TEMPO DO ADVENTO. PRIMEIRA SEMANA. QUINTA-FEIRA
– Identificar a nossa vontade com a de Deus. Como é que Ele nos manifesta a sua vontade. Vontade de Deus e santidade.
– Outros modos de a vontade de Deus se manifestar na nossa vida: a obediência. Imitar Jesus no seu ardente desejo de cumprir a vontade de seu Pai-Deus. Humildade.
– Cumprir a vontade de Deus nos momentos em que custa ou é ingrata ou difícil.
I. A VIDA DE UMA PESSOA pode edificar-se sobre alicerces muito diferentes: sobre rocha, sobre barro, sobre fumaça, sobre ar... O cristão só tem um alicerce firme em que se apoiar com segurança: o Senhor é a rocha permanente1.
O Evangelho da Missa2 fala-nos de duas casas. Numa delas, houve talvez a intenção de economizar nos alicerces, ou pode ter havido pressa em terminá-los. Não se pôs o devido cuidado. O Senhor chama homem louco a quem edificou dessa maneira. As duas casas ficaram prontas e pareciam iguais, mas tinham alicerces muito diferentes: uma delas estava apoiada sobre pedra firme, a outra não. Passou algum tempo e chegaram as dificuldades que haveriam de pôr à prova a solidez da construção. Certo dia, desabou um temporal: Caiu a chuva, transbordaram os rios e sopraram os ventos contra aquela casa. Foi o momento da prova. Uma das casas manteve-se firme na sua estrutura; a outra ruiu estrepitosamente e o desastre foi completo.
A nossa vida só pode ser edificada sobre Cristo, nossa única esperança, nosso único alicerce. E isto quer dizer, em primeiro lugar, que devemos procurar identificar a nossa vontade com a dEle.
A nossa adesão não há de ser prestada a uma figura esbatida de Cristo, mas ao seu querer e à sua Pessoa. Nem todo aquele que diz Senhor, Senhor, entrará no Reino dos céus, mas aquele que cumpre a vontade de meu Pai que está nos céus, lemos no Evangelho da Missa de hoje.
A vontade de Deus é a bússola que nos indica em cada instante o caminho que nos leva até Ele; é, ao mesmo tempo, a trilha da nossa felicidade. Que grande alegria há de ser a nossa, se pudermos dizer no final dos nossos dias: procurei sempre conhecer e seguir em tudo a vontade de Deus! Não nos hão de alegrar tanto os êxitos que tivermos obtido, nem nos hão de importar excessivamente os fracassos e os sofrimentos que tivermos experimentado. O que nos haverá de importar, e muito, será ver se correspondemos ao querer de Deus sobre a nossa vida, esse querer que umas vezes se manifestou em termos gerais e outras de modo muito concreto. Sempre com a suficiente clareza, se não fomos cegando a luz da alma que é a consciência.
O cumprimento amoroso da vontade de Deus é ao mesmo tempo o cume de toda a santidade: “Todos os fiéis cristãos santificar-se-ão cada dia mais nas condições, ocupações ou circunstâncias da sua vida, e através de todas elas, se aceitarem tudo como proveniente da mão do Pai celestial e colaborarem com a vontade divina…”3 É aí que se demonstrará o nosso amor a Deus e também o grau da nossa união com Ele.
II. O SENHOR MANIFESTA-NOS a sua vontade não só através dos mandamentos de Deus e da Igreja, e das obrigações próprias da nossa vocação e estado de vida, mas também através das pessoas a quem devemos obediência e dos conselhos que recebemos de quem orienta a nossa alma.
O fundamento último da obediência não está nas qualidades – inteligência, personalidade, experiência, idade – de quem manda. Jesus superava infinitamente Maria e José – era Deus –, e, no entanto, obedecia-lhes4. Mais ainda, “Jesus Cristo, cumprindo a vontade do Pai, inaugurou na terra o Reino dos céus, revelou-nos o seu mistério e realizou a redenção por meio da sua obediência”5.
Os que pensam que a obediência é uma submissão indigna do homem e própria de pessoas pouco amadurecidas devem considerar que o Senhor se fez obediente até à morte, e morte de cruz6.
Cristo obedece por amor, para cumprir a vontade de seu Pai; este é o sentido da obediência cristã, tanto da que se deve a Deus, aos seus mandamentos, e à Igreja, como da que se deve aos pais e aos que de um modo ou de outro têm autoridade sobre nós na nossa vida profissional, social, etc., cada uma na sua ordem.
Para obedecermos como Jesus obedeceu, é necessário que, além de termos um ardente desejo de cumprir a vontade de Deus na nossa vida, sejamos humildes. Não há lugar para o espírito de obediência numa alma dominada pela soberba. Só o humilde aceita com gosto outro critério diferente do seu – o de Deus –, e a ele ajusta os seus atos.
Quem não for humilde rejeitará abertamente as indicações que lhe forem dadas ou as aceitará externamente, mas sem lhes reservar um espaço real no seu coração, porque as submeterá à discussão crítica e a limitações, e perderá o sentido sobrenatural próprio da obediência. “Estejamos precavidos, portanto, visto que a nossa tendência para o egoísmo não morre, e a tentação pode insinuar-se de muitas maneiras. Deus exige que, ao obedecer, ponhamos em movimento a fé, porque a sua vontade não se manifesta com aparato ruidoso. Às vezes, o Senhor sugere o seu querer como que em voz baixa, lá no fundo da consciência; e é necessário escutarmos atentamente, para sabermos distinguir essa voz e ser-lhe fiéis”. Mas “muitas vezes fala-nos através de outros homens, e pode acontecer que, à vista dos defeitos dessas pessoas, ou pensando que não estão bem informadas, que talvez não tenham entendido todos os dados do problema, surja como que um convite para não obedecer”7. No entanto, o nosso desejo humilde de cumprir a vontade de Deus transporá esse e outros obstáculos que possam apresentar-se à nossa obediência.
A humildade dá-nos paz e alegria para realizarmos o que foi mandado até nos menores detalhes. O humilde sente-se alegremente livre ao obedecer. “Quando nos submetemos humildemente à voz alheia, superamo-nos a nós próprios no coração”8 e vencemos o egoísmo que nos escraviza.
A obediência é indispensável na ação apostólica. Sem obediência, de nada serviriam os meios humanos e o nosso esforço; tudo seria inútil diante de Deus. De nada serviria aplicar todas as energias de uma vida numa obra humana, se não contássemos com o Senhor. Até os aspectos mais valiosos das nossas obras ficariam sem fruto se prescindíssemos do desejo de cumprir a vontade de Jesus: “Deus não necessita dos nossos trabalhos, mas da nossa obediência”9.
III. A VONTADE DE DEUS manifesta-se também nas coisas que Ele permite e que não sucedem como esperávamos ou até são totalmente contrárias ao que desejávamos ou havíamos pedido com insistência na oração. É esse o momento de intensificarmos a nossa oração e de fixarmos mais os olhos em Jesus Cristo, especialmente quando os acontecimentos se revestem de particular dureza e dificuldade: a doença, a morte de um ser querido, a dor dos que mais amamos…
O Senhor fará com que nos unamos à sua oração: Não se faça como eu quero, Pai, mas como Tu queres10.Não se faça a minha vontade, mas a tua11. Ele quis compartilhar conosco até mesmo aquilo que às vezes a dor tem de injusto e de incompreensível. Mas também nos ensinou a obedecer até à morte, e morte de cruz12.
Se alguma vez tivermos que sofrer muito, as nossas lágrimas não ofenderão a Deus. Mas deveremos dizer imediatamente: Pai, faça-se a tua vontade. A imagem de Jesus no Horto de Getsêmani dir-nos-á como proceder nesses momentos: teremos que abraçar a vontade de Deus sem estabelecer-lhe limites ou condições de nenhum tipo, e agarrar-nos a uma oração perseverante. E então diremos interiormente na nossa oração pessoal: “Tu o queres, Senhor?… Eu também o quero!”13 E virá a paz, a serenidade à nossa alma e à nossa volta.
A fé faz-nos ver uma sabedoria superior por trás de cada acontecimento: “Deus sabe mais. Nós, os homens, compreendemos pouco do seu modo paternal e delicado de nos conduzir até Ele”14. Há uma providência por trás de cada acontecimento; tudo está ordenado e disposto para que sirva melhor à salvação de cada um – absolutamente tudo, tanto o que sucede num âmbito mais geral como o que acontece cada dia no pequeno universo da nossa profissão e família. Todas as coisas podem e devem ajudar-nos a encontrar o Senhor e, portanto, a encontrar a paz e a serenidade em nossa alma:Tudo contribui para o bem dos que amam a Deus15.
O cumprimento da vontade de Deus é fonte de serenidade e de paz. Os santos deixaram-nos o exemplo de uma obediência sem condições à vontade divina. Assim se expressava São João Crisóstomo: “Em todas as ocasiões eu digo: Senhor, faça-se a tua vontade; não o que quer este ou aquele, mas o que tu queres que eu faça. Esta é a minha fortaleza, esta é a minha rocha inamovível, este é o meu báculo seguro”16.
Terminamos a nossa oração pedindo juntamente com a Igreja: Ó Senhor nosso e nosso Deus, a cujos desígnios se submeteu a Virgem Imaculada, aceitando na Anunciação do anjo que o vosso Filho se encarnasse no seu seio, Vós que a transformastes por obra do Espírito Santo em templo da vossa divindade, concedei-nos, seguindo o seu exemplo, a graça de aceitar os vossos desígnios com humildade de coração17.
(1) Is 26, 5; Primeira leitura da Missa da quinta-feira da primeira semana do Advento; (2) Mt 7, 21; 24-27; (3) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 41; (4) Lc 2, 51; (5) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 3; (6) Fil 2, 8; (7) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 17; (8) São Gregório Magno, Moralia, 35, 14; (9) São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 56, 5; (10) Mc 14, 36; (11) Lc 22, 42; (12) Fil 2, 8; (13) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, 9ª ed., Quadrante, São Paulo, 1999, n. 762; (14) Álvaro del Portillo, Apresentação de Amigos de Deus, Quadrante, São Paulo, 1979; o grifo é nosso; (15) Rom 8, 28; (16) São João Crisóstomo, Homilia antes do exílio, 1-3; (17) Coleta da Missa do dia 20 de dezembro.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal