– O exemplo de Nossa Senhora.
– Corresponder à nossa vocação.
– O sim que o Senhor nos pede.

I. ENTRANDO NESTE MUNDO, disse o Senhor: Eis que venho, ó Deus, para fazer a tua vontade 1. A Anunciação e Encarnação do Filho de Deus é o acontecimento mais maravilhoso e extraordinário, o mistério mais tocante das relações entre Deus e os homens e o mais transcendental da humanidade: Deus faz-se homem para sempre!

No entanto, esse evento deu-se num pequeno povoado de um país praticamente desconhecido no seu tempo. Em Nazaré, “aquele que é Deus verdadeiro nasce como homem verdadeiro, sem que nada falte à integridade da sua natureza humana, conservando a totalidade da essência que lhe é própria e assumindo a totalidade da nossa essência humana, para restaurá-la” 2.

São Lucas narra com simplicidade esse supremo acontecimento: Estando Isabel no sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado por Deus a uma cidade da Galiléia chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria 3. A piedade popular representou Santa Maria recolhida em oração no momento em que recebia a embaixada do anjo: Salve, cheia de graça, o Senhor é contigo. A nossa Mãe perturbou-se ao ouvir essas palavras, mas a perturbação não a deixou paralisada. Maria conhecia bem a Escritura pela instrução que todos os judeus recebiam desde os primeiros anos e, sobretudo, pela clareza e penetração que lhe davam a sua fé incomparável, o seu profundo amor e os dons do Espírito Santo. Por isso entendeu a mensagem daquele enviado de Deus e a sua alma abriu-se completamente ao que o Senhor lhe ia pedir.

O Anjo apressa-se a tranqüilizá-la e desvenda-lhe os desígnios de Deus sobre Ela, a sua vocação: Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Eis que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai; e Ele reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim.

“O mensageiro saúda Maria como a cheia de graça; e chama-a assim como se esse fosse o seu verdadeiro nome. Não a chama pelo nome próprio: “Miryam” (Maria), mas por um nome novo: cheia de graça. E o que significa esse nome? Por que é que o arcanjo chama desse modo a Virgem de Nazaré?

“Na linguagem da Bíblia, «graça» significa um dom especial que, segundo o Novo Testamento, tem a sua fonte na vida trinitária do próprio Deus, que é amor (cfr. 1 Jo 4, 8)” 4. Maria é chamada cheia de graça porque esse nome designa o seu verdadeiro ser. Quando Deus muda o nome de uma pessoa ou lhe acrescenta um sobrenome, destina-a para algo de novo ou descobre-lhe a sua verdadeira missão na história da Salvação. Maria é chamada cheia de graça, agraciadíssima, em virtude da sua Maternidade divina.

O anúncio do Anjo descobre a Maria a sua missão no mundo, a chave de toda a sua existência. A Anunciação foi para Ela uma iluminação perfeitíssima que banhou toda a sua vida e a tornou plenamente consciente do seu papel excepcional na história da humanidade. “Maria é introduzida definitivamente no mistério de Cristo por meio desse acontecimento” 5.

Todos os dias – no Angelus –, muitos cristãos em todo o mundo recordam à Virgem esse acontecimento que foi inefável para Ela e para toda a humanidade. Procuremos introduzir-nos nessa cena e contemplar a Senhora que abraça com amorosa piedade a santa vontade de Deus. “Como enamora a cena da Anunciação! – Maria – quantas vezes temos meditado nisso! – está recolhida em oração…, aplica os seus cinco sentidos e todas as suas potências na conversa com Deus. Na oração conhece a Vontade divina; e com a oração converte-a em vida da sua vida. Não esqueças o exemplo de Nossa Senhora!” 6

II. EIS-ME AQUI para fazer a tua vontade 7.

A Santíssima Trindade tinha traçado um plano para Nossa Senhora, um destino único e absolutamente excepcional: ser a Mãe do Deus encarnado. Mas Deus pede a Maria que o aceite livremente. Maria não duvidou das palavras do anjo, como tinha feito Zacarias; manifesta, no entanto, a incompatibilidade entre a sua decisão de viver sempre a virgindade, que o próprio Deus lhe inspirara, e a concepção de um filho. É então que o Anjo lhe anuncia em termos claros e sublimes que será mãe sem perder a virgindade: O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso o Santo que de ti há de nascer será chamado Filho de Deus.

Maria escuta e pondera no seu coração essas palavras. Não há a menor resistência na sua inteligência e no seu coração: tudo está aberto à vontade divina, sem restrição nem limitação alguma. Este abandono em Deus é o que faz a alma de Maria ser boa terra, capaz de receber a semente divina 8Ecce ancilla Domini…, eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra. Nossa Senhora aceita com imensa alegria não ter outro querer senão o do seu Amo e Senhor, que desde aquele momento é também seu Filho, feito homem nas suas entranhas puríssimas.

Entrega-se sem limitação alguma, sem querer fixar condições, com júbilo e livremente. “Assim Maria, filha de Adão, consentindo na palavra divina, converteu-se em Mãe de Jesus. E, abraçando a vontade salvífica de Deus de todo o coração e sem obstáculo de pecado algum, consagrou-se totalmente como serva do Senhor à pessoa e obra do seu Filho, servindo o mistério da redenção sob Ele e com Ele, por graça de Deus onipotente. É por isso que os Santos Padres pensam com razão que Maria não foi um instrumento puramente passivo nas mãos de Deus, mas cooperou para a salvação humana com livre fé e obediência” 9.

A vocação de Santa Maria é o exemplo perfeito de toda a vocação, da chamada divina à luz da qual se entende a vida e os acontecimentos que a rodeiam, e que abre à pessoa o caminho para o Céu e para a sua plenitude sobrenatural e humana. A vocação não é tanto a escolha que a pessoa faz, como a que Deus faz da pessoa, por meio de mil circunstâncias que ela deve interpretar com fé e com um coração limpo e reto. Não fostes vós que me escolhestes, mas eu que vos escolhi 10.

“Toda a vocação, toda a existência, é por si mesma uma graça que encerra em si muitas outras. Uma graça, isto é, um dom, algo que se nos dá, que nos é presenteado sem direito algum da nossa parte, sem mérito próprio que o motive ou – menos ainda – justifique. Não é necessário que a vocação, a chamada para o cumprimento de um desígnio, a missão atribuída por Deus, seja grande ou brilhante: basta que Deus tenha querido servir-se de nós, basta o fato de que confia na nossa colaboração. Isto é já em si mesmo tão inaudito, tão grandioso, que toda uma vida dedicada ao agradecimento não seria suficiente para corresponder” 11.

Hoje será muito grato a Deus que agradeçamos as incontáveis luzes com que Ele foi balizando o itinerário da nossa chamada, e que o façamos por meio dAquela que correspondeu tão fiel e prontamente ao que o Senhor lhe pedia.

III. NE TIMEASNão temas. Aqui radica o elemento constitutivo da vocação. Com efeito, o homem teme. Teme ser chamado não só ao sacerdócio, mas também à vida, às suas obrigações, a uma profissão, ao matrimônio. Este temor põe a descoberto um sentido de responsabilidade imaturo. É preciso superar o temor para chegar a uma responsabilidade madura: é preciso aceitar a chamada, escutá-la, assumi-la, ponderá-la conforme as nossas luzes e responder: Sim, sim.

“Não temas, não temas, pois achaste a graça, não temas a vida, não temas a tua maternidade, não temas o teu matrimônio, não temas o teu sacerdócio, pois encontraste a graça. Esta certeza, esta consciência ajuda-nos da mesma forma que ajudou Maria. Efetivamente, «a terra e o paraíso esperam o teu sim, ó Virgem Puríssima». São palavras de São Bernardo, famosas e formosíssimas palavras. Esperam o teu sim, Maria. Esperam o teu sim, mãe de família que vais ter mais um filho; esperam o teu sim, homem que deves assumir uma responsabilidade pessoal, familiar e social… Esta é a resposta de Maria, a resposta de uma mãe, a resposta de um jovem: um sim para toda a vida” 12, que nos compromete gozosamente.

Mas Deus não quer um “sim” qualquer. A resposta de Maria – fiat, faça-se – é muito mais definitiva que um simples sim dito impensadamente, ou pela emoção do momento, ou com reservas mentais. A resposta de Maria significou a entrega total da sua vontade ao que Deus lhe pedia naquele momento e ao longo de toda a vida. Este fiat terá a sua culminância no Calvário quando, junto da Cruz, a Mãe se oferecer juntamente com o Filho. O sim que o Senhor nos pede, a cada um no seu próprio caminho, prolonga-se por toda a vida em chamadas sucessivas que, ao longo dos acontecimentos, são por sua vez preparação para as seguintes.

O sim a Jesus leva-nos a não pensar em nós mesmos e a estar atentos, com o coração vigilante, ao lugar de onde vem a voz do Senhor que nos vai detalhando o caminho que nos traça. E nesta correspondência amorosa vão-se entrelaçando, a cada momento e em perfeita harmonia, a nossa liberdade e a vontade divina.

Peçamos hoje a Nossa Senhora o desejo sincero e grande de conhecermos em toda a sua profundidade a vocação a que nos chama, e depois luz e força para correspondermos aos sucessivos desdobramentos dessa chamada. Que saibamos dar sempre – é o que pedimos – uma resposta rápida e firme em cada circunstância, pois somente a vocação fielmente sustentada ao longo dos dias e dos anos é que preenche uma vida e lhe dá sentido.

(1) Hebr 10, 5-7; (2) Liturgia das Horas, Segunda Leitura, São Leão Magno, Carta 28 a Flaviano, 3; (3) Lc 1, 26-37; (4) João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 25-III-1987, 8; (5) ib.; (6) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 481; (7) Sl 39, 7; Salmo responsorial da Missa do dia 25 de março; (8) cfr. M. D. Phillipe, Mistério de Maria, Rialp, Madrid, 1986, pág. 108; (9) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 56; (10) Jo 15, 16; (11) F. Suárez, A Virgem Nossa Senhora; (12) João Paulo II, Alocução, 25-III-1982.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal