TEMPO COMUM. VIGÉSIMO DOMINGO. CICLO B

– A Sagrada Comunhão é uma antecipação do Céu e garantia de alcançá‑lo.

I. A PRIMEIRA LEITURA da Missa1 fala‑nos do convite dirigido por Deus aos homens desde tempos remotos: Vinde, comei o pão que eu vos dou e bebei o vinho que vos preparei… Este banquete é uma imagem freqüentemente empregada na Sagrada Escritura para anunciar a chegada do Messias, cheia de bens, e de modo especial é prefiguração da Sagrada Eucaristia, na qual Cristo se dá como Alimento. Desse manjar fala‑nos São João, transmitindo‑nos as palavras finais de Jesus na sinagoga de Cafarnaum, onde anunciou o dom inefável que deixaria aos homens. Eu sou o pão vivo que desci do céu, diz‑nos Jesus; quem comer deste pão viverá eternamente. E um pouco mais adiante acrescenta: Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida… Este é o pão que desceu do céu. Não como os vossos pais, que comeram o maná e morreram. Quem come deste pão viverá eternamente2.

A Comunhão, como alimento que é da alma, dá‑nos defesas para resistir ao que em nós não é de Deus, àquilo que se opõe à plena união com Cristo: ajuda‑nos a combater a inclinação para o mal e fortalece‑nos contra o pecado. Na medida em que aumenta a graça que procede de Deus e nos inflama em caridade, desperta a contrição pelas nossas faltas, limpa‑nos dos pecados veniais de que estamos arrependidos e preserva‑nos dos mortais.

Porém, a Sagrada Eucaristia não é apenas alimento da alma na sua caminhada para Deus, mas penhor da vida eterna. Penhor é o objeto que se entrega em garantia do cumprimento de uma promessa3. Na Comunhão, temos já a garantia de alcançarmos a vida gloriosa, se não atraiçoamos a fidelidade ao Senhor.

Uma antiga Antífona do culto eucarístico reza assim: Ó sagrado banquete, em que se recebe Cristo […], a alma se enche de graça e nos é dado um penhor da glória futura. O banquete é uma imagem muito empregada na Sagrada Escritura para descrever a felicidade que alcançaremos em Deus. O próprio Senhor anunciou que não tornaria a beber do fruto da videira até o dia em que o beberei novo convosco no reino de meu Pai4. Alude a um vinho novo5, porque já não haverá necessidade do alimento e da bebida comuns: teremos Cristo para sempre, numa união vivíssima, sem fim, sem os véus da fé. E a Comunhão é já agora a garantia e a antecipação dessa união definitiva.

Que alegria podermos estar com Cristo e entrar de alguma maneira no Céu já aqui na terra! “Agiganta a tua fé na Sagrada Eucaristia. – Pasma‑te diante dessa realidade inefável! Temos Deus conosco, podemos recebê‑lo diariamente e, se quisermos, falamos intimamente com Ele, como se fala com o amigo, como se fala com o irmão, como se fala com o pai, como se fala com o Amor”6.

– A Sagrada Eucaristia é também penhor da futura glorificação do corpo.

II. NA COMUNHÃO, “sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal em que Cristo nos é dado em alimento, o espírito se cumula de graça e nos é concedido o penhor da futura glória”7, ensina‑nos o Concílio Vaticano II.

Esta glória eterna não está reservada somente à alma, mas também ao corpo, ao homem inteiro8. O Senhor referia‑se ao homem inteiro quando prometeu que todo aquele que comesse dEle viveria por Ele e nunca morreria, e que Ele o ressuscitaria no último dia9. A Eucaristia proclama a morte do Senhor até que Ele venha10, no fim dos tempos, quando os corpos ressuscitarem e voltarem a unir‑se à alma. Assim, os que tiverem sido fiéis amarão a Deus e gozarão da sua presença com a alma e com o corpo, para sempre.

Os Padres da Igreja chamam à Comunhão “remédio da imortalidade, antídoto para não morrer, mas para viver para sempre em Jesus Cristo”11. Assim como a muda da videira – ensina Santo Irineu –, posta na terra, frutifica no seu devido tempo, e o grão de trigo caído na terra e desfeito se levanta multiplicado e “depois, pela sabedoria de Deus, chega a ser Eucaristia, que é Corpo e Sangue de Cristo, assim também os nossos corpos, alimentados com ela e colocados na terra e desfeitos nela, ressuscitarão a seu devido tempo…”12: essa garantia da futura ressurreição que é a Eucaristia atua como semente da futura glorificação do corpo e alimenta‑o para a incorruptibilidade da vida eterna. Semeia no homem um germe de imortalidade, pois a vida da graça estende‑se para além da morte.

São Gregório de Nisa explica que, tendo o homem comido um alimento mortal (com o pecado original), deve, por conseguinte, tomar um remédio que lhe sirva de antídoto, assim como os que tomaram algum veneno devem tomar um contraveneno. Este remédio da nossa vida não é outro senão o Corpo de Cristo, “que venceu a morte e é a fonte da Vida”13.

Se alguma vez o pensamento da morte nos entristece e sentimos que esta casa da terra que agora habitamos se desmorona, devemos pensar, cheios de esperança, que a morte é um momento de transição: a seguir, a vida da alma continua, e um pouco mais tarde, o corpo, que também será glorificado, voltará também à vida; como acontece com alguém que tem de abandonar o seu lar por causa de uma catástrofe, mas consola‑se e até se alegra ao saber que outra casa melhor o espera e que nunca se verá obrigado a abandoná‑la. A Sagrada Eucaristia não só é antecipação, mas “sinal que se dá em garantia” da promessa que o Senhor nos fez: Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia.

– Enquanto nos dirigimos para a casa do Pai, as nossas fraquezas devem levar‑nos a procurar fortaleza na Comunhão.

III. CUIDAI, POIS, IRMÃOS, de andar com prudência; não como insensatos, mas como circunspectos, resgatando o tempo, pois os dias são maus, adverte‑nos São Paulo na segunda Leitura da Missa14. Agora, como então, os dias são maus, e o tempo, breve. O espaço de tempo que nos separa da vida definitiva junto de Deus é pequeno, e as possibilidades de nos deixarmos arrastar por um ambiente que não conduz ao Senhor são abundantes.

O Apóstolo convida‑nos a aproveitar bem o tempo, esse que nos foi reservado. Mais ainda, temos de recuperar o tempo perdido. Resgatar o tempo – explica Santo Agostinho – “é sacrificar, sempre que for preciso, os interesses presentes aos interesses eternos, pois a eternidade se compra com a moeda do tempo”15. Assim aproveitaremos todos os momentos e circunstâncias para dar glória a Deus, para reafirmar o nosso amor por Ele, no meio da variedade das coisas que são passageiras e não deixam rasto.

Cristo, na Sagrada Comunhão, ensina‑nos a contemplar o presente com olhos de eternidade; mostra‑nos o que é verdadeiramente importante em cada situação, em cada acontecimento. Ilumina o futuro e dá perspectiva transcendente às nossas obras bem feitas, fazendo‑nos avançar todos os dias em direção a essa existência nova e eterna perante a qual o mundo de hoje nos há de parecer uma sombra16.

Na Sagrada Eucaristia, encontramos as forças necessárias para percorrermos o caminho que ainda nos falta até chegarmos à casa do Pai; “é para nós penhor eterno, de maneira que assegura‑nos o Céu; estas são as arras que o Céu nos envia como garantia de que um dia será a nossa morada”17.

As nossas fraquezas devem fazer‑nos procurar a fortaleza na Comunhão. Neste sacramento, “é Cristo em pessoa quem acolhe o homem, maltratado pelas asperezas do caminho, e o conforta com o calor da sua compreensão e do seu amor. Na Eucaristia encontram a sua plena realização as dulcíssimas palavras: Vinde a Mim, todos os que estais fatigados e sobrecarregados, e Eu vos aliviarei (Mt 11, 28). Este alívio pessoal e profundo, que constitui a razão última de toda a nossa fadiga pelos caminhos do mundo, poderemos encontrá‑lo – ao menos como participação e antecipação – nesse Pão divino que Cristo nos oferece na mesa eucarística”18. Com Ele, se formos fiéis, entraremos um dia no Céu, e o que era garantia de uma promessa tornar‑se‑á realidade: a vida junto da Vida por toda a eternidade.

Ecce panis angelorum, factus cibus viatorum, vere panis filiorum: eis aqui o Pão dos Anjos, feito alimento dos que caminham, verdadeiramente o pão dos filhos19: dá‑nos, Senhor, a fortaleza necessária para percorrermos com garbo humano e sobrenatural o nosso caminho nesta terra, com o olhar posto na meta.

(1) Prov 9, 1‑6; (2) Jo 6, 51‑58; (3) cfr. M. Moliner, Diccionario del uso del español, Gredos, Madrid, 1970, verbete Prenda; (4) Mt 26, 29; (5) cfr. Is 25, 6; (6) Josemaría Escrivá, Forja, n. 268; (7) Conc. Vat. II, Const. Sacrossanctum Concilium, 47; (8) cfr. M. Schmaus, Teologia Dogmática, 2ª ed., Rialp, Madrid, 1963, vol. VI, pág. 439; (9) cfr. Jo 6, 54; (10) 1 Cor 11, 26; (11) Santo Inácio de Antioquia, Carta aos Efésios, 20, 20; (12) Santo Irineu, Contra as heresias, 5, 2, 3; (13) cfr. São Gregório de Nisa, Discursos catequéticos, 37; (14) Ef 5, 15‑20; (15) Santo Agostinho, Sermão 16, 2; (16) cfr. 1 Cor 7, 31; (17) Cura d’Ars, Sermão sobre a Comunhão; (18) João Paulo II, Homilia, 9‑VII‑1980; (19) Missal Romano, Solenidade do Smo. Corpo e Sangue de Cristo, Seqüência Lauda Sion.

Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.