jo 19, 26-27; (8) São Tomás, Suma Teológica, 2-2, q. 114, a. 1; (9) São Francisco de Sales, Introdução à vida devota, III, 1; (10) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 429; (11) cfr. F. Fernández Carvajal, Antología de textos, 9ª ed., Palabra, Madrid, 1987, verbete “Afabilidade”; (12) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 230.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal


17 de Janeiro 2019

A SANTA MISSA

1ª Semana do Tempo Comum – Sexta-feira 
Memória: Santo Antão, abade
Cor: Branca

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1ª Leitura: 1Sm 8,4-7.10-22ª

Clamareis ao Senhor por causa do vosso rei,
mas o Senhor não vos ouvirá. 

Leitura do Primeiro Livro de Samuel

Naqueles dias: 4 Todos os anciãos de Israel se reuniram, foram procurar Samuel em Ramá, 5 e disseram-lhe: ‘Olha, tu estás velho, e teus filhos não seguem os teus caminhos. Por isso, estabelece sobre nós um rei, para que exerça a justiça entre nós, como se faz em todos os povos’. 6 Samuel não gostou, quando lhe disseram: ‘Dá-nos um rei, para que nos julgue’. E invocou o Senhor. 7 O Senhor disse a Samuel: ‘Atende a tudo o que o povo te diz. Porque não é a ti que eles rejeitam, mas a mim, para que eu não reine mais sobre eles. 10 Samuel transmitiu todas as palavras do Senhor ao povo, que lhe pedira um rei, 11 e disse: ‘Estes serão os direitos do rei que reinará sobre vós: Tomará vossos filhos e os encarregará dos seus carros de guerra e dos seus cavalos e os fará correr à frente do seu carro. 12 Fará deles chefes de mil, e de cinquenta homens, e os empregará em suas lavouras e em suas colheitas, na fabricação de suas armas e de seus carros. 13 Fará de vossas filhas suas perfumistas, cozinheiras e padeiras. 14 Tirará os vossos melhores campos, vinhas e olivais e os dará aos seus funcionários. 15 Das vossas colheitas e das vossas vinhas ele cobrará o dízimo, e o destinará aos seus eunucos e aos seus criados. 16 Tomará também vossos servos e servas, vossos melhores bois e jumentos, e os fará trabalhar para ele. 17 Exigirá o dízimo de vossos rebanhos, e vós sereis seus escravos. 18 Naquele dia, clamareis ao Senhor por causa do rei que vós mesmos escolhestes, mas o Senhor não vos ouvirá’. 19 Porém, o povo não quis dar ouvidos às razões de Samuel, e disse: ‘Não importa! Queremos um rei, 20 pois queremos ser como todas as outras nações. O nosso rei administrará a justiça, marchará à nossa frente e combaterá por nós em todas as guerras’. 21 Samuel ouviu todas as palavras do povo e repetiu-as aos ouvidos do Senhor. 22a Mas o Senhor disse-lhe: ‘Faze-lhes a vontade, e dá-lhes um rei’.

– Palavra do Senhor
– Graças a Deus.

Salmo Responsorial: Sl 88, 16-17. 18-19 (R. Cf. 2a)

R. Ó Senhor eu cantarei eternamente o vosso amor.

16 Quão feliz é aquele povo que conhece a alegria;*
seguirá pelo caminho, sempre à luz de vossa face!
17 Exultará de alegria em vosso nome dia a dia,*
e com grande entusiasmo exaltará vossa justiça.      R.

18 Pois sois vós, ó Senhor Deus, a sua força e sua glória,*
é por vossa proteção que exaltais nossa cabeça.
19 Do Senhor é o nosso escudo, ele é nossa proteção,*
ele reina sobre nós, é o Santo de Israel!      R. 

Evangelho: Mc 2,1-12 

 O Filho do Homem tem na terra
poder de perdoar pecados 

– O Senhor esteja convosco
– Ele está no meio de nós.

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo São Marcos

1 Alguns dias depois, Jesus entrou de novo em Cafarnaum. Logo se espalhou a notícia de que ele estava em casa. 2 E reuniram-se ali tantas pessoas, que já não havia lugar, nem mesmo diante da porta. E Jesus anunciava-lhes a Palavra. 3 Trouxeram-lhe, então, um paralítico, carregado por quatro homens. 4 Mas não conseguindo chegar até Jesus, por causa da multidão, abriram então o teto, bem em cima do lugar onde ele se encontrava. Por essa abertura desceram a cama em que o paralítico estava deitado. 5 Quando viu a fé daqueles homens, Jesus disse ao paralítico: ‘Filho, os teus pecados estão perdoados’. 6 Ora, alguns mestres da Lei, que estavam ali sentados, refletiam em seus corações: 7 ‘Como este homem pode falar assim? Ele está blasfemando: ninguém pode perdoar pecados, a não ser Deus’. 8 Jesus percebeu logo o que eles estavam pensando no seu íntimo, e disse: ‘Por que pensais assim em vossos corações? 9 O que é mais fácil: dizer ao paralítico: ‘Os teus pecados estão perdoados’, ou dizer: ‘Levanta-te, pega a tua cama e anda’? 10 Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem, na terra, poder de perdoar pecados, – disse ele ao paralítico: – 11 eu te ordeno: levanta-te, pega tua cama, e vai para tua casa!’  12 O paralítico então se levantou e, carregando a sua cama, saiu diante de todos. E ficaram todos admirados e louvavam a Deus, dizendo: ‘Nunca vimos uma coisa assim’.

– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor! 

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As Virtudes Humanas no Apostolado

TEMPO COMUM. PRIMEIRA SEMANA. SEXTA-FEIRA

– A cura do paralítico de Cafarnaum. Fé operativa, sem respeitos humanos. Otimismo.
– A prudência e a “falsa prudência”.
– Outras virtudes. Devemos ser bons instrumentos da graça.

I. O EVANGELHO DA MISSA1 apresenta-nos Jesus que ensina a multidão vinda de muitas aldeias da Galiléia e da Judéia; juntaram-se tantos que nem mesmo diante da porta cabiam. Mesmo assim, aproximaram-se quatro homens, trazendo-lhe um paralítico.

Apesar dos esforços denodados que desenvolvem, essas pessoas não conseguem chegar até Jesus, mas não renunciam ao seu propósito de aproximar-se do Mestre com o amigo que traziam deitado num catre. Quando outros já haviam desistido pelas dificuldades que lhes impediam a passagem, eles subiram ao telhado, descobriram as telhas por cima do lugar onde o Senhor se encontrava e, depois de fazerem uma abertura, desceram o catre com o paralítico. Jesus ficou admirado com a fé e a audácia daqueles homens e realizou um grande milagre: o perdão dos pecados do doente e a cura da sua paralisia.

Comentando esta passagem, Santo Ambrósio exclama: “Como é grande o Senhor, que pelos méritos de alguns perdoa outros!”2 Os amigos que levam até o Senhor o enfermo incapacitado são um exemplo vivo de ação apostólica. Nós, cristãos, somos instrumentos do Senhor para que Ele realize verdadeiros milagres naqueles dos nossos amigos que, por tantos motivos, se encontram como que incapacitados para chegarem por si próprios até Cristo que os espera.

A tarefa apostólica deve estar dominada pela ânsia de ajudar os homens a encontrarem Jesus. Para isso é necessário, entre outras coisas, um conjunto de virtudes sobrenaturais, como as que vemos na atuação desses amigos do paralítico de Cafarnaum. São homens que têm uma grande fé no Mestre, a quem provavelmente já conheciam de outras ocasiões; talvez tivesse sido o próprio Jesus quem lhes sugerira que o levassem até Ele. E têm uma fé com obras, pois empregam os meios ordinários e extraordinários que o caso exige. São homens cheios de esperança e de otimismo, convencidos de que a única coisa de que o amigo realmente necessita é de ser levado a Jesus Cristo.

A narração do Evangelho deixa-nos entrever também nesses homens muitas virtudes humanas, igualmente necessárias em toda a ação apostólica. Antes de mais nada, são homens para quem os respeitos humanos não existem; pouco lhes importa o que os outros venham a pensar da sua atuação, que podia ser facilmente tida por exagerada, inoportuna ou ao menos diferente da dos outros que tinham ido ouvir o Mestre. Só lhes importava uma coisa: chegar até Jesus com o amigo, custasse o que custasse.

Ora, isto só é possível quando se tem uma grande retidão de intenção, quando a única coisa que realmente importa é o juízo de Deus, e nada ou muito pouco o juízo dos homens. Nós também atuamos assim? Não haverá ocasiões em que nos preocupe mais o que as pessoas possam pensar ou dizer do que o juízo de Deus? Não teremos receio de nos distinguirmos dos outros, quando Deus e os que vêem as nossas ações esperam justamente que nos distingamos fazendo aquilo que devemos fazer? Sabemos manter em público, sempre que necessário, a nossa fé e o nosso amor a Jesus Cristo?

II. OS QUATRO AMIGOS do paralítico viveram na cena que meditamos a virtude da prudência, que leva a procurar o melhor caminho para atingir um fim. Deixaram de lado a “falsa prudência”, que é chamada por São Paulo prudência da carne3, e que facilmente se identifica com a covardia, inclinando a procurar apenas o que é útil para o bem corporal, como se esse fosse o único fim da vida.

A “falsa prudência” é um disfarce da hipocrisia, da astúcia, do cálculo interesseiro e egoísta, que visa principalmente os interesses materiais. Na realidade, não é senão medo, temor, covardia, soberba, preguiça.... Se aqueles homens se tivessem deixado levar pela prudência da carne, o paralítico não teria chegado à presença de Jesus, e eles não se teriam deixado contagiar pela imensa alegria que viram brilhar no olhar do Mestre, quando lhes curou o amigo. Teriam ficado à entrada da casa abarrotada de gente, e dali nem sequer teriam ouvido Jesus.

Viveram, pois, plenamente a virtude da prudência, que é a que nos diz em cada caso o que se deve fazer ou deixar de fazer, quais os meios que conduzem ao fim que pretendemos, quando e como devemos atuar. Os amigos do paralítico conheciam bem o seu fim – chegar até o Senhor –, e lançaram mão dos meios adequados para realizá-lo: subiram ao telhado da casa, fizeram nele uma abertura e por ela desceram o paralítico no seu catre até que estivesse diante de Jesus. Não se importaram com as palavras falsamente “prudentes” dos que porventura os aconselhavam a esperar por uma ocasião mais propícia.

Estes homens de Cafarnaum foram, além disso, verdadeiros amigos daquele que não podia chegar até o Mestre por si próprio, pois “é próprio do amigo fazer bem aos amigos, principalmente aos que se encontram mais necessitados”4, e não existe maior necessidade que a necessidade de Deus. A primeira manifestação de apreço pelos nossos amigos é aproximá-los cada vez mais de Cristo, fonte de todo o bem. Não podemos contentar-nos com que não façam mal a ninguém ou não tenham um comportamento desregrado, mas devemos conseguir que, como nós, aspirem à santidade a que todos fomos chamados e para a qual Deus nos dá as graças necessárias. Não podemos fazer-lhes maior favor que o de ajudá-los no seu caminho para Deus. Não encontraremos nenhum bem maior para lhes dar.

A amizade foi desde os começos do cristianismo o caminho pelo qual muitos encontraram a fé em Jesus Cristo e a vocação para uma entrega mais plena. É um caminho natural e simples, que elimina muitos obstáculos e dificuldades. O Senhor serve-se com freqüência deste meio para se dar a conhecer. Os primeiros discípulos foram comunicar a Boa Nova àqueles que amavam, antes que a qualquer outro. André trouxe Pedro, seu irmão; Filipe trouxe o seu amigo Natanael; João certamente encaminhou para Jesus o seu irmão Tiago5. E nós, fazemos assim? Desejamos comunicar quanto antes, àqueles por quem temos mais apreço, o maior bem que podíamos ter achado?

III. PARA SER BOM INSTRUMENTO do Senhor na tarefa de recristianização do mundo, o cristão deve praticar muitas outras virtudes humanas na sua tarefa apostólica: fortaleza perante os obstáculos que se apresentam, de um modo ou de outro, em toda a ação apostólica; constância e paciência, porque as almas, tal como as sementes, às vezes demoram a dar o seu fruto, e porque não se pode conseguir em alguns dias o que talvez Deus tenha previsto que se realize em meses ou anos; audácia para iniciar uma conversa sobre temas profundos, que não surgem se não são provocados oportunamente, e também para propor metas mais altas, que os nossos amigos não vislumbram por si próprios; veracidade e autenticidade, sem as quais é impossível que haja uma verdadeira amizade...

O nosso mundo está necessitado de homens e mulheres de uma só peça, exemplares nas suas tarefas, sem complexos, serenos, profundamente humanos, firmes, compreensivos e intransigentes na doutrina de Cristo, afáveis, leais, alegres, otimistas, generosos, simples, valentes..., para que assim sejam bons colaboradores da graça, pois “o Espírito Santo serve-se do homem como de um instrumento”6, e então as suas obras ganham uma eficácia divina, tal como a ferramenta que por si própria não seria capaz de produzir nada, mas nas mãos de um bom profissional pode chegar a produzir obras-primas.

Que alegria a daqueles homens quando voltaram com o amigo são de corpo e de alma! O encontro com Cristo fortaleceu ainda mais a amizade entre eles, tal como acontece em todo o verdadeiro apostolado. Lembremo-nos de que não existe doença alguma que Cristo não possa curar, para que não consideremos irrecuperável nenhuma das pessoas com quem nos relacionamos habitualmente. Apoiados na graça, podemos e devemos levá-las ao Senhor. E o que nos impulsionará a uma fé operativa, sem respeitos humanos, será um grande amor a Cristo. Hoje, quando nos encontrarmos diante do Sacrário, não deixemos de falar ao Mestre desses amigos que desejamos levar-lhe para que Ele os cure.

(1) Mc 2, 1-12; (2) Santo Ambrósio, Tratado sobre o Evangelho de São Lucas; (3) cfr. Rom 8, 6-8; (4) São Tomás, Ética a Nicômaco, 9, 13; (5) cfr. Jo 1, 41 e segs.; (6) São Tomás, Suma Teológica, 2-2, q. 177, a. 1.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal


Santo Antão 

17 de Janeiro

Santo Antão 

Santo Antão é um santo Egípcio do início do cristianismo no Oriente. Nasceu na cidade de Conam, no Egito, no ano 251. Era filho de pessoas simples do campo. Seus pais professavam a fé em Jesus Cristo. Ele tinha uma irmã. Quando seus pais faleceram, ele estava com vinte anos de idade. Seguindo o curso natural da vida, ele herdou os bens da família e começou a cuidar de sua irmã. Continuou com o trabalho na roça, mantendo uma vida simples e de oração.

Embora cristão, Santo Antão ainda procurava o sentido da vida. Para ele ainda faltava um algo mais que orientasse sua vida para um sentido maior. Ele tinha sede de algo mais, de perfeição, de uma grande significado de vida. Foi então, que, ao participar de uma missa, o padre leu um trecho do evangelho que o tocou profundamente, vindo de encontro á sua sede.

O trecho era Mateus 19,21, quando Jesus diz ao jovem rico: Se queres ser perfeito, vai vende seus bens dê aos pobres e terás um tesouro nos Céus, depois vem e segue-me. Antão sentiu que este chamado era para si. Seu coração palpitou ao sentir que Jesus o chamava para a perfeição. Coincidentemente, sua irmã se casou na mesma época. Então, ele vendeu todos os seus bens e foi morar numa caverna no deserto, vivendo uma vida de oração e sacrifícios.

Porém, mesmo morando no deserto, procurando o isolamento, as pessoas descobriam seu paradeiro e iam procura-lo para pedir conselhos para os problemas da vida e pedir oração. Além disso, Santo Antão atraia discípulos que queriam viver como ele vivia. Estes passavam a morar perto dele em cavernas ou em cabanas, cada um vivendo isoladamente, mas estando perto dele. Foi o primeiro indício de comunidade monástica cristã.

O número dos discípulos, porém, foi crescendo tanto, que Santo Antão achou melhor se afastar mais ainda, para preservar seu isolamento. Por isso, ele chegou a viver mais de dezoito anos neste isolamento. Ele morava numa caverna, sob um regime muito rígido que ele mesmo se impôs. Era uma vida de oração profunda, repleta de sacrifícios e jejuns. Além disso, Santo Antão enfrentou inúmeras tentações, mas venceu a todas pelo poder da oração.

Mesmo buscando o isolamento, buscando a vida no deserto, os padres, as autoridades, os bispos e pessoas de todo tipo buscavam ajuda espiritual e aconselhamento com Santo Antão. O Santo saiu do deserto poucas vezes. Uma das vezes que se tem registro foi em 311, quando ele foi a cidade de Alexandria no Egito. Era época da perseguição do imperador Diocleciano e ele foi defender um bispo chamado Atanásio. Sabe-se que Santo Antão voltou a Alexandria no ano 335. Dessa vez para confirmar a fé dos cristãos, que andava vacilante e confusa. Ele fez várias pregações que restauraram a fé do povo e recolocou a Igreja de Alexandria no caminho certo.

Os discípulos de Santo Antão insistiram e ele, depois de procurar a vontade de Deus, decidiu formar uma comunidade de monges. Só que esta comunidade tinha uma característica especial: cada um vivia em sua gruta ou caverna. Eles moravam perto uns dos outros e, em apenas alguns momentos de oração durante o ano se reuniam. Santo Antão tinha, então, 55 anos e representava uma forma de superior da comunidade nascente.

Paradoxalmente, quanto mais Santo Antão procurava se refugiar, mais as pessoas o descobriam. Sua fama de santidade se espalhou. Assim, outras pessoas, homens e mulheres, de outras localidades procuraram imitá-lo. Por isso, ele passou a ser chamado de o Pai dos Monges e o Pai dos Eremitas Cristãos.

Conta-se que até mesmo o famoso imperador Constantino, responsável pela oficialização do cristianismo no império romano, esteve várias vezes com santo Antão procurando conselho. Santo Antão enfrentou anos de tentações diabólicas e nuca cedeu. Por isso, ele é um exemplo de luta e perseverança nas tentações.

O ascetismo de Santo Antão e sua vida de sacrifícios não o impediram de viver muito anos. Vivei 105 anos! Ele profetizou sua morte e morreu serenamente no dia 17 de janeiro de 356. Sua morte aconteceu na cidade de Coltzum, quando, ao final de sua vida, ele estava rodeado de discípulos que rezavam por ele.

Antes de morrer, Santo Antão disse a seus discípulos: Lembrai-vos dos meus ensinamentos e do meu exemplo, evitai o veneno do pecado e conservai integra a vossa fé viva na caridade como se tivesse que morrer a cada dia.

As relíquias do santo estão hoje muito bem guardadas na Igreja de Santo Antonio de Viennois na França. Na mesma cidade estão também construídos um grande hospital e várias casas que recebem pobres e doentes. Mais tarde, essas casas vieram a se tornar a  congregação dos Hospedeiros Antonianos.

Fonte: https://cruzterrasanta.com.br


A Comunhão Sacramental

TEMPO COMUM. PRIMEIRA SEMANA. QUINTA-FEIRA

– Jesus Cristo espera-nos todos os dias.
– Presença real de Cristo no Sacrário.
– O Senhor nos sara e purifica na Sagrada Comunhão.

I. UM LEPROSO aproximou-se do lugar em que Jesus se encontrava1, pôs-se de joelhos e disse-lhe: Se quiseres, podes limpar-me. E o Senhor, que sempre deseja o nosso bem, compadeceu-se dele, tocou-o e disse-lhe: Quero, fica limpo. E imediatamente desapareceu dele a lepra e ficou limpo.

“Aquele homem ajoelha-se prostrando-se por terra – o que é sinal de humildade –, para que cada um de nós se envergonhe das manchas da sua vida. Mas a vergonha não deve impedir a confissão: o leproso mostrou a chaga e pediu o remédio. A sua oração está, além disso, repleta de piedade, isto é, reconheceu que o poder de ser curado estava nas mãos do Senhor”2. E nas mãos divinas continua a estar o remédio de que necessitamos.

Cristo espera-nos cada dia na Sagrada Eucaristia. Está ali verdadeira, real e substancialmente presente, com o seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Encontra-se ali com todo o resplendor da sua glória, pois Cristo ressuscitado já não morre3. O Corpo e a Alma permanecem inseparáveis e unidos para sempre à Pessoa do Verbo. Todo o mistério da Encarnação do Filho de Deus está contido na Hóstia Santa, em toda a riqueza profunda da sua Santíssima Humanidade e na infinita grandeza da sua Divindade, ambas veladas e ocultas. Na Sagrada Eucaristia encontramos o mesmo Jesus Cristo que disse ao leproso: Quero, fica limpo, o mesmo que é contemplado e louvado pelos anjos e santos por toda a eternidade.

Quando nos aproximamos de um Sacrário, encontramo-lo ali. Talvez tenhamos repetido muitas vezes na sua presença o hino com que São Tomás expressou a fé e a piedade da Igreja e que tantos cristãos converteram numa oração pessoal:

Adoro-vos com devoção, Deus escondido, que sob estas aparências estais presente.
A Vós se submete o meu coração por inteiro, e ao contemplar-vos se rende totalmente.

A vista, o tato, o gosto enganam-se sobre Vós, mas basta o ouvido para crer com firmeza.
Creio em tudo o que disse o Filho de Deus; nada de mais verdadeiro que esta palavra de verdade.

Na Cruz estava oculta a divindade, mas aqui se esconde também a humanidade;
creio, porém, e confesso uma e outra, e peço o que pediu o ladrão arrependido.

Não vejo as chagas, como as viu Tomé, mas confesso que sois o meu Deus.
Fazei que eu creia mais e mais em Vós, que em Vós espere, que Vos ame4.

Esta maravilhosa presença de Jesus entre nós deveria renovar a nossa vida cada dia. Quando o recebemos, quando o visitamos, podemos dizer em sentido estrito: Hoje estive com Deus. Tornamo-nos semelhantes aos Apóstolos e aos discípulos, às santas mulheres que acompanhavam o Senhor pelos caminhos da Judéia e da Galiléia. “Non alius sed aliter”, não é outro, mas está de outro modo, costumam dizer os teólogos5. Encontra-se aqui conosco; em cada cidade, em cada vilarejo. Com que fé o visitamos? Com que amor o recebemos? Como preparamos a nossa alma e o nosso corpo quando vamos comungar?

II. SÃO TOMÁS DE AQUINO6 ensina que o Corpo de Cristo está presente na Sagrada Eucaristia tal como é em si mesmo, e a Alma de Cristo está presente com a sua inteligência e vontade; excluem-se apenas aquelas relações que dizem respeito à quantidade, pois Cristo não está presente na Hóstia Santa do modo como uma quantidade está localizada no espaço7. Está presente com o seu Corpo glorioso de um modo misterioso e inexplicável.

A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade está, pois, nesse Sacrário que podemos visitar todos os dias, talvez muito perto da nossa casa ou do escritório, na capela da Universidade, do hospital em que trabalhamos ou do aeroporto; e está presente com o soberano poder da sua Divindade. Ele, o Filho Unigênito de Deus, em cuja presença tremem os Tronos e as Dominações, por quem tudo foi feito, que tem o mesmo poder, sabedoria e misericórdia que as outras Pessoas da Santíssima Trindade, permanece perpetuamente conosco, como um de nós, sem nunca deixar de ser Deus. Efetivamente, no meio de vós está quem vós não conheceis8. Será que, apesar de estarmos absortos nos nossos negócios, no trabalho, com as suas preocupações diárias, pensamos com freqüência em que, muito perto da nossa residência ou do local de trabalho, mora realmente o Deus misericordioso e onipotente?

O nosso grande fracasso, o maior erro da nossa vida, seria que em algum momento pudessem aplicar-se a nós aquelas palavras que o Espírito Santo pôs na pena de São João:Veio aos que eram seus e os seus não o receberam9, porque estavam ocupados nas suas coisas e nos seus trabalhos – podemos acrescentar –, em assuntos que sem Ele não têm a menor importância. Mas fazemos hoje o propósito firme de permanecer com um amor vigilante: alegrando-nos muito quando vemos a torre de uma igreja, fazendo durante o dia muitas comunhões espirituais, atos de fé e de amor, manifestando o nosso desejo de desagravar o Senhor por aqueles que passam ao seu lado sem lhe dirigirem um pensamento sequer.

III. SENHOR JESUS, bom pelicano, limpai-me a mim, imundo, com o vosso Sangue, com esse Sangue do qual uma só gota pode salvar do pecado o mundo inteiro10.

O Senhor dá a cada homem em particular, na Sagrada Eucaristia, a mesma vida da graça que trouxe ao mundo pela sua Encarnação11. Se tivéssemos mais fé, realizar-se-iam em nós verdadeiros milagres, como os que se operaram nas pessoas que Jesus curou: ficaríamos limpos das nossas fraquezas e imperfeições, até o mais fundo da alma. Fazei que eu creia mais e mais em Vós, é o que nos convida a clamar e a suplicar interiormente o hino eucarístico. Se tivermos fé, ouviremos as mesmas palavras que foram dirigidas ao leproso: Quero, fica limpo. Ou veremos como o Senhor se levanta perante as ondas, tal como no lago de Tiberíades, para acalmar a tempestade; e far-se-á também na nossa alma uma grande bonança.

Senhor Jesus, bom pelicano... Na Comunhão, o Senhor não só nos oferece um alimento espiritual, como Ele próprio se dá a nós como Alimento. Antigamente, pensava-se que, quando morria o filhote de um pelicano, este feria o seu próprio peito e com o seu sangue alimentava o filhote morto, que assim retornava à vida... Cristo dá-nos a vida eterna. A Comunhão, recebida com as devidas disposições, traz-nos o Mestre que vem até nós com o seu amor pessoal, eficaz, criador e redentor, como o Salvador que é das nossas vidas.

A nossa alma purifica-se ao contacto com Cristo. Obtemos então o vigor necessário para praticar a caridade, para viver exemplarmente os deveres próprios, para proteger a nossa pureza, para realizar o apostolado que Ele mesmo nos indicou...

A Sagrada Eucaristia é remédio para as fraquezas diárias, para esses pequenos desleixos e faltas de correspondência que não matam a alma, mas a debilitam e conduzem à tibieza. Faz-nos vencer as nossas covardias.

Na Sagrada Eucaristia, Jesus espera-nos para restaurar as nossas forças: Vinde a mim todos os que estais fatigados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei12. Jesus não exclui ninguém: Vinde a mim todos. Se alguém quiser aproximar-se de mim, eu não o lançarei fora13. Enquanto durar o tempo da Igreja militante, Jesus permanecerá conosco como a fonte de todas as graças que nos são necessárias. Sem Ele, não poderíamos viver. Com palavras de São Tomás em outra oração, podemos dizer a Jesus presente na Sagrada Eucaristia: “Aproximo-me de Vós como um doente do médico da vida, como um imundo da fonte de misericórdia, como um cego da luz da claridade eterna, como um pobre e necessitado do Senhor do céu e da terra. Imploro a abundância da vossa infinita generosidade para que vos digneis curar a minha enfermidade, lavar a minha impureza, iluminar a minha cegueira, remediar a minha pobreza e vestir a minha nudez, a fim de que me aproxime a receber o Pão dos Anjos, o Rei dos reis e o Senhor dos senhores, com tanta reverência e humildade, com tanta contrição e piedade, com tanta pureza e fé, e com tal propósito e intenção como convém à saúde da minha alma”14.

A Virgem Maria, nossa Mãe, anima-nos sempre a relacionar-nos cada vez mais intimamente com Jesus sacramentado: “Aproxima-te mais do Senhor..., mais! – Até que se converta em teu Amigo, teu Confidente, teu Guia”15.

(1) Mc 1, 40-45; (2) São Beda, Comentário ao Evangelho de São Marcos; (3) Rom 6, 9; (4) Hino Adoro te devote; (5) cfr. M. M. Philipon, A nossa transformação em Cristo, pág. 116; (6) cfr. São Tomás, Suma Teológica, III, q. 76, a. 5, ad. 3; (7) cfr. ib., III, q. 81, a. 4; (8) Jo 1, 26; (9) Jo 1, 11; (10) Hino Adoro te devote; (11) cfr. São Tomás, op. cit., I, q. 3, a. 79; (12) Mt 11, 28; (13) cfr. Jo 6, 37; (14) Missal Romano, Praeparatio ad Missam; (15) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 680.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal


São Marcelo I

16 de Janeiro

São Marcelo I

No início do ano 304 com a morte do Papa Marcelino, a Igreja viveu um longo e confuso período de sua história, recheado de incertezas e de perseguições, que a desorganizou, inclusive internamente. Neste quadro, apareceu a singela figura de Marcelo I, confundido por muitos anos com o próprio Marcelino, pois, alguns biógrafos acreditaram que eram a mesma pessoa e outros historiadores afirmaram, que ele havia sido apenas um padre. Vejamos como tudo se esclareceu e a relevância deste Papa e Santo, para a Igreja.

Os anos trezentos, também para o Império Romano não foram nada agradáveis, pois já se delineava a sua queda histórica. O imperador Diocleciano que se mostrava um tirano insensato e insano, também já não governava por si mesmo, era comandado pelo vice Gelásio. Foi a mando dele, que Diocleciano decretou a mais feroz, cruel e sangrenta perseguição aos cristãos, estendida para todos dos domínios do Império. E continuou, após a sua morte, sob o patrocínio do novo imperador Maxêncio.

A Cátedra de São Pedro vivia num período de 'vicatio', como é chamado o tempo de ausência entre a eleição legítima e a entrada de um novo pontífice. Foi uma época obscura e de solavancos para toda a Igreja, que agonizava com a confusão generalizada provocada pelas heresias e pelos 'lapsis', esta figura sombria que surgira em consequência das perseguições.

Em 27 de maio de 308, foi eleito o Papa Marcelo I, um presbítero de origem romana, humilde, generoso, de caráter firme e fé inabalável. Ele assumiu a direção da Igreja, após quatro anos da morte do seu predecessor e se ocupou da difícil tarefa de sua reorganização.

O seu pontificado, ao contrário do que se imaginava, ficou muito bem atestado pelas fontes da época. Nestes relatos se constatou o comportamento pós-perseguição que a Igreja teve com os 'lapsis' ou 'renegados', como eram chamados os cristãos que, por medo, haviam publicamente renunciado a fé em Cristo.

A esse respeito, existe o registro de um elogio feito ao papa Marcelo I pelo papa Damásio I em 366, com muita justiça. Enquanto muitos bispos do Oriente pediam a excomunhão destes cristãos, especialmente para os que faziam parte do clero, ele se mostrou rigoroso mas menos radical. Severo, decidiu que a Igreja iria acolhê-los, depois de um período de penitência. Também, determinou que nenhum concílio podia ser convocado sem a prévia autorização do papa.

Mas acabou sendo preso por ordem do imperador Maxêncio, que o exilou e obrigou a trabalhar na sua própria igreja, a qual fora transformada em estábulo. Morreu em consequência dos maus tratos recebidos, no dia 16 de janeiro de 309.

A Igreja declarou Marcelo I santo e mártir da fé, para ser festejado nesta data. As suas relíquias estão guardadas na Cripta dos Papas no cemitério de Santa Priscila, em Roma.

Texto: Paulinas Internet


Oração e Apostolado

TEMPO COMUM. PRIMEIRA SEMANA. QUARTA-FEIRA

– O coração do homem foi feito para amar a Deus, e Deus deseja e procura o encontro pessoal com cada um.
– Não desperdiçar as ocasiões de apostolado. Manter firme a esperança apostólica.
– Oração e apostolado.

I. CERTO DIA, JESUS, depois de ter passado a tarde anterior curando doentes, pregando e atendendo as pessoas que vinham ter com Ele, muito antes do amanhecer, saiu da casa de Simão, foi a um lugar deserto e ali orava. Simão e os que estavam com ele saíram em sua busca e, achando-o, disseram-lhe: Todos estão à tua procura. É São Marcos quem o relata no Evangelho da Missa1.

Todos estão à tua procura. Também nos nossos dias as multidões têm “fome” de Deus. Continuam a ser atuais as palavras de Santo Agostinho no início das suas Confissões: “Criaste-nos, Senhor, para Ti e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em Ti”2.

O coração da pessoa humana foi feito para procurar e amar a Deus. E o Senhor facilita esse encontro, pois Ele também procura cada pessoa através de inúmeras graças, de atenções cheias de delicadeza e de amor.

Quando vemos alguém ao nosso lado, quando a imprensa, o rádio ou a televisão falam de alguém, podemos pensar, sem receio de nos enganarmos: Cristo chama essa pessoa, preparou para ela graças eficazes. “Repara bem: há muitos homens e mulheres no mundo, e nem a um só deles deixa o Mestre de chamar. – Chama-os a uma vida cristã, a uma vida de santidade, a uma vida de eleição, a uma vida eterna”3. É nisto que se baseia a nossa esperança apostólica: Cristo, de uma maneira ou de outra, está à procura de todos. A missão de que Deus nos encarrega é a de facilitarmos esses encontros com a graça.

A propósito da passagem do Evangelho que comentamos, escreve Santo Agostinho: “O gênero humano está enfermo, afetado não por uma doença corporal, mas pelos seus pecados. Está acamado em todo o orbe terrestre, do Oriente ao Ocidente, como um grande doente. Para curar este moribundo, o Médico onipotente desceu à terra. Humilhou-se até o extremo de tomar carne mortal, ou seja, até se aproximar do leito do enfermo”4.

Passaram poucas semanas desde que pudemos contemplar Jesus na gruta de Belém, pobre e indefeso, assumindo a natureza humana para estar muito perto dos homens e salvá-los. Meditamos depois a sua vida oculta em Nazaré, ocupado em trabalhar como outra pessoa qualquer, para nos ensinar a procurá-lo na vida normal, para estar acessível a todos e possibilitar-nos, através da sua Santa Humanidade, o acesso à Santíssima Trindade. Nós, como Pedro, vamos também ao seu encontro na oração – no nosso diálogo pessoal com Ele – e lhe dizemos: Todos estão à tua procura. Ajudai-nos, Senhor, a fazer com que os nossos parentes, os nossos amigos e colegas vos encontrem, bem como toda a alma que se cruze conosco no nosso caminho. No fundo, necessitam de Vós; ensinai-nos a dar-vos a conhecer com o exemplo de uma vida alegre, através do trabalho bem feito, com uma palavra que estimule os corações.

II. UMA POVOAÇÃO ALEMÃ que ficou praticamente destruída durante a segunda Guerra Mundial, possuía numa igreja um crucifixo muito antigo a que as pessoas do lugar tinham muita devoção. Quando iniciaram a reconstrução da igreja, os homens da aldeia encontraram entre os escombros a magnífica talha, mas sem braços. Não sabiam muito bem o que fazer: uns foram partidários de que se devolvesse ao culto restaurada, com uns braços novos; outros acharam que se devia fazer uma réplica da antiga. Por fim, depois de muitas deliberações, optaram pelo crucifixo que sempre havia presidido ao retábulo, tal como o haviam achado, mas com a seguinte inscrição: Vós sois os meus braços... E ainda hoje pode ser visto assim sobre o altar5.

Nós somos os braços de Deus no mundo, pois o Senhor quis ter necessidade dos homens. Ele nos envia para assim poder aproximar-se deste mundo doente, que muitas vezes não sabe encontrar o Médico que o poderia curar. Por isso não devemos deixar passar – por preguiça, cansaço ou respeitos humanos – uma única oportunidade; devemos aproveitar tanto os acontecimentos normais de todos os dias – o comentário sobre uma notícia do jornal, uma ajuda que prestamos ou que nos prestam... – como também os acontecimentos extraordinários: uma doença, a morte de um parente... Diz um documento do Concílio Vaticano II: “Os que viajam por força das suas tarefas internacionais, dos seus negócios ou para descansar, não esqueçam que são em toda a parte como testemunhas itinerantes de Cristo e que devem portar-se sinceramente como tais”6. O Papa João Paulo I, na sua primeira mensagem aos fiéis, exortava a que se estudassem todas as possibilidades para anunciar oportuna e importunamente 7 a salvação a todas as pessoas. “Se todos os filhos da Igreja – dizia o Sumo Pontífice – fossem missionários incansáveis do Evangelho, brotaria uma nova floração de santidade e de renovação neste mundo sedento de amor e de verdade”8.

Mantenhamos com firmeza a esperança na eficácia da nossa ação apostólica, por mais difícil que seja o ambiente em que nos movemos. Os caminhos da graça são imperscrutáveis, mas Deus quis contar conosco para salvar as almas. Que pena se, por omissão da nossa parte, muitos homens continuassem a viver longe de Deus! Devemos sentir a responsabilidade pessoal de que nenhum amigo, colega ou vizinho possa queixar-se a Deus: Hominem non habeo9: Senhor, não encontrei quem me falasse de Vós, ninguém me ensinou o caminho.

“O cristianismo possui o grande dom de enxugar e curar a única ferida profunda da natureza humana, e isso vale mais para o seu êxito do que toda uma enciclopédia de conhecimentos científicos e toda uma biblioteca de controvérsias; por isso o cristianismo há de durar enquanto durar a natureza humana”, diz o Cardeal Newman10. Perguntemo-nos hoje: quantas pessoas ajudei a viver cristãmente o tempo de Natal que acabamos de celebrar?

III. O SENHOR QUER que sejamos seus instrumentos para tornar presente a sua obra redentora no meio das tarefas seculares, na vida normal. Mas como poderemos ser bons instrumentos de Deus se não cuidamos com esmero da vida de piedade, se não mantemos um trato verdadeiramente pessoal com Cristo na oração? Por acaso pode um cego guiar outro cego? Não cairão ambos no abismo?11

O apostolado é fruto do amor a Cristo. Ele é a luz com que iluminamos, a Verdade que devemos ensinar, a Vida que comunicamos. E isto só será possível se formos homens e mulheres unidos a Deus pela oração. Comove contemplar como o Senhor, no meio de tanta atividade apostólica, se levantava de madrugada, muito antes do amanhecer, para dialogar com seu Pai-Deus e confiar-lhe o novo dia que começava.

Devemos imitá-lo, pois é na oração, no trato de intimidade com Jesus, que aprendemos a prestar atenção, a compreender e a valorizar as pessoas que Deus põe no nosso caminho. Sem oração, o cristão seria como uma planta sem raízes; acabaria por secar, e não teria assim a menor possibilidade de dar fruto.

Podemos e devemos dirigir-nos ao Senhor muitas vezes ao longo do dia. Ele não está longe; está perto, ao nosso lado, e ouve-nos sempre, especialmente nesses momentos em que, tal como agora, nos dedicamos expressamente a falar-lhe sem anonimato, cara a cara. À medida que nos abrirmos às chamadas divinas, o nosso dia será divinamente eficaz. Na realidade, a nossa vida de apóstolos vale o que valer a nossa oração12.

A oração nunca deixa de dar os seus frutos. Dela tiraremos a coragem necessária para enfrentar as dificuldades com a dignidade dos filhos de Deus, bem como para perseverar no convívio com os amigos que desejamos levar a Deus. Por isso a nossa amizade com Cristo há de ser cada dia mais profunda e sincera. Por isso devemos esforçar-nos seriamente por evitar todo o pecado deliberado, guardar o coração para Deus, procurar afastar os pensamentos inúteis – que freqüentemente dão lugar a faltas e pecados –, purificar muitas vezes a intenção, depondo aos pés do Senhor o nosso ser e as nossas obras... E jamais abandonar estes minutos diários de diálogo interior com Deus, ainda que estejamos cansados e não possamos concentrar-nos inteiramente, ainda que não experimentemos nenhum afeto, ainda que nos assaltem involuntariamente muitas distrações. A oração é o suporte de toda a nossa vida e a condição de todo o apostolado.

Ao terminarmos este tempo de oração, recorremos à intercessão poderosa de São José, mestre de vida interior. Pedimos àquele que viveu tantos anos junto de Jesus, que nos ensine a dirigir-nos a Ele com confiança durante todos os dias da nossa vida, sobretudo naqueles em que o trabalho aperta mais e nos parece difícil poder dedicar-lhe este tempo costumeiro de oração, condição imprescindível para a eficácia do nosso apostolado pessoal. A nossa Mãe Santa Maria intercederá por nós, junto com o santo Patriarca.

(1) Mc 1, 29-39; (2) Santo Agostinho, Confissões, 1, 1, 1; (3) São Josemaría Escrivá, Forja, Quadrante, São Paulo, 1987, n. 13; (4) Santo Agostinho, Sermão 87, 13; (5) cfr. F. Fernández Carvajal, La tibieza, 6ª ed., Palabra, Madrid, 1986, pág. 149; (6) Conc. Vat. II, Decr. Apostolicam actuositatem, 14; (7) 2 Tim 4, 2; (8) João Paulo I, Alocução, 27-VIII-1978; (9) Jo 5, 7; (10) Card. J. H. Newman, O sentido religioso, pág. 417; (11) Lc 6, 39; (12) cfr. São Josemaría Escrivá, Caminho, 7ª ed., Quadrante, São Paulo, 1989, n. 108.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal