TEMPO COMUM. SEGUNDA SEMANA. SEXTA-FEIRA

– Vocação dosDoze. Deus é quem chama e quem dá as graças para perseverar.
– No cumprimento da sua vocação, o homem dá glória a Deus e encontra a grandeza da sua vida.
– Fiéis à chamada pessoal que recebemos de Deus.

I. DEPOIS DE UMA NOITE em oração 1, Jesus escolheu os doze Apóstolos para que o acompanhassem ao longo da sua vida pública e depois continuassem a sua missão na terra. Os Evangelistas deixaram-nos consignados os seus nomes e hoje os recordamos na leitura do Evangelho da Missa 2. Havia vários meses que, juntamente com outros discípulos, seguiam o Mestre pelos caminhos da Palestina, dispostos a uma entrega sem limites. E agora são objeto de uma predileção muito particular.

Ao escolhê-los, Cristo estabelece os alicerces da sua Igreja: estes doze homens hão de ser como que os doze Patriarcas do novo Povo de Deus, a sua Igreja: um Povo que há de formar-se não pela descendência segundo a carne, como acontecera com Israel, mas por uma descendência espiritual. Por que chegaram os Apóstolos a gozar de um favor tão grande da parte de Deus? Por que precisamente eles e não outros?

A pergunta não faz sentido. Simplesmente, foram chamados pelo Senhor. E foi nessa libérrima escolha de Cristo – chamou os que quis – que radicou a honra e a essência da vocação que receberam. Não fostes vós que me escolhestes – dir-lhes-á mais tarde –, mas eu que vos escolhi 3.

A escolha é sempre coisa de Deus. Os Apóstolos não se distinguiam pelo seu saber, poder ou importância; eram homens normais e correntes, mas foram escolhidos por Deus.

Cristo escolhe os seus colaboradores, e esse chamamento é o único título que eles possuem. São Paulo, por exemplo, para sublinhar a autoridade com que ensina e admoesta os fiéis, começa com freqüência as suas Epístolas com estas palavras: Paulo, pela vontade de Deus Apóstolo de Cristo Jesus, para anunciar a promessa de vida em Cristo Jesus 4. Chamado e escolhido não pelos homens nem por intermédio de algum homem, mas por Jesus Cristo e Deus Pai 5. Em todo o seu discurso está presente esta realidade: a escolha divina.

Jesus chama com autoridade e ternura, tal como o Senhor tinha chamado os seus profetas e enviados: Moisés, Samuel, Isaías… Nunca os chamados mereceram de forma alguma, nem pela sua boa conduta, nem pelas suas condições pessoais, a vocação para a qual foram escolhidos. São Paulo sublinha-o explicitamente: Chamou-nos com uma vocação santa, não por causa das nossas obras, mas em virtude do seu desígnio 6. Mais ainda, Deus costuma escolher, para o seu serviço e para as suas obras, pessoas com virtudes e qualidades desproporcionadamente pequenas para aquilo que realizarão com a ajuda divina. Considerai o vosso chamamento, pois não há entre vós muitos sábios segundo a carne 7.

O Senhor também nos chama para que continuemos a sua obra redentora no mundo, e as nossas fraquezas não nos podem surpreender e muito menos desanimar, como também não nos há de assustar a desproporção entre as nossas condições pessoais e a tarefa que Deus põe diante de nós. Ele sempre dá o incremento; apenas nos pede a nossa boa vontade e a pequena ajuda que as nossas mãos lhe podem prestar.

II. CHAMOU OS QUE QUIS. A vocação é sempre e em primeiro lugar uma escolha divina, sejam quais forem as circunstâncias que tenham acompanhado o momento em que se aceitou essa escolha. Por isso, uma vez recebida, não tem cabimento discuti-la com raciocínios humanos, que sempre são pobres e curtos. O Senhor sempre dá as graças necessárias para perseverar, pois, como ensina São Tomás, quando Deus escolhe determinadas pessoas para uma missão, prepara-as e cuida de que sejam idôneas para que possam levar a cabo aquilo para que foram escolhidas 8.

No cumprimento dessa missão, o homem descobre a grandeza da sua vida, “porque a chamada divina e, em última análise, a revelação que Deus faz do seu ser é, simultaneamente, uma palavra que revela o sentido e o ser da vida do homem. É na escuta e na aceitação da palavra divina que o homem chega a compreender-se a si próprio e a adquirir, portanto, uma coerência no seu ser […]. Por isso o comportamento mais forte perante mim mesmo, a mais completa honestidade e coerência com o meu próprio ser acontecem no meu compromisso perante esse Deus que me chama” 9.

O Senhor também hoje chama os seus apóstolos para que estejam com Ele, pela recepção dos sacramentos e pela vida de oração, pela santidade pessoal, e para serem enviados a pregar, mediante uma presença apostólica ativa em todos os ambientes. E, ainda que o Mestre faça algumas chamadas específicas, a vida cristã de qualquer fiel, mesmo a mais normal e corrente, implica uma vocação singular: a de seguir o Senhor com uma nova vida cuja chave Ele possui: Se alguém quiser vir após mim… 10 “Todos os fiéis de qualquer estado e condição de vida estão chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade”, diz o Concílio Vaticano II 11.

Esta plenitude de vida cristã pede a heroicidade das virtudes. O Senhor nos quer santos, no sentido estrito dessa palavra, no meio das nossas ocupações, com uma santidade alegre, atraente. Ele nos dá a força e as ajudas necessárias para isso.

Saibamos dizer a Jesus muitas vezes que Ele pode contar conosco, com a nossa boa vontade em segui-lo no lugar em que estamos, e sem estabelecer-lhe limites ou condições.

III. A DESCOBERTA DA VOCAÇÃO pessoal é o momento mais importante de toda a vida. Da resposta fiel a essa chamada divina dependem a felicidade própria e a de muitos outros. Deus cria-nos, prepara-nos e chama-nos em função de um desígnio eterno. “Se hoje em dia tantos cristãos vivem à deriva, com pouca profundidade e limitados por horizontes pequenos, isso se deve sobretudo à falta de uma consciência clara da sua própria razão de ser e de existir […]. O que eleva o homem, o que realmente lhe confere uma personalidade, é a consciência da sua vocação, a consciência da sua tarefa concreta. Isso é o que enche uma vida de conteúdo” 12.

A decisão inicial de seguir o Senhor é, porém, a base de muitas outras chamadas ao longo da vida. A fidelidade realiza-se dia após dia, normalmente em coisas que parecem de pouca importância, nos pequenos deveres cotidianos, no cuidado em afastar tudo aquilo que possa ferir o que é a essência da própria vida. Não basta preservar a vocação; é preciso renová-la, reafirmá-la constantemente: quando parece fácil e nos momentos em que tudo custa; quando os ataques do mundo, do demônio e da carne se manifestam em toda a sua violência.

Teremos sempre a ajuda necessária para sermos fiéis. Quanto mais dificuldades, mais graças. E com a luta ascética bem determinada – com um exame particular bem concreto –, o amor cresce e se robustece com o passar do tempo; e a entrega, afastada toda a rotina, torna-se mais consciente, mais madura. “Não se trata de um crescimento de tipo quantitativo, como o de um montão de trigo, mas de um crescimento qualitativo, como o do calor que se torna mais intenso, ou como o da ciência que, sem chegar a novas conclusões, se torna mais penetrante, mais profunda, mais unificada, mais certa. Assim, pela caridade tendemos a amar mais perfeitamente, de modo mais puro, mais intimamente, a Deus acima de tudo, e ao próximo e a nós mesmos para que glorifiquemos a Deus neste tempo e na eternidade” 13. É esse o crescimento que o Senhor nos pede.

Esforçar-se por crescer em santidade, em amor a Cristo e a todos os homens por Cristo, é assegurar a fidelidade e conseqüentemente uma vida plena de sentido, de amor e de alegria. São Paulo servia-se de uma comparação tirada das corridas no estádio para explicar que a luta ascética do cristão deve ser alegre, como um autêntico esporte sobrenatural. E ao considerar que não tinha atingido a perfeição, dizia que lutava por alcançar o que fora prometido: Uma só coisa é a que busco: lançar-me em direção ao que tenho pela frente, correr para a meta, para alcançar o prêmio a que Deus nos chama das alturas 14.

Desde que Cristo irrompeu na sua vida na estrada de Damasco, Paulo entregou-se com todas as suas forças à tarefa de procurá-lo, amá-lo e servi-lo. Foi o que fizeram os demais Apóstolos a partir do dia em que Jesus passou por eles e os chamou. Os defeitos que tinham não desapareceram naquele instante, mas eles seguiram o Mestre numa amizade crescente e souberam ser-lhe fiéis. Nós devemos fazer o mesmo, correspondendo diariamente às graças que recebemos, sendo fiéis cada dia. Assim chegaremos à meta em que Cristo nos espera.

(1) Cfr. Lc 6, 12; (2) Mc 3, 13-19; (3) Jo 15, 16; (4) 2 Tim 1, 1; (5) Gál 1, 1; (6) 2 Tim 1, 9; (7) 1 Cor 1, 26; (8) cfr. São Tomás, Suma Teológica, 3, q. 27, a. 4; (9) P. Rodríguez, Vocación, trabajo, contemplación, EUNSA, Pamplona, 1986, pág. 18; (10) Mt 16, 24; (11) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 40; (12) F. Suárez, A Virgem Nossa Senhora, Aster, Lisboa, pág. 29; (13) R. Garrigou-Lagrange, La Madre del Salvador, Rialp, Madrid, 1976, pág. 106; (14) cfr. Fil 3, 13-14

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal