TEMPO COMUM. VIGÉSIMA QUINTA SEMANA. QUARTA‑FEIRA
– Imitar Cristo na sua compaixão pelos que sofrem.
– Fazer o que Ele faria nessas circunstâncias.
– Com a caridade, o olhar capta melhor os dons divinos.
I. ENTRE AS OBRAS de misericórdia corporais, a Igreja sempre praticou desde os primeiros tempos a de visitar e acompanhar os que padecem alguma doença, aliviando‑os na medida do possível e ajudando‑os a santificar essa situação. Ela sempre insistiu na necessidade e na urgência desta manifestação de caridade que tanto nos assemelha ao Mestre e que faz tanto bem, não só ao doente como àquele que a pratica. “Quer se trate de crianças que vão nascer, quer de pessoas anciãs, de acidentados ou de necessitados de cura, de deficientes físicos ou mentais, sempre se trata do homem, cuja credencial de nobreza está escrita nas primeiras páginas da Bíblia: Deus criou o homem à sua imagem (Gên 1, 27). Por outro lado, tem‑se dito com freqüência que se pode ajuizar de uma civilização pela maneira como se comporta com os débeis, as crianças, os enfermos, as pessoas da terceira idade…”1 Onde quer que se encontre um doente, ali devemos ver “o lugar humano por excelência, em que cada pessoa é tratada com dignidade; em que experimenta, apesar do sofrimento, a proximidade dos irmãos, dos amigos”2.
Os Evangelhos não se cansam de sublinhar o amor e a misericórdia de Jesus para com os que sofrem e a presteza com que cura os enfermos. São Pedro, na casa do centurião Cornélio, compendia a vida de Jesus na Palestina nestas palavras: Jesus de Nazaré… passou fazendo o bem e sarando…3 “Curava os doentes, consolava os aflitos, dava de comer aos famintos, libertava os homens da surdez, da cegueira, da lepra, do demônio e de diversas deficiências físicas; por três vezes restituiu a vida aos mortos. Era sensível a toda a espécie de sofrimento humano, tanto do corpo como da alma”4.
Não poucas vezes Jesus saiu por iniciativa própria ao encontro da dor e da doença. Quando vê o paralítico da piscina, que carregava a sua doença havia trinta e oito anos, pergunta‑lhe espontaneamente: Queres ficar são?5 Noutra ocasião, oferece‑se para ir à casa em que se encontrava adoentado o servo do centurião6. Não foge das doenças tidas por contagiosas e mais desagradáveis: aproximou‑se do leproso de Cafarnaum, a quem podia ter curado à distância, e tocando‑o, curou‑o7. E, como lemos no Evangelho da Missa de hoje8, quando envia os Apóstolos pela primeira vez com a missão de anunciarem a chegada do Reino, dá‑lhes ao mesmo tempo o poder de curar doenças.
A nossa Mãe a Igreja ensina que visitar o doente é visitar Cristo9, servir a quem sofre é servir o próprio Cristo nos membros enfermos do seu Corpo Místico. Que alegria podermos ouvir um dia dos lábios do Senhor: Vinde, benditos de meu Pai, porque estive enfermo e me visitastes…! Ajudastes‑me a enfrentar aquela doença, o cansaço, a solidão, o desamparo…
“Criança – Doente. – Ao escrever estas palavras, não sentis a tentação de as pôr com maiúsculas? É que, para uma alma enamorada, as crianças e os doentes são Ele”10.
II. A MISERICÓRDIA é um dos frutos da caridade, e consiste em “certa compaixão pela miséria alheia, nascida no nosso coração, pela qual – se podemos – nos vemos movidos a socorrê‑la”11. É próprio da misericórdia inclinar‑se sobre os que sofrem ou passam por alguma necessidade, e tomar as suas dores e aflições como coisa própria, para remediá‑las na medida do possível.
Por isso, quando visitamos um doente, não estamos como que cumprindo um dever de cortesia, antes fazemos nossa a sua dor, intimamente identificados com ela, e por isso surge espontaneamente em nós o desejo de acompanhar essa pessoa como gostaríamos de ser acompanhados se fôssemos nós que estivéssemos no seu lugar. Sentimos gosto em prestar‑lhe pequenos serviços, em distraí‑la com uma conversa amena e divertida, em fazê‑la falar de assuntos que lhe agradam, em ajudá‑la a rezar e a ver a mão de Deus por trás de tudo o que lhe acontece. Procuramos atuar como Cristo o faria, porque é em seu nome que prestamos essas pequenas ajudas, e nos comportamos ao mesmo tempo como se estivéssemos visitando Cristo doente, que necessita do nosso auxílio e dos nossos desvelos.
Visitar uma pessoa doente ou de alguma maneira necessitada é tornar o mundo mais humano: aproximamo‑nos do coração do homem, ao mesmo tempo que derramamos sobre ele a caridade de Cristo, que Ele mesmo coloca nos nossos corações. “Poder‑se‑ia dizer – escreve o Papa João Paulo II – que o sofrimento, presente no nosso mundo humano sob tantas formas diversas, também está presente para desencadear no homem o amor, precisamente esse dom desinteressado do próprio «eu» em favor dos outros homens, dos homens que sofrem. O mundo do sofrimento humano almeja sem cessar, por assim dizer, outro mundo diverso: o mundo do amor humano. E esse amor desinteressado, que brota do coração e das obras, o homem deve‑o de algum modo ao sofrimento”12.
Quanto bem podemos fazer sendo misericordiosos com o sofrimento alheio! Quantas graças produz na nossa alma! O Senhor dilata o nosso coração e faz‑nos entender a verdade daquelas palavras da Escritura: É maior ventura dar que receber13.
III. A MISERICÓRDIA – afirma Santo Agostinho – é o “lustro da alma”, porque a faz aparecer boa e formosa14 e porque cobre a multidão dos pecados15, pois “quem começa a compadecer‑se da miséria do outro, começa a abandonar o pecado”16.
A preocupação pelos que sofrem dá à alma uma especial finura para entender o amor de Deus. Santo Agostinho diz novamente que, amando o próximo, limpamos os olhos para podermos ver a Deus17.
O olhar torna‑se mais penetrante para captar os dons divinos. O egoísmo endurece o coração, ao passo que a caridade abre‑o às alegrias de Deus. Aqui a caridade é já um começo da vida eterna18, pois a vida eterna consistirá num ato ininterrupto de caridade19. Que melhor recompensa nos poderia dar o Senhor do que Ele mesmo, por termos ido visitá‑lo? Que maior prêmio do que aumentar‑nos a capacidade de amar os outros?
“Por muito que ames, nunca amarás bastante. O coração humano tem um coeficiente de dilatação enorme. Quando ama, alarga‑se num crescendo de carinho que ultrapassa todas as barreiras. Se amas o Senhor, não haverá criatura que não encontre lugar no teu coração”20.
Anciãos e doentes, pessoas tristes e abandonadas, todas elas formam hoje uma legião cada vez maior de seres doentes que reclamam a atenção e a ajuda particular dos cristãos. “Haverá entre eles os que sofrem nos seus domicílios os rigores da doença ou da pobreza envergonhada. Existem atualmente, como sabemos, numerosos hospitais e asilos de velhos, promovidos pelo Estado e por outras instituições, bem dotados do ponto de vista material e destinados a acolher um número crescente de necessitados. Mas esses grandes edifícios albergam com freqüência multidões de indivíduos solitários, que vivem espiritualmente em completo abandono, sem companhia nem carinho de parentes e amigos”21. A nossa atenção e companhia a essas pessoas que sofrem atrairá sobre nós a misericórdia do Senhor, da qual andamos tão carecidos.
Não nos omitamos no cumprimento desta obra de fina caridade, desinteressada e generosa, argumentando que não dispomos de tempo, adiando‑a indefinidamente, telefonando ou mandando recados em vez de ir pessoalmente. Sejamos assíduos e solícitos nessas visitas. E o Senhor nos recompensará, aumentando‑nos a virtude da caridade e olhando com indulgência para os nossos erros e faltas.
Na Liturgia das Horas, lê‑se hoje uma súplica ao Senhor que bem podemos fazer nossa ao terminarmos estes minutos de meditação: Fazei com que saibamos descobrir‑Vos em todos os nossos irmãos, sobretudo nos que sofrem e nos pobres22. Muito perto dos que sofrem, encontraremos sempre Maria, Saúde dos enfermos, Consoladora dos aflitos. Ela prepara o nosso coração para que nunca passemos ao largo de um amigo doente, de quem padece alguma necessidade da alma ou do corpo.
(1) Paulo VI, Alocução, 24.05.74; (2) ibid.; (3) At 10, 38; (4) João Paulo II, Carta Apostólica Salvifici doloris, 11.02.84, 16; (5) Jo 5, 6; (6) cfr. Mt 8, 7; (7) Mt 8, 3; (8) Lc 9, 1‑6; (9) cfr. Mt 25, 36‑44 e segs.; (10) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 419; (11) Santo Agostinho, A cidade de Deus, 9, 5; (12) João Paulo II, Carta Apostólica Salvifici doloris, 29; (13) At 20, 35; (14) Santo Agostinho, em Catena Aurea, vol. VI; (15) cfr. 1 Pe 4, 8; (16) Santo Agostinho, em Catena Aurea; (17) Santo Agostinho, Comentário ao Evangelho de São João, 17, 8; (18) 1 Jo 3, 14; (19) cfr. São Tomás de Aquino, Suma teológica, I‑II, q. 114, a. 4; (20) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Via Sacra, VIIIª est., n. 5; (21) José Orlandis, Las ocho bien-aventuranzas,EUNSA, Pamplona, 1982, pág. 105; (22) Liturgia das Horas, Preces de Laudes.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal