TEMPO COMUM. SEGUNDO DOMINGO. ANO A

– Figura e realidade deste título com que o Batista designa Jesus no começo da sua vida pública.
– A esperança de sermos perdoados. O exame, a contrição e o propósito de emenda.
– A confissão freqüente, caminho para a delicadeza de alma e para alcançar a santidade.

I. HÁ POUCOS DIAS, contemplávamos Jesus nascido em Belém, adorado pelos pastores e pelos Magos, “mas o Evangelho deste domingo leva-nos uma vez mais às margens do Jordão, onde, trinta anos depois do seu nascimento, João Batista prepara os homens para a vinda do Senhor. E quando ele vê Jesus que vinha ao seu encontro, diz: Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1, 29) […]. Estamos acostumados às palavras Cordeiro de Deus, e, no entanto, são palavras sempre maravilhosas, misteriosas, são palavras poderosas” 1.

Que ressonância não teria essa expressão nos ouvintes que conheciam o significado do cordeiro pascal, cujo sangue fora derramado na noite em que os judeus tinham sido libertados da escravidão no Egito! Além disso, todo o israelita conhecia bem o texto em que Isaías comparava os sofrimentos do Servo de Javé, o Messias, ao sacrifício de um cordeiro 2. O cordeiro pascal que se sacrificava cada ano no Templo evocava não só a libertação, mas também o pacto que Deus tinha feito com o seu povo: era promessa e figura do verdadeiro Cordeiro, Cristo, que se ofereceria como Vítima no sacrifício do Calvário em favor de toda a humanidade. Ele é o verdadeiro Cordeiro que tirou o pecado do mundo, que morrendo destruiu a morte e ressuscitando nos deu a vida 3. Por sua vez, São Paulo dirá aos primeiros cristãos de Corinto que Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado 4, e convida-os a uma vida nova, a uma vida santa.

A expressão “Cordeiro de Deus” foi muito meditada e comentada pelos teólogos e autores espirituais; trata-se de um título “rico em conteúdo teológico. É um desses recursos da linguagem humana que tenta expressar uma realidade plurivalente e divina. Ou, para dizê-lo melhor, é uma dessas expressões cunhadas por Deus para revelar algo muito importante sobre si mesmo” 5.

Desde os primeiros tempos, a arte cristã representou Jesus Cristo, Deus e Homem, sob a figura do Cordeiro pascal. Quando a iconografia o retrata recostado sobre o Livro da vida, quer recordar um ensinamento fundamental da nossa fé: Jesus é Aquele que tira o pecado do mundo, Aquele que foi sacrificado e possui todo o poder e sabedoria. Diante dEle prostram-se em adoração os vinte e quatro anciãos, segundo a visão do Apocalipse6; é Ele quem preside à grande ceia das bodas nupciais, quem recebe a Esposa, quem purifica com o seu sangue os bem-aventurados…, e quem é o único que pode abrir o livro dos sete selos: o Princípio e o Fim, o Alfa e o Ômega, o Redentor cheio de mansidão e o Juiz onipotente que há de vir retribuir a cada um segundo as suas obras 7.

Este é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, anuncia São João Batista; e este pecado do mundo engloba todo o gênero de pecados: o original, que em Adão afetou também os seus descendentes, e os pessoais dos homens de todos os tempos. No Cordeiro de Deus está a nossa esperança de salvação.

A profecia de Isaías cumpriu-se no Calvário e torna a atualizar-se em cada Missa, tal como se recorda hoje na oração sobre as oferendas: Todas as vezes que celebramos este sacrifício, torna-se presente a nossa redenção 8. A Igreja quer que agradeçamos ao Senhor por ter Ele querido entregar-se até à morte pela nossa salvação, por ter querido ser alimento das nossas almas 9.

II. O CORDEIRO DE DEUS que tira o pecado do mundo. Jesus converteu-se no Cordeiro imaculado 10, que se imolou com docilidade e mansidão absolutas para reparar as faltas dos homens, os seus crimes, as suas traições. É um título muito expressivo “porque – comenta Frei Luís de Granada – a palavra Cordeiro, referida a Cristo, significa três coisas: mansidão de condição, pureza e inocência de vida, satisfação de sacrifício e de oferenda” 11.

É notável a insistência de Cristo na sua constante chamada aos pecadores: Pois o Filho do homem veio salvar o que estava perdido 12. Ele lavou os nossos pecados no seu sangue 13. A maior parte dos seus contemporâneos conhecia-o precisamente por essa atitude misericordiosa; os escribas e fariseus murmuravam e diziam: Ele recebe os pecadores e come com eles 14. E surpreendem-se porque perdoa a mulher adúltera com umas palavras muito simples: Vai e não peques mais 15. E dá-nos a mesma lição na parábola do publicano e do fariseu: Senhor, tem piedade de mim, que sou um pecador16, e na parábola do filho pródigo… A relação dos seus ensinamentos e dos seus encontros misericordiosos seria interminável, gozosamente interminável. Podemos nós perder a esperança de conseguir o perdão, quando é Cristo quem perdoa? Podemos nós perder a esperança de receber as graças necessárias para sermos santos, quando é Cristo quem no-las pode dar? Isto nos cumula de paz e de alegria.

Como prova concreta desses sentimentos do Senhor, contamos com o sacramento do perdão, que nos concede as graças necessárias para lutarmos e vencermos os defeitos que talvez estejam arraigados no nosso caráter, e que são muitas vezes a causa do nosso desalento. Como é que o aproveitamos? Como é que nos esforçamos por extrair dele todas as graças que o Senhor nos quer conceder?

Para isso, vejamos como são o nosso exame de consciência, a dor dos nossos pecados e o nosso propósito de emenda. “Poder-se-ia dizer que são, respectivamente, atos próprios da fé, que nos leva ao conhecimento sobrenatural da nossa conduta, de acordo com as nossas obrigações; do amor, que agradece os dons recebidos e chora a sua falta de correspondência; e da esperança, que vai à luta no tempo que Deus concede a cada um para que se santifique. E assim como dessas três virtudes a maior é o amor, assim a dor – a compunção, a contrição – é o elemento mais importante do exame de consciência; se não desemboca na dor, talvez isso indique que estamos dominados pela cegueira, ou que o objetivo da nossa revisão de vida não procede do amor a Deus. Mas, quando as nossas faltas nos levam a essa dor […], o propósito brota de um modo imediato, decidido, eficaz” 17.

Senhor, ensinai-me a arrepender-me, indicai-me o caminho do amor! Movei-me com a vossa graça à contrição quando eu tropeçar! Que as minhas fraquezas me levem a amar-vos cada vez mais!

III. “JESUS CRISTO traz-nos a chamada à santidade e dá-nos continuamente a ajuda necessária para a nossa santificação. Dá-nos continuamente o poder de chegarmos a ser filhos de Deus, como proclama a liturgia de hoje no canto do Aleluia. Esta força de santificação do homem […] é o dom do Cordeiro de Deus” 18.

O caminho da santidade percorre-se mediante uma contínua purificação do fundo da alma, que é condição essencial para amarmos cada dia mais a Deus. Por isso o amor à confissão freqüente é um sintoma claro de delicadeza interior, de amor a Deus; e o desprezo ou indiferença por ela – que se revelam quando surgem facilmente a desculpa ou o atraso – indicam falta de finura de alma e talvez tibieza, grosseria e insensibilidade para as moções que o Espírito Santo suscita no coração.

De cada vez que recebemos o sacramento da Penitência, ouvimos, como Lázaro, aquelas palavras de Cristo: Desatai-o e deixai-o ir 19, porque as faltas, as fraquezas, os pecados veniais… atam e prendem o cristão, não o deixando seguir o seu caminho com rapidez. “E assim como o defunto saiu ainda atado, aquele que vai confessar-se ainda é réu. Para que fique livre dos seus pecados, o Senhor diz aos seus ministros: Desatai-o e deixai-o ir…20 O sacramento da Penitência rompe todos os liames com que o demônio tenta segurar-nos para que não apressemos o passo no seguimento de Cristo.

A confissão freqüente dos nossos pecados está muito relacionada com a santidade, pois nela o Senhor afina a nossa alma e nos ensina a ser humildes. A tibieza, pelo contrário, cresce onde aparecem o desleixo e o descaso, as negligências e os pecados veniais sem arrependimento sincero. Na confissão contrita, deixamos a alma clara e limpa. E, como somos fracos, só a confissão freqüente permitirá um estado permanente de limpeza e de amor.

“Um dos principais motivos para o alto apreço em que devemos ter a confissão freqüente é que, se bem praticada, torna totalmente impossível um estado de tibieza. Esta é convicção que leva a Santa Igreja a recomendar com tanta insistência […] a confissão freqüente ou a confissão semanal” 21. E é por isso que devemos esforçar-nos por cuidar da sua pontualidade e por aproximar-nos dela com seriedade cada vez maior.

Cristo, Cordeiro imaculado, veio limpar-nos dos nossos pecados, não só dos graves, mas também das impurezas e das faltas de amor da vida diária. Examinemos hoje com que amor nos aproximamos do sacramento da Penitência e vejamos se o fazemos com a freqüência que o Senhor nos pede.

(1) João Paulo II, Homilia, 18-III-1981; (2) cfr. Is 53, 7; (3) Missal Romano, Prefácio Pascal I; (4) 1 Cor 5, 7; (5) A. García Moreno, “Jesucristo, Cordero de Dios”, em Cristo, Filho de Deus e Redentor do homem, III Simpósio Internacional de Teología, EUNSA, Pamplona, 1982, pág. 269; (6) Cfr. Apoc 19; (7) A. García Moreno, op. cit., págs. 292-293; (8) Missal Romano, Segundo domingo do Tempo Comum, Oração sobre as oferendas; (9) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, 2a ed., EUNSA, Pamplona, 1985, págs. 1154-1155; (10) Cfr. João Paulo II, op. cit.; (11) Frei Luis de Granada, Los nombres de Cristo, em “Obras Completas Castellanas”, BAC, Madrid, 1957, I, pág. 806; (12) Mt 18, 11; (13) Apoc 1, 5; (14) Mt 11, 19; (15) Jo 8, 11; (16) Lc 18, 13; (17) A. del Portillo, Carta, 8-XII-1976, n. 16; (18) João Paulo II, op. cit.; (19) Jo 11, 44; (20) Santo Agostinho, Comentário ao Evangelho de São João, 29, 24; (21) B. Baur, La confesión frecuente, Herder, Barcelona, 1974, págs. 106-107.