TEMPO DO ADVENTO. PRIMEIRA SEMANA. QUARTA-FEIRA

– Recorrer sempre à misericórdia do Senhor. Meditar a sua vida para aprender a ser misericordiosos.
– O Senhor é especialmente compassivo e misericordioso para com os pecadores que se arrependem. Recorrer ao sacramento da misericórdia. O nosso comportamento em relação aos outros.
– As obras de misericórdia.

I. APROXIMOU-SE DELE uma grande multidão, trazendo consigo paralíticos, cegos, aleijados, surdo-mudos e muitos outros, lemos no Evangelho da Missa de hoje; e os estenderam aos seus pés, e Ele os curou. A multidão admirava-se vendo que os mudos falavam, os aleijados saravam, os paralíticos andavam e os cegos viam

Jesus chamou os seus discípulos e disse-lhes: Tenho compaixão da multidão1. Esta é a razão pela qual o coração de Jesus se comove tantas vezes. Levado pela sua misericórdia, fará a seguir o esplêndido milagre da multiplicação dos pães.

A liturgia faz-nos considerar esta passagem do Evangelho durante o tempo do Advento porque a abundância de bens e a misericórdia sem limites haviam de ser sinais da chegada do Messias. Este é o grande motivo que nos há de levar a dar-nos aos outros, a ser compassivos e a ter misericórdia. E para aprendermos a ser misericordiosos, devemos reparar em Jesus, que vem salvar o que estava perdido; não vem acabar de quebrar a cana rachada nem apagar completamente a mecha que ainda fumega2, mas assumir as nossas misérias e assim salvar-nos delas, compadecer-se dos que sofrem e dos necessitados. Cada página do Evangelho é uma prova da misericórdia divina.

Devemos meditar a vida de Jesus porque “Jesus Cristo resume e compendia toda a história da misericórdia divina […]. Ficaram muito gravadas em nós, entre tantas cenas do Evangelho, a clemência com a mulher adúltera, as parábolas do filho pródigo, da ovelha perdida e do devedor perdoado, a ressurreição do filho da viúva de Naim. Quantas razões de justiça para explicar este grande prodígio! Morreu o filho único daquela pobre viúva, aquele que dava sentido à sua vida e podia ajudá-la na sua velhice. Mas Cristo não faz o milagre por justiça; Ele o faz por compaixão, porque se comove interiormente perante a dor humana”3. Jesus que se comove perante a nossa dor!

A misericórdia de Deus é a essência de toda a história da salvação, o porquê de todos os atos salvíficos. Quando os Apóstolos quiserem resumir a Revelação, aludirão sempre à misericórdia como eixo de um plano eterno e gratuito, generosamente preparado por Deus. O salmista pode assegurar com toda a razão quea terra está repleta da misericórdia do Senhor4.

A misericórdia é a atitude constante de Deus para com o homem. E recorrer a ela é o remédio universal para todos os nossos males, incluídos aqueles que julgamos não terem remédio.

Meditar na misericórdia divina dar-nos-á uma grande confiança agora e na hora da nossa morte, como rezamos na Ave-Maria. É fonte de muita alegria podermos dizer ao Senhor, com Santo Agostinho: “Toda a minha esperança apóia-se somente na vossa grande misericórdia!”Só nisso, Senhor. Na vossa misericórdia apóia-se toda a minha esperança. Não nos meus méritos, mas na vossa misericórdia.

II. DE FORMA ESPECIAL, o Senhor mostra a sua misericórdia para com os pecadores perdoando-lhes os pecados. Os fariseus criticavam-no freqüentemente por isso, mas Ele lhes responde dizendo que os sãos não necessitam de médico, mas os enfermos6. Nós, que estamos enfermos, que somos pecadores, precisamos de recorrer muitas vezes à misericórdia divina. Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia e dai-nos a vossa salvação7, repete continuamente a Igreja neste tempo litúrgico.

Em inúmeras ocasiões, cada dia, teremos que abeirar-nos do Coração misericordioso de Jesus e dizer-lhe: Senhor, se queres, podes limpar-me8. Especialmente quando nos sentimos manchados, “o conhecimento de Deus, do Deus da misericórdia e do amor benigno, é uma constante e inesgotável fonte de conversão, não somente como ato interior momentâneo, mas também como disposição estável, como estado de ânimo. Os que chegam a conhecer a Deus deste modo, os que o vêem assim, não podem viver sem deixar de converter-se incessantemente a Ele!”9 Também nós podemos exclamar com verdade: Como são grandes a misericórdia do Senhor e a sua piedade para os que se voltam para Ele!10 Como é grande a misericórdia divina para com cada um de nós!

Mas o Senhor estabelece uma condição para que obtenhamos dEle misericórdia e compaixão pelos nossos males e fraquezas: que também nós tenhamos um coração grande para com aqueles que nos rodeiam. Na parábola do bom samaritano11, o Senhor mostra-nos qual deve ser a nossa atitude para com o próximo que sofre. Não nos é lícito passar por ele ao largo, com indiferença, mas devemos antes parar junto dele. “Bom samaritano é todo o homem que pára junto do sofrimento de outro homem, seja de que gênero for. Este deter-se não significa curiosidade, mas disponibilidade. É uma determinada disposição interior do coração, que tem também a sua expressão emotiva. Bom samaritano é todo o homem sensível ao sofrimento alheio, o homem que se comove perante a desgraça do próximo.

“Se Cristo, conhecedor do interior do homem, sublinha esta comoção, é porque ela é importante para toda a nossa atitude perante o sofrimento alheio. Portanto, é preciso cultivar no íntimo esta sensibilidade do coração para com aquele que sofre. Às vezes, esta compaixão será a única ou a principal manifestação possível do nosso amor e da nossa solidariedade para com o homem que sofre”12.

Não teremos no nosso próprio lar, no escritório ou na fábrica, essa pessoa física ou moralmente ferida que requer, talvez até com urgência, a nossa disponibilidade, o nosso afeto e os nossos cuidados?

III. O CAMPO DA MISERICÓRDIA é tão vasto como o da miséria humana que é necessário remediar. E o homem pode sofrer misérias e calamidades na ordem física, intelectual, moral… Por isso as obras de misericórdia são inúmeras – tantas quantas as necessidades do homem –, ainda que tradicionalmente, a título exemplificativo, se mencionem apenas catorze, nas quais esta virtude se manifesta de modo especial.

Muitas vezes, a misericórdia consistirá em preocupar-nos pela saúde, pelo descanso, pela alimentação daqueles que Deus confiou aos nossos cuidados.

Os doentes merecem uma atenção especial: fazer-lhes companhia, interessar-nos verdadeiramente por eles, ensiná-los e ajudá-los a oferecer a Deus a sua dor… Numa sociedade desumanizada pelos freqüentes ataques à família, é cada vez maior o número de doentes e anciãos abandonados, sem consolo e sem carinho. Visitar essas pessoas na sua solidão é uma obra de misericórdia cada vez mais necessária. Deus recompensa de uma maneira especial esses momentos de companhia: O que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes13, diz-nos o Senhor.

Juntamente com as chamadas obras materiais de misericórdia, devemos praticar também as espirituais. Em primeiro lugar, corrigir a quem erra, com as advertências oportunas, com caridade, sem que a pessoa se ofenda. E depois, ensinar o ignorante, especialmente no que se refere à ignorância religiosa – o grande inimigo de Deus –, que aumenta de dia para dia em proporções alarmantes: a catequese passou a ser, na atualidade, uma obra de misericórdia de primeiríssima importância e urgência; aconselhar aquele que duvida, com honradez e retidão de intenção, ajudando-o no seu caminho para Deus; consolar o aflito, compartilhando a sua dor, animando-o a recuperar a alegria e a entender o sentido sobrenatural da pena que sofre; perdoar a quem nos ofende, prontamente, sem dar demasiada importância à ofensa, e quantas vezes for preciso; socorrer a quem necessita de ajuda, prestando esse serviço com generosidade e alegria; e finalmente, rogar a Deus pelos vivos e defuntos, sentindo-nos especialmente ligados pela Comunhão dos Santos a essas pessoas a quem nos devemos de modo especial, por razões de parentesco, amizade, etc.

A nossa atitude de misericórdia há de estender-se a muitas outras manifestações da vida, pois “nada te pode fazer tão imitador de Cristo – diz São João Crisóstomo – como a preocupação pelos outros. Mesmo que jejues, mesmo que durmas no chão, mesmo que, por assim dizer, te mates, se não te preocupas com o próximo, pouca coisa fizeste, ainda distas muito da imagem do Senhor”14.

Assim obteremos de Deus misericórdia para a nossa vida e talvez a mereçamos também para os outros: esse oceano de misericórdia que se estende de geração em geração15, como profetizou Nossa Senhora à sua prima Santa Isabel.

Peçamos a misericórdia divina para nós mesmos – quanto necessitamos dela! – e para a nossa geração; peçamo-la através de Santa Maria, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa. Ante a proximidade da festa da Imaculada Conceição, o nosso recurso confiante à Virgem Maria deve tornar-se ainda mais contínuo e apaixonado.

(1) Mt 5, 7; (2) Lc 19, 10; Is 41, 9; (3) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 7; (4) Sl 33, 5; (5) Santo Agostinho, Confissões, 10; (6) Mt 9, 12; (7) Sl 84, 8; (8) Mt 8, 2; (9) João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 13; (10) Ecl 17, 28; (11) Lc 10, 30 e segs.; (12) João Paulo II, Carta apostólica Salvifici doloris, 28; (13) Mt 25, 40; (14) São João Crisóstomo, Comentário à primeira Epístola aos Coríntios; (15) Lc 1, 50.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal