TEMPO COMUM. DÉCIMO SEGUNDO DOMINGO. ANO A

– Valentia na vida ordinária.
– A nossa fortaleza baseia-se na consciência da nossa filiação divina.
– Valentia e confiança em Deus nas grandes provas e nas pequenas coisas da vida ordinária.

I. O SENHOR PEDE-NOS no Evangelho da Missa1 que vivamos sem medo, como filhos de Deus. Às vezes, encontramos pessoas angustiadas e atemorizadas pelas dificuldades da vida, por acontecimentos adversos e por obstáculos que se agigantam quando só se conta com as forças humanas para enfrentá-los. Vemos também por vezes cristãos que parecem atenazados por um medo envergonhado de falar claramente de Deus, de dizer não à mentira, de mostrar, quando necessário, a sua condição de discípulos fiéis de Cristo; têm medo do que os outros podem dizer, de um comentário desfavorável, de chamar a atenção… E como é que um discípulo de Cristo não haveria de chamar a atenção em ambientes de costumes paganizados, em que os valores econômicos são muitas vezes os valores supremos?

Jesus diz-nos que não nos preocupemos demasiado com a calúnia e a murmuração, se nos chegam a atingir. Não os temais, pois, porque não há nada oculto que não venha a descobrir-se. Que pena se mais tarde se viesse a descobrir que tivemos medo de proclamar aos quatro ventos a verdade que o Senhor nos confiou! O que vos digo em segredo, dizei-o à luz, e o que vos digo ao ouvido, pregai-o sobre os telhados. Se alguma vez nos calamos, que seja porque nesse momento o mais oportuno é calar-se por prudência sobrenatural, por caridade; nunca por temor ou por covardia. Nós, os cristãos, não somos amigos das sombras e dos cantos escuros, mas da luz, da claridade na vida e na palavra.

Vivemos uns tempos em que é mais necessário proclamar a verdade sem ambigüidades, porque a mentira e a confusão imperam por toda a parte. A sã doutrina, as normas morais, a retidão de consciência no exercício da profissão ou à hora de se viverem as exigências do matrimônio, o simples senso comum… gozam algumas vezes de menos prestígio, por absurdo que pareça, do que uma doutrina chocante e errada, que se qualifica de “valente” ou a que se dá um colorido de progresso.

Não tenhamos medo de perder o brilho de um prestígio apenas aparente, ou de sofrer a murmuração ou até a calúnia, por não irmos contra a corrente ou contra a moda do momento. Pois todo aquele que me confessar diante dos homens, eu também o confessarei diante de meu Pai que está nos céus, diz-nos o Senhor. Esta promessa divina compensa de longe as incompreensões que possamos sofrer por vivermos a nossa fé com valentia e audácia santas.

Porque tenho por certo – diz São Paulo – que os padecimentos do tempo presente nada são em comparação com a glória que há de manifestar-se em nós 2. “Portanto – comenta São Cipriano –, quem não se há de esforçar por alcançar glória tão grande, por fazer-se amigo de Deus, por alegrar-se em breve com Cristo, por receber prêmios divinos após os tormentos e suplícios desta terra? Se para os soldados deste mundo é uma glória voltarem triunfantes à sua pátria depois de abaterem o inimigo, quanto maior glória e mais plausível não será, uma vez vencido o diabo, voltarmos triunfantes para o céu […]; levarmos para lá os troféus vitoriosos […]; sentarmo-nos ao lado de Deus quando vier julgar o mundo, sermos co-herdeiros com Cristo, equipararmo-nos aos anjos e desfrutarmos com os Patriarcas, com os Apóstolos e com os Profetas da posse do Reino dos Céus?” 3

II. SEM MEDO À VIDA e sem medo à morte 4, alegres no meio das dificuldades, esforçados e abnegados perante os obstáculos e as doenças, serenos perante um futuro incerto: o Senhor pede-nos que vivamos assim. E isto será possível se considerarmos muitas vezes ao dia que somos filhos de Deus, especialmente quando somos assaltados pela inquietação, pela perturbação e pelas sombras da vida. Não se vendem dois passarinhos por um asse? Contudo, nem um deles cai na terra sem a permissão do vosso Pai. Quanto a vós, até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Portanto, não temais; valeis mais que muitos passarinhos.

O Senhor declara o imenso carinho que tem por nós e o grande valor que os homens têm para Ele. São Jerônimo, comentando esta passagem do Evangelho da Missa, escreve: “Se os passarinhos, que são tão baratos, não deixam de estar sob a providência e o cuidado de Deus, como é que vós, que pela natureza da vossa alma sois eternos, podereis temer que não vos olhe com particular solicitude Aquele a quem respeitais como Pai?”5

A filiação divina fortalece-nos no meio das fraquezas pessoais, dos obstáculos com que tropeçamos, das dificuldades de um ambiente afastado de Deus que às vezes se opõe agressivamente aos ideais cristãos. Mas o Senhor está comigo, como soldado forte, diz-nos o profeta Jeremias na primeira Leitura da Missa6. É o grito de esperança e de segura confiança do Profeta, quando se encontra só, no meio dos seus inimigos. Meu Pai-Deus está comigo como soldado forte, podemos nós repetir sempre que vejamos o perigo rondar-nos e o horizonte fechar-se. Dominus, illuminatio mea et salus mea, quem timebo? O Senhor é a minha luz e a minha salvação, a quem temerei?7

Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé8, proclamava o Apóstolo São João no meio das grandes dificuldades que provinham do mundo pagão, de um mundo em que os cristãos, como cidadãos normais que eram, exerciam as profissões e os ofícios mais variados e realizavam um apostolado eficaz. E do alicerce seguro de uma fé inamovível surge uma moral de vitória que não é orgulho nem ingenuidade, mas a firmeza alegre do cristão que, apesar das suas misérias e limitações pessoais, sabe que essa vitória foi ganha por Cristo com a sua Morte na Cruz e com a sua gloriosa Ressurreição. Deus é a minha luz e a minha salvação, a quem temerei? Nem ninguém nem nada, Senhor. Tu és a segurança dos meus dias!

III. DEVEMOS SER FORTES e valorosos diante das dificuldades, como é próprio dos filhos de Deus: Não tenhais medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perder a alma e o corpo no inferno. Jesus exorta-nos a não temer nada, exceto o pecado, que tira a amizade com Deus e conduz à condenação eterna.

O temor de Deus é um dom do Espírito Santo que facilita a luta decidida contra aquilo que nos separa dEle e que nos move a fugir das ocasiões de pecar, a não confiar em nós mesmos, a ter presente a todo o momento que temos os “pés de barro”, frágeis e quebradiços. Os males corporais, e a própria morte, não são nada em comparação com os males da alma, com o pecado.

Fora o temor de perder a Deus – que é preocupação filial e precaução para não ofendê-lo –, nada nos deve inquietar. Em determinados momentos do nosso caminho, poderão ser grandes as tribulações que padeçamos, mas o Senhor nos dará então a graça necessária para superá-las e para crescer em vida interior: Basta-te a minha graça9, dir-nos-á Jesus.

Aquele que assim estendeu a mão ao Apóstolo Paulo há de vir também em nosso auxílio. Nesses momentos de aflição, invocaremos o Senhor com fé e com humildade: “Senhor, não te fies de mim! Eu, sim, é que me fio de Ti. E ao vislumbrarmos na nossa alma o amor, a compaixão, a ternura com que Cristo Jesus nos olha – porque Ele não nos abandona –, compreenderemos em toda a sua profundidade as palavras do Apóstolo: Virtus in infirmitate perficitur, a virtude se fortalece na fraqueza (2 Cor 12, 9); com fé no Senhor, apesar das nossas misérias – ou melhor, com as nossas misérias –, seremos fiéis ao nosso Pai-Deus, e o poder divino brilhará, sustentando-nos no meio da nossa fraqueza” 10.

Ordinariamente, no entanto, devemos manifestar a nossa fortaleza e valentia em situações menos transcendentes: recusando com bons modos, mas com firmeza, um convite para ir a um lugar ou para assistir a um espetáculo em que um bom cristão deve sentir-se mal; manifestando desacordo com determinada orientação que os professores querem dar à educação dos nossos filhos; cortando essa conversa menos limpa ou convidando um amigo a umas aulas de formação cristã… Muitas vezes, são as pequenas covardias que refreiam ou impedem um apostolado de horizontes amplos. Paralelamente, são também as “pequenas valentias” que tornam uma vida eficaz.

“Na hora do desprezo da Cruz, Nossa Senhora está lá, perto do seu Filho, decidida a correr a sua mesma sorte. – Percamos o medo de nos comportarmos como cristãos responsáveis, quando isso não é cômodo no ambiente em que nos desenvolvemos: Ela nos ajudará” 11.

(1) Mt 10, 26-33; (2) Rom 8, 18; (3) São Cipriano, Epístola a Fortunato, 13; (4) cfr. São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 132; (5) São Jerônimo, Comentário ao Evangelho segundo São Mateus, 10, 29-31; (6) cfr. Jer 20, 10-13; (7) Sl 27, 1; (8) 1 Jo 5, 4; (9) 2 Cor 12, 9; (10) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 194; (11) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 977.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal