TEMPO COMUM. TERCEIRA SEMANA. TERÇA-FEIRA

– Santa Maria e o cumprimento da vontade divina. A “nova família” de Jesus.
– Manifestações do querer de Deus. O cumprimento dos deveres próprios.
– Averiguar na oração quais os planos de Deus sobre nós.

I. SÃO MARCOS DIZ-NOS no Evangelho da Missa de hoje 1 que a Mãe de Jesus o procurou certa vez, acompanhada por alguns parentes, quando Ele falava a um grande número de pessoas.

Talvez por causa da multidão que abarrotava a casa, Maria ficou fora e mandou recado ao seu Filho. Então Ele respondeu a quem lhe falava: Quem é minha mãe e quem são os meus irmãos? E, lançando um olhar sobre os que estavam sentados ao seu redor, disse: Eis a minha mãe e os meus irmãos. Pois todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão e minha irmã e minha mãe. É a nova família de Cristo, unida por laços mais fortes que os do sangue, e à qual Maria pertence em primeiro lugar, já que ninguém cumpriu a vontade divina com mais amor e maior profundidade do que Ela.

Santa Maria está unida a Jesus por um duplo vínculo. Em primeiro lugar porque, ao aceitar a mensagem do Anjo, uniu-se intimamente à vontade de Deus, de um modo que nós mal podemos vislumbrar, e adquiriu uma maternidade espiritual sobre o Filho concebido que a fez pertencer a essa família de vínculos mais fortes que Jesus Cristo proclama diante dos seus discípulos. “A maternidade corporal teria servido de pouco a Maria – comenta Santo Agostinho –, se Ela, da maneira mais bem-aventurada, não tivesse concebido primeiro o Filho no seu coração e só depois no seu corpo”2. Maria é Mãe de Jesus por tê-lo concebido no seu seio, por ter cuidado dEle, alimentando-o e protegendo-o, como toda a mãe faz com o seu filho. Mas Jesus veio formar a grande família dos filhos de Deus, e “nela incluiu benignamente Maria, pois Ela cumpria a vontade do Pai […]; e, ao referir-se diante dos seus discípulos a esse parentesco celestial, o Senhor mostrou que a Virgem Maria estava unida a Ele numa nova linhagem de família” 3; Maria é Mãe de Jesus segundo a carne, e é também a “primeira” de todos aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a cumprem plenamente 4.

Todos nós temos a enorme alegria de podermos pertencer, com laços mais fortes que os do sangue, à família de Jesus, na medida em que cumprimos a vontade divina.

Por isso o discípulo de Cristo deve dizer, como o seu Mestre: O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou5, mesmo que para isso tenha que sacrificar – colocando-os no seu devido lugar – os sentimentos naturais da família. São Tomás explica as palavras com que Jesus antepõe o vínculo da graça ao da ordem familiar, dizendo que o Senhor tinha uma geração eterna e outra temporal, e antepôs a eterna à temporal. E todo o fiel que cumpre a vontade divina é irmão de Cristo porque se faz semelhante Àquele que sempre cumpriu a vontade do Pai 6.

Podemos examinar nestes momentos de oração se desejamos cumprir sempre o que Deus quer de nós, no que é grande e no que é pequeno, no que nos é grato e no que nos desagrada. E pedir a Nossa Senhora que nos ensine a amar a vontade divina em todos os acontecimentos, mesmo naqueles que nos custa entender ou interpretar adequadamente. Assim passamos a ser da família de Jesus.

II. A SANTIDADE a que devemos aspirar consiste, pois, em identificarmos o nosso querer com o de Cristo: “Esta é a chave para abrir a porta e entrar no Reino dos Céus: «Qui facit voluntatem Patris mei qui in coelis est, ipse intrabit in regnum coelorum» – quem faz a vontade de meu Pai…, esse entrará!” 7

Em contraste com a atitude daqueles que encaram com uma triste resignação o cumprimento da tarefa redentora do Mestre, Ele ama ardentemente a vontade de seu Pai-Deus, e assim o manifesta em muitas ocasiões 8. E se nós queremos imitar Cristo, a nossa atitude há de ser a mesma: amar o que Deus quer, porque, entendamo-lo ou não, esse é sempre o caminho que conduz ao Céu. Santa Catarina de Sena põe nos lábios do Senhor estas palavras consoladoras: “A minha vontade só quer o vosso bem, e tudo o que permito ou dou, Eu o permito ou dou para que alcanceis o fim para o qual vos criei” 9. Ele só deseja o nosso bem.

Deus manifesta-nos a sua vontade através dos Mandamentos, que são a expressão de todas as nossas obrigações e a norma prática para que a nossa conduta se oriente para o Senhor; quanto mais fielmente os cumprirmos, tanto melhor amaremos o que Ele quer de nós. Deus manifesta-se igualmente através das indicações, conselhos e mandamentos da nossa Mãe a Igreja, “que nos ajudam a guardar os Mandamentos da lei de Deus” 10. E a par desses preceitos, também as obrigações de estado determinam o que Deus quer de nós, segundo as circunstâncias pessoais em que a nossa vida se desenvolve. Nunca amaremos a Deus, nunca poderemos santificar-nos, se não cumprirmos com fidelidade essas obrigações. Reconhecer e amar a vontade de Deus nos deveres cotidianos é haurir a força necessária para executá-los com perfeição humana e sentido sobrenatural.

Por fim, a vontade de Deus manifesta-se nos acontecimentos que o Senhor permite, e que sempre nos hão de proporcionar um bem muito maior, se soubermos permanecer ao lado do nosso Pai-Deus com confiança, com amor. Há sempre uma providência oculta por trás de cada acontecimento.

Acostumar-se a realizar atos de identificação com a vontade de Deus em todas as circunstâncias é ter a certeza de que se produzirão abundantes frutos na alma: “Jesus, o que Tu «quiseres»…, eu o amo” 11. E eu só desejo amar o que Tu queres que eu ame.

III. TODO AQUELE QUE faz a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão e minha irmã e minha mãe. O cumprimento da vontade de Deus deve ser o único anseio do cristão. Por isso devemos perguntar-nos com freqüência em face dos acontecimentos diários: Que quer Deus de mim neste assunto?, no relacionamento com esta pessoa? E fazê-lo.

A oração pessoal sobre a nossa conduta diária, sobre o comportamento na vida familiar, com os amigos, no trabalho, dá-nos uma grande luz para não errarmos no cumprimento da vontade divina. Esses momentos diários a sós com Deus, num colóquio sem palavras, hão de induzir-nos muitas vezes a atuar de uma determinada maneira, e não raramente a mudar ou retificar a nossa vida e o nosso comportamento para que estejam mais de acordo com o querer divino.

Sempre que notemos que Deus quer alguma coisa de nós, devemos executá-la com prontidão e alegria. Porque há muitos que se insurgem quando os projetos do Senhor não coincidem com os seus; outros que aceitam a vontade de Deus com resignação, como se tivessem que dobrar-se diante dos planos divinos por não terem outra saída; outros, enfim, que simplesmente baixam a cabeça, mas sem amor. O Senhor, porém, quer que amemos o querer divino com uma disposição de ânimo positiva e confiante, que descansa plenamente em Deus-Pai, sem por isso deixar de empregar os meios humanos exigidos por cada situação. Senhor, que queres que eu faça? Como são poucas as pessoas que alimentam no seu íntimo esta disposição de obediência plena, que renunciam à sua vontade a tal ponto que nem os desejos do seu próprio coração lhes pertencem! 12

Para adquirirmos estes vínculos fortes – mais fortes que os do sangue – de que Cristo nos fala no Evangelho, temos que procurar entregar-nos a Deus cada dia, abandonar-nos em seus braços sem reservas, mesmo sem entendermos tudo aquilo que Ele permite; ser incondicionalmente dóceis à sua ação, manifestada nas provas interiores e exteriores com que deseja purificar-nos a alma; acolher com agradecimento as inúmeras alegrias da vida familiar, do trabalho, do descanso…; aceitar e acolher também as dificuldades, obstáculos e penas que a vida traz consigo, as tentações, a secura na vida de piedade quando não se deve à tibieza…

“Devemos aceitar essa ação de Deus e essas permissões da sua Providência sem a menor reserva, sem qualquer curiosidade, inquietação ou desconfiança, porque sabemos que Deus sempre quer o nosso bem; aceitá-las com agradecimento, confiando na proximidade divina e na assistência da sua graça. Que a nossa única resposta à ação de Deus em nós seja sempre: «Seja como tu queres, Senhor; faça-se a tua vontade»” 13.

E isto perante a dor, a doença, o fracasso ou um desastre que parece irreparável… E, imediatamente, pedir forças ao nosso Pai-Deus e empregar os meios humanos que razoavelmente se possam empregar; pedir que essas contrariedades passem, se for essa a vontade divina, e pedir a graça de obter fruto sobrenatural e humano de todos os transes da vida. O que acontece cada dia no pequeno universo da nossa profissão e família, no círculo dos nossos amigos e conhecidos, pode e deve ajudar-nos a encontrar Deus providente. A aceitação e o cumprimento do querer divino são fonte de serenidade e de agradecimento. Não raras vezes acabaremos por acolher com agradecimento aquilo que a princípio nos parecia um desastre irremediável.

“A Virgem Santa Maria, Mestra de entrega sem limites. – Lembras-te? Com palavras que eram um louvor dirigido a Ela, Jesus Cristo afirma: «Aquele que cumpre a Vontade de meu Pai, esse – essa – é minha mãe!…»” 14

(1) Mc 3, 31-35; (2) Santo Agostinho, Sobre a virgindade, 3; (3) idem, Carta 243, 9-10; (4) cfr. João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 25-III-1987, 20-21; (5) Jo 4, 34; (6) cfr. São Tomás, Comentário sobre São Mateus, 14, 49-50; (7) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 754; (8) cfr. Lc 22, 42; Jo 6, 38; (9) Santa Catarina de Sena, O diálogo, 2, 6; (10) Catecismo de São Pio X, n. 472; (11) São Josemaría Escrivá, op. cit., n. 773; (12) cfr. São Bernardo, Sermão I, Sobre a conversão de S. Paulo; (13) B. Baur, En la intimidad con Dios, Herder, Barcelona, 1962, pág. 219-220; (14) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 33.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal