TEMPO COMUM. VIGÉSIMA NONA SEMANA. TERÇA-FEIRA

– Com as lâmpadas acesas.
– A luta nas coisas que parecem sem importância manter-nos-á vigilantes.
– Estar atentos contra a tibieza.

I. ESTEJAM CINGIDOS os vossos rins, tende nas vossas mãos lâmpadas acesas, e fazei como os homens que esperam o seu senhor quando volta das bodas, para que, quando vier e bater à porta, loga lha abram, lemos no Evangelho da Missa1.

“Cingir os rins” é uma metáfora baseada nos costumes dos hebreus, e em geral de todos os habitantes do Oriente Médio, que cingiam as suas amplas vestes antes de começarem uma viagem para poderem caminhar sem dificuldade. No relato do Êxodo, narra-se como Deus queria que os israelitas celebrassem o sacrifício da Páscoa: Cingireis os vossos rins e tereis as sandálias nos pés e o bordão na mão2, porque ia começar a peregrinação até à Terra Prometida. Do mesmo modo, ter as lâmpadas acesas indica uma atitude atenta, própria de quem espera a chegada de alguém.

O Senhor recomenda-nos uma vez mais que a nossa atitude seja como a daquele que está a ponto de começar uma viagem ou de quem espera uma pessoa importante. A situação do cristão não pode ser de sonolência e de descuido. E isto por duas razões: porque o inimigo está sempre à espreita, como um leão que ruge, buscando a quem devorar3, e porque quem ama não dorme4.

“Vigiar é próprio do amor. Quando se ama uma pessoa, o coração está sempre vigilante, esperando-a, e cada minuto que passa sem ela é em função dela e transcorre em vigilância […]. Jesus pede amor. Por isso solicita vigilância”5.

Na Itália, muito perto de Castelgandolfo, há uma imagem de Nossa Senhora, colocada numa bifurcação de estradas, que tem a seguinte inscrição: Cor meum vigilat. O Coração da Virgem está sempre vigilante por Amor. Assim deve estar o nosso: vigilante por amor e para descobrir o Amor que passa perto de nós. Santo Ambrósio ensina que, se a alma está adormecida, Jesus passa por nós sem bater à nossa porta, mas, se o coração está desperto, bate e pede que lhe abramos6. Muitas vezes ao longo do dia, Jesus passa ao nosso lado. Que pena se a tibieza nos impedisse de vê-lo!

Eu te amo, Senhor, minha fortaleza, meu baluarte, meu libertador! (Sl 17, 2-3). Tu és o mais desejável e o mais amável de todos os seres que se possa imaginar. Meu Deus, minha ajuda! Eu te amarei na medida do que me concederes e do que eu puder, muito menos do que o devido, mas não menos do que posso… Poderei mais se aumentares a minha capacidade, mas nunca chegarei ao que mereces”7. Não permitas que, por falta de vigilância, outras coisas ocupem o lugar que só Tu deves ocupar. Ensina-me a manter a alma livre para Ti e o coração preparado para quando chegares.

II. FICAREI DE SENTINELA e montarei guarda para perscrutar o que o Senhor me vai dizer e o que hei de responder à sua chamada8. São Bernardo, comentando estas palavras do Profeta, exorta-nos:

“Estejamos também nós vigilantes, irmãos, porque é a hora do combate”9. É necessário lutar todos os dias, freqüentemente em pequenos detalhes, porque todos os dias encontraremos obstáculos que nos podem separar de Deus.

Muitas vezes, o empenho por manter-nos nesse estado de vigília, bem oposto à tibieza, concretizar-se-á em sermos suficientemente fortes para cumprirmos com toda a delicadeza os nossos atos de piedade, esses encontros com o Senhor que nos enchem de força e de paz. Devemos estar atentos para não os abandonarmos por qualquer imprevisto e não nos deixarmos levar pelo estado de ânimo desse dia ou desse momento.

Outras vezes, a nossa luta estará mais centrada no modo de viver a caridade, corrigindo formas destemperadas do caráter (do mau caráter), esforçando-nos por ser cordiais, por ter bom humor…; ou teremos que empenhar-nos em realizar melhor o nosso trabalho, em ser mais pontuais, em empregar os meios adequados para que a nossa formação humana, profissional e espiritual não estanque…

Este estado de vigília, como o da sentinela que guarda a cidade, não nos garantirá sempre a vitória: juntamente com as vitórias, teremos derrotas (metas que não pudemos alcançar, propósitos que não pudemos levar à prática totalmente…). Ordinariamente, muitos desses fracassos não terão importância; outros, sim. Mas o desagravo e a contrição aproximar-nos-ão ainda mais do Senhor, e dar-nos-ão forças para recomeçar…“O grave – escreve São João Crisóstomo a uma pessoa que se tinha separado da verdadeira fé – não é que quem luta caia, mas que permaneça caído; o grave não é que alguém seja ferido na batalha, mas que se desespere depois de ter recebido o golpe e não cuide da ferida”10.

Não esqueçamos que, nesta luta em pequenas coisas, a alma se fortalece e se prepara cada vez melhor para ouvir as contínuas inspirações e moções do Espírito Santo. E, em sentido contrário, é também no descuido dos pormenores que parecem sem importância, que o inimigo se torna perigoso e difícil de vencer. “Devemos convencer-nos de que o maior inimigo da rocha não é a picareta ou o machado, nem o golpe de qualquer outro instrumento, por mais contundente que seja: é essa água miúda, que se infiltra, gota a gota, por entre as fendas do penhasco, até arruinar a sua estrutura. O maior perigo para o cristão é desprezar a luta nessas escaramuças que calam pouco a pouco na alma, até a tornarem frouxa, quebradiça e indiferente, insensível aos apelos de Deus”11.

III. É TÃO GRATA a Deus a atitude da alma que, dia após dia e hora após hora, aguarda vigilante a chegada do seu Senhor, que Jesus exclama na parábola que nos propõe: Bem-aventurados aqueles servos a quem o seu amo achar vigilantes quando vier. Esquecendo quem é o servo e quem é o senhor, o amo fará o criado sentar-se à mesa e ele mesmo o servirá. É o amor infinito que não teme inverter os postos que cabem a cada um: Na verdade vos digo que se cingirá e os fará sentar-se à mesa, e, passando por entre eles, os servirá. As promessas de intimidade superam qualquer coisa que possamos imaginar. Vale a pena permanecermos vigilantes, com a alma cheia de esperança, atentos aos passos do Senhor que chega.

O coração de quem ama está alerta, como a sentinela na trincheira; quem é tíbio, dorme. O estado de tibieza é semelhante a uma ladeira que cada vez nos separa mais de Deus. Quase insensivelmente, nasce uma certa preocupação por não cometer exageros, por ficar num ponto de equilíbrio suficiente para não cair em pecado mortal, ainda que freqüentemente se aceite o venial.

E justifica-se essa atitude de pouca luta e de falta de exigência pessoal com argumentos de naturalidade, de eficácia, de saúde…, que ajudam o tíbio a ser indulgente com os seus pequenos afetos desordenados, com o apego a pessoas ou coisas, com a tendência para o comodismo e com os caprichos…, que chegam a apresentar-se como uma necessidade. As forças da alma vão-se debilitando cada vez mais, até se chegar, se não se põe remédio, a pecados mais graves.

A alma adormecida na tibieza vive sem verdadeiros objetivos na luta interior, sem objetivos que atraiam e animem. “Vai-se vivendo”.

Abandona-se o empenho por melhorar ou trava-se uma luta fictícia e ineficaz. Fica no coração um vazio de Deus que se tenta preencher com coisas que, não sendo Deus, não satisfazem. Toda a vida de relação com o Senhor passa a estar impregnada de um desalento bem característico. Perde-se a prontidão e a alegria na entrega a Deus, e a fé fica apagada, precisamente porque o amor esfriou. O estado de tibieza sempre é precedido por um conjunto de pequenas infidelidades cujo peso influi nas relações da alma com Deus.

Estejam cingidos os vossos rins e tende nas vossas mãos lâmpadas acesas… É um apelo para que nos mantenhamos atentos aos passos do Senhor, fixando a luta diária em pontos bem concretos. Ninguém esteve mais atento à chegada de Cristo na terra do que a sua Mãe Santa Maria. Ela nos ensinará a manter-nos vigilantes se alguma vez sentimos que a sonolência espiritual começa a apossar-se de nós.

“Senhor, como és bom para quem Te busca! E como serás então para quem Te encontra?”12 Nós já o encontramos. Não o percamos.

(1) Lc 12, 35-38; (2) Êx 12, 11; (3) cfr. 1 Pe 5, 8; (4) cfr. Cânt 2, 5; (5) Chiara Lubich, Meditações; (6) cfr. Santo Ambrósio, Comentário ao Salmo 18; (7) São Bernardo, Tratado sobre o amor de Deus, VI, 16; (8) Hab 2, 1; (9) São Bernardo, Sermão 5, 4; (10) São João Crisóstomo, Exortação II a Teodósio caído, 1; (11) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 77; (12) São Bernardo, Tratado sobre o amor de Deus, VII, 22.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal