TEMPO COMUM. DÉCIMA SEGUNDA SEMANA. SEXTA-FEIRA

– É uma virtude exigida pelo amor, pela fé e pela vocação.
– O fundamento da fidelidade.
– Amor e fidelidade no pormenor.

I. A SAGRADA ESCRITURA fala-nos da virtude da fidelidade, da necessidade de mantermos a promessa, o compromisso livremente aceito, o empenho em acabar uma missão a que nos tenhamos comprometido. O Senhor disse a Abraão: Anda na minha presença e sê fiel. Guarda o pacto que faço contigo e com os teus descendentes por todas as gerações 1. A firmeza da aliança com o Patriarca e com os seus descendentes será contínua fonte de bênçãos e de felicidade; e, pelo contrário, a transgressão desse pacto por parte de Israel será a causa dos seus males.

Deus pede fidelidade aos homens porque Ele próprio nos é sempre fiel, apesar das nossas fraquezas e debilidades. Javé é o Deus da lealdade 2rico em amor e fidelidade 3fiel em todas as suas palavras4, e a sua fidelidade permanece para sempre 5. Os que são fiéis são-lhe muito gratos6, e Ele lhes promete um dom definitivo: quem for fiel até à morte receberá a coroa da vida 7.

Jesus fala muitas vezes desta virtude ao longo do Evangelho: põe-nos diante dos olhos o exemplo do servo fiel e prudente, do criado bom e leal, do administrador honesto. A idéia da fidelidade penetrou tão fundo na vida dos primeiros cristãos que o título de fiéis bastou para designar os discípulos de Cristo8. São Paulo, que havia dirigido inúmeras exortações àquela primeira geração para que vivesse esta virtude, quando sente próxima a sua morte entoa um canto à fidelidade. Escreve a Timóteo: Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Já me está preparada a coroa da justiça, que naquele dia o Senhor, justo Juiz, me concederá, e não só a mim, mas a todos os que amam a sua vinda 9.

A fidelidade consiste em cumprir o que se prometeu, conformando assim as palavras com os atos10. Somos fiéis se guardamos a palavra dada, se mantemos firmemente os compromissos adquiridos, apesar dos obstáculos e dificuldades. A perseverança está intimamente ligada a esta virtude e muitas vezes identifica-se com ela.

O âmbito da fidelidade é muito vasto: com Deus, entre marido e mulher, entre os amigos… É uma virtude essencial: sem ela, é impossível a convivência. Referida à vida espiritual, relaciona-se estreitamente com o amor, com a fé e com a vocação. “Faz-me tremer aquela passagem da segunda epístola a Timóteo, quando o Apóstolo se dói de que Demas tenha fugido para Tessalônica, atrás dos encantos deste mundo… Por uma bagatela, e por medo das perseguições, atraiçoa a tarefa divina um homem que São Paulo cita, em outras epístolas, entre os santos.

“Faz-me tremer, conhecendo a minha pequenez; e leva-me a exigir de mim fidelidade ao Senhor até nos fatos que podem parecer indiferentes, porque, se não me servem para unir-me mais a Ele, não os quero!”11 Para que nos servem, se não nos levam a Cristo?

Anda na minha presença e sê fiel. Guarda o pacto que faço contigo, diz-nos Deus continuamente no íntimo do nosso coração.

II. A NOSSA ÉPOCA não se caracteriza pelo florescimento da virtude da fidelidade. Talvez por isso o Senhor nos peça que saibamos apreciá-la mais, tanto nos nossos compromissos de entrega livremente adquiridos com Deus, como na vida humana, no relacionamento com os outros.

Muitos se perguntam: como pode o homem, que é mutável, fraco e instável, comprometer-se por toda a vida? Pode!, porque a sua fidelidade é sustentada por Aquele que não é mutável, nem fraco, nem instável; por Deus. Fiel é Javé em todas as suas palavras12. É Ele quem sustenta essa disposição do homem que quer ser leal aos seus compromissos, sobretudo ao mais importante de todos: àquele que diz respeito a Deus – e aos homens por Deus –, como é o da vocação para uma entrega plena, para a santidade. Toda a dádiva boa, todo o dom perfeito vem do alto, desce do Pai das luzes, no qual não há mudança13. “Cristo – diz João Paulo II – necessita de vós e vos chama para ajudardes milhões de irmãos vossos a serem plenamente homens e a salvar-se. Vivei com esses nobres ideais nas vossas almas […]. Abri os vossos corações a Cristo, à sua lei de amor, sem condicionar a disponibilidade, sem medo das respostas definitivas, porque o amor e a amizade não têm fim”14, porque o amor não envelhece.

São Tomás ensina que amamos alguém quando queremos o bem para ele; se, no entanto, o procuramos para tirar algum proveito pessoal, porque nos agrada ou nos é útil para alguma coisa, então não o amamos propriamente: desejamo-lo15. Quando amamos, toda a nossa pessoa se entrega a esse amor, para além dos gostos e dos estados de ânimo: “O pagamento, a diária do amor, é receber mais amor”16.

Temos que pedir a Deus a firme persuasão de que o principal no amor não é o sentimento, mas a vontade e as obras; e de que o amor exige esforço, sacrifício e entrega. O sentimento não oferece base segura para construir algo tão fundamental como a fidelidade. Esta virtude bebe a sua firmeza no amor verdadeiro. Por isso, quando o amor – humano ou divino – já passou pelo período de maior sentimento, o que resta não é o menos importante, mas o essencial, o que dá sentido a tudo.

O Senhor tem para cada homem, para cada um em concreto, uma chamada, um desígnio, uma vocação. Ele prometeu que sustentará essa chamada no meio das variadas tentações e dificuldades pelas quais uma vida pode passar. E para demonstrar-nos essa permanência da sua solicitude, emprega uma comparação que todos entendemos bem: a do amor e dos cuidados que uma mãe tem para com os seus filhos. Imaginem, diz-nos, uma mãe profundamente mãe, não a mãe egoísta – se é que pode haver –, que anda metida nas suas coisas. Como pode uma mãe assim esquecer-se do seu filho?17 Parece-nos impossível, mas imaginemos contudo que se esquecesse do filho, que não se importasse com ele. Mesmo nesse caso, Eu, diz-nos o Senhor, jamais me esqueceria de ti, da tua tarefa na vida, do meu desígnio amoroso sobre ti, da tua vocação. A fidelidade é a correspondência amorosa a esse amor de Deus. Sem amor, não demoram a aparecer as gretas, as fissuras e, por fim, a deserção.

III. O QUE PODEREI DAR ao Senhor por todos os benefícios que me fez?18 Todos podemos fazer o que está ao nosso alcance para assegurar a fidelidade. A perseverança até o final da vida torna-se possível com a fidelidade nas pequenas situações de cada dia e com o recomeçar sempre que tenha havido algum passo em falso por fraqueza. Em muitos momentos da vida, a fidelidade a Deus concretiza-se na fidelidade à vida de oração, a essas devoções e costumes que nos mantêm bem junto do Senhor. Um homem ou mulher de oração sabe sempre sair das ciladas que lhe armam as suas tendências desordenadas, os seus desânimos ou as misérias próprias ou alheias. Porque no colóquio silencioso com Deus, em que a alma se desnuda, esse homem ou mulher fortalece ou recupera o critério claro e as energias para resistir. Sabe que é uma loucura trocar uma prova de predileção do Senhor – como é a chamada para um compromisso por toda a vida – por um prato de lentilhas19, isto é, pela miragem de um amorico que não tardará a desvanecer-se, por uma mal-entendida liberdade que parece um libertar-se de vínculos e, a curto prazo, se revela corrente que escraviza.

O amor “é o peso que me arrasta”20, o centro de gravidade, o norte da nossa alma na tarefa da fidelidade. Por isso, o amor a Deus, que não permite muros nem divisões entre o homem e o seu Deus, leva à sinceridade, suporte seguro da fidelidade. Sinceridade, em primeiro lugar, na intimidade da consciência: reconhecer e chamar pelo seu nome os desejos, pensamentos, aspirações e sonhos, mesmo quando ainda nem sequer tomaram corpo, mas já se percebe que rumam para fora do próprio caminho. E, imediatamente, sinceridade com Deus, uma sinceridade humilde que pede ajuda de verdade, não para justificar a infidelidade com argumentos falazes, mas para perseverar até à morte; e sinceridade com quem nos orienta espiritualmente a alma, manifestando-lhe esses sintomas do egoísmo que tentam instalar-se no coração de qualquer maneira. Assim sairemos sempre vencedores e mais fortes que nunca.

As virtudes da fidelidade e da lealdade devem informar todas as manifestações da vida do cristão: relacionamento com Deus, com a Igreja, com o próximo, no trabalho, nos deveres de estado… E vive-se a fidelidade em todas as suas formas quando se é fiel à vocação recebida de Deus, porque nela estão integrados todos os demais valores a que devemos lealdade e fidelidade. Se faltasse a fidelidade a Deus, tudo se quebraria em mil pedaços e a vida se transformaria em cascalho.

“O Coração de Jesus, o Coração humano de Deus-Homem, está abrasado pela chama vivado Amor trinitário, que jamais se extingue”21 e é fiel no seu amor pelos homens. Nós devemos aprender desse amor fiel. E também dirigir-nos a Maria: Virgo fidelis, ora pro nobis, ora pro me – Virgem fiel, rogai por nós, rogai por mim.

(1) Gên 17, 1-9; Primeira leitura da Missa da sexta-feira da décima segunda semana do TC, ano ímpar; (2) Deut 3, 4; (3) Êx 34, 6-7; (4) Sl 144, 13; (5) Sl 116, 1-2; (6) cfr. Prov 12, 22; (7) cfr. Apoc 2, 20; (8) At 10, 45; (9) 2 Tim 4, 7; (10) cfr. São Tomás, Suma Teológica, II-II, q. 110, a. 3; (11) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 343; (12) Sl 144, 3; (13) Ti 1, 17; (14) João Paulo II, Discurso, Xavier, Espanha, 6-XI-1982; (15) São Tomás, op. cit., I-II, q. 26, a. 4; (16) São João da Cruz, Cântico espiritual, 9, 7; (17) cfr. Is 49, 15; (18) Sl 115, 21; (19) cfr. Gên 25, 29-34; (20) Santo Agostinho, op. cit., 13, 9; (21) João Paulo II, Meditação dominical, 23-VI-1986.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.