TEMPO COMUM. DÉCIMA PRIMEIRA SEMANA. SÁBADO
– Amar a vontade de Deus. Serenidade diante das contradições.
I. TUDO O QUE HÁ NO UNIVERSO existe porque Deus o sustenta no seu ser. É Ele que cobre o céu de nuvens, que faz cair a chuva na terra; é Ele que faz crescer a relva nas montanhas e germinar plantas úteis para o homem, que dá alimento aos rebanhos e aos filhotes dos corvos que clamam1. A criação inteira é obra de Deus, que além disso cuida amorosamente de todas as criaturas, começando por mantê-las constantemente na existência. “Este «manter» é, em certo sentido, um contínuo criar (conservatio est continua creatio)”2, e estende-se muito particularmente ao homem, objeto da predileção divina.
Jesus Cristo dá-nos a conhecer constantemente que Deus é nosso Pai, que quer o que há de melhor para os seus filhos. Tudo aquilo que de bom poderíamos imaginar para nós mesmos e para aqueles a quem mais queremos é ultrapassado de longe pelos planos divinos. O Senhor sabe muito bem de que coisas necessitamos e o seu olhar abrange esta vida e a eternidade, ao passo que a nossa visão é curta e muito deficiente.
É lógico, pois, que a nossa felicidade consista essencialmente em conhecer, amar e realizar a vontade de Deus. No Evangelho da Missa, Jesus Cristo faz-nos uma recomendação para que os nossos dias se encham de paz: Não vos inquieteis pela vossa vida pensando no que ireis comer, nem pelo vosso corpo pensando no que ireis vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que o vestido? Olhai as aves do céu: não semeiam, nem ceifam, nem recolhem em celeiros, e o vosso Pai celestial as alimenta3.
É um convite para que vivamos com alegre esperança a tarefa diária, para que encaremos as sombras desta vida como filhos de Deus, sem preocupações inúteis, sem a sobrecarga da rebeldia ou da tristeza, porque sabemos que Deus permite esses transes para nos purificar, para nos converter em corredentores.
Os padecimentos, a contradição, a doença, devem servir-nos para crescer nas virtudes e para amar mais a Deus. “Não ouviste dos lábios do Mestre a parábola da videira e das varas? – Consola-te. Ele te exige porque és vara que dá fruto… E te poda «ut fructum plus afferas» – para que dês mais fruto. – É claro!: dói esse cortar, esse arrancar. Mas, depois, que louçania nos frutos, que maturidade nas obras!”4 Não nos desconcertemos nunca com os planos divinos. O Senhor sabe muito bem aquilo que faz ou permite.
Examinemos hoje se acolhemos com paz a contradição, a dor e o fracasso; ou se, pelo contrário, nos queixamos e abrimos a porta à tristeza ou à revolta, ainda que seja por pouco tempo. Vejamos na presença de Deus se as dificuldades físicas ou morais nos aproximam de verdade do nosso Pai-Deus. Não vos inquieteis pela vossa vida…, diz-nos hoje de novo o Senhor neste tempo de oração.
– Abandono em Deus e responsabilidade.
II. COM MUITA FREQÜÊNCIA, não sabemos o que é bom para nós; “e o que torna a confusão ainda pior é que pensamos que o sabemos. Nós temos os nossos próprios planos para a nossa felicidade, e muito amiúde olhamos para Deus simplesmente como alguém que nos ajudará a realizá-los. O verdadeiro estado de coisas é completamente ao contrário. Deus tem os seus planos para a nossa felicidade, e está à espera de que o ajudemos a realizá-los. E deve ficar bem claro que nós não podemos melhorar os planos de Deus”5.
Ter uma certeza prática destas verdades, vivê-las no acontecer diário, leva a um abandono sereno, mesmo perante a dureza daquilo que não compreendemos e que nos causa dor e preocupação. Nada se desmorona se estamos amparados no sentido da nossa filiação divina: Pois, se a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, Deus assim a veste, quanto mais não fará Ele convosco…?6
Às vezes – diz São Tomás –, acontece conosco o mesmo que ao leigo em medicina que vê o médico receitar água a um doente e vinho a outro, conforme lhe dita a sua ciência; não sabendo de medicina, o observador leigo julga que o médico receita esses remédios ao acaso. “Assim acontece com relação a Deus. Ele, com conhecimento de causa e segundo a sua providência, dispõe as coisas da maneira que os homens necessitam: aflige uns que talvez sejam bons, e deixa viver em prosperidade outros que são maus”7. Não podemos esquecer que Deus nos quer felizes aqui, mas nos quer ainda mais felizes com Ele para sempre no Céu.
A santidade consiste no cumprimento amoroso da vontade de Deus, ao ritmo dos deveres e dos incidentes de cada dia, e num abandono absolutamente confiante em seus braços. Mas este abandono deve ser ativo e responsável, e há de levar-nos a lançar mão de todos os meios ao nosso alcance para enfrentarmos cada situação que se nos depare. Assim, iremos ao médico sem demoras quando estivermos doentes, faremos tudo o que pudermos para conseguir esse emprego de que tanto necessitamos e pelo qual rezamos a Deus, trabalharemos com esforço para progredir na nossa empresa, estudaremos as horas necessárias e com profundidade para passar nessa matéria difícil…
O abandono em Deus deve estar, pois, intimamente unido a uma atitude operativa, que rejeita prontamente esses argumentos de inerme resignação (“má sorte”, ambiente adverso, etc.) que parecem virtuosos, mas que muitas vezes escondem mediocridade, preguiça, imprudência… Exige uma disposição de ânimo valorosa, empreendedora, que “cresce perante os obstáculos”8, em vez de encolher-se num conformismo antivital. E essa atitude não é presunção, esquecimento de Deus, mas, pelo contrário, a conseqüência lógica de quem se abandonou por completo nas mãos amorosas da Providência e por isso sabe que tem as costas guardadas e que Deus lhe promete a vitória.
– Omnia in bonum. Para aqueles que amam a Deus, tudo acontece para o seu bem.
III. O SENTIDO DA FILIAÇÃO DIVINA ajuda-nos a descobrir que todos os acontecimentos da nossa vida são dirigidos ou permitidos pela amabilíssima Vontade de Deus para nosso bem. Deus, que é nosso Pai, concede-nos o que mais nos convém e espera que saibamos ver o seu amor paternal tanto nos acontecimentos favoráveis como nos adversos9.
São Paulo diz que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus10. Quem ama a Deus com um amor operativo sabe que, aconteça o que acontecer, tudo será para seu bem, desde que não deixe de amar. E, precisamente porque ama, emprega os meios para que o resultado seja bom, para que o trabalho bem acabado e feito com retidão de intenção dê frutos de santidade e de apostolado. E, tendo empregado os meios ao seu alcance, abandona-se em Deus e descansa na sua providência amorosa.
“Repara bem – escreve São Bernardo – que o Apóstolo não diz que as coisas servem para o capricho pessoal, mas que cooperam para o bem. Não para o capricho, mas para a utilidade; não para o prazer, mas para a salvação; não para o nosso desejo, mas para o nosso proveito. Neste sentido, as coisas sempre cooperam para o bem, até a própria morte, até o pecado […]. Por acaso não cooperam para o bem os pecados daquele que com eles se torna mais humilde, mais fervoroso, mais solícito, mais precavido, mais prudente?”11 E depois de empregarmos os meios ao nosso alcance, ou em face de acontecimentos em que nada podemos fazer, diremos na intimidade do nosso coração: Omnia in bonum, tudo é para bem.
Com esta convicção, fruto da filiação divina, viveremos cheios de otimismo e de esperança, e superaremos muitas dificuldades:
“Parece que o mundo desaba sobre a tua cabeça. À tua volta, não se vislumbra uma saída. Impossível, desta vez, superar as dificuldades.
“Mas tornaste a esquecer que Deus é teu Pai? Onipotente, infinitamente sábio, misericordioso. Ele não te pode enviar nada de mau. Isso que te preocupa, é bom para ti, ainda que agora os teus olhos de carne estejam cegos.
“Omnia in bonum! Tudo é para bem! Senhor, que outra vez e sempre se cumpra a tua sapientíssima Vontade!”12
Omnia in bonum! Tudo é para bem! Tudo pode ser convertido em algo agradável a Deus e benéfico para a alma. Esta expressão de São Paulo pode servir-nos como jaculatória, como uma brevíssima oração que nos dará paz nos momentos difíceis.
A Santíssima Virgem, nossa Mãe, ensinar-nos-á a viver cheios de confiança nas mãos de Deus, se recorrermos a Ela freqüentemente cada dia. No Coração Dulcíssimo de Maria – cuja festa celebramos neste mês de junho – encontraremos sempre paz, consolo e alegria.
(1) Sl 147, 8-9; (2) João Paulo II, Audiência geral, 29-I-1986; (3) Mt 6, 25-26; (4) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 701; (5) E. Boylan, Amor supremo, pág. 46; (6) Mt 6, 30; (7) São Tomás, Sobre o Credo, 1; (8) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 12; (9) cfr. Sagrada Bíblia, Carta aos Romanos, EUNSA, nota a Rom 8, 28; (10) Rom 8, 28; (11) São Bernardo, Sobre a falácia e a brevidade da vida, 6; (12) Josemaría Escrivá, Via Sacra, IXª est., n. 4.
Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.