TEMPO COMUM. DÉCIMA OITAVA SEMANA. QUINTA‑FEIRA
– Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo: confessar assim a divindade de Cristo.
– Cristo, perfeito Deus e perfeito Homem.
– Cristo: Caminho, Verdade e Vida.
I. JESUS ENCONTRA‑SE em Cesaréia de Filipe, nos confins do território judeu. Subitamente, pergunta aos seus discípulos: Quem dizem os homens que é o Filho do homem?1 Os Apóstolos referem‑lhe as opiniões que corriam: Uns dizem que é João Batista, outros que é Elias, outros que é Jeremias ou algum dos profetas. Muitos dos que ouviam a pregação de Jesus tinham‑no em alta conta, mas não sabiam quem Ele era na realidade. O Mestre fixa agora os olhos nos Apóstolos e pergunta‑lhes em tom amável: E vós, quem dizeis que eu sou? Parece exigir dos seus, dos que o seguem mais de perto, uma confissão de fé clara e sem paliativos; eles não devem limitar‑se a seguir uma opinião pública superficial e cambiante: devem conhecer e proclamar Aquele por quem deixaram tudo para viver uma vida nova.
Pedro responde categoricamente: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. É uma afirmação clara da divindade de Jesus, como o confirmam as palavras que o Senhor pronuncia a seguir: Bem‑aventurado és, Simão, filho de João, porque não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas meu Pai que está nos céus. Pedro deve ter ficado profundamente comovido com as palavras do Mestre.
Também hoje há opiniões discordantes e errôneas a respeito de Jesus, pois é grande a ignorância acerca da sua Pessoa e missão. Apesar de vinte séculos de pregação e de apostolado da Igreja, muitas mentes não descobriram a verdadeira identidade de Jesus, que vive no meio de nós e nos pergunta: E vós, quem dizeis que eu sou? Nós, ajudados pela graça de Deus, que nunca falta, temos de proclamar com firmeza, com a firmeza sobrenatural da fé: Tu és o meu Deus e o meu Rei, perfeito Deus e Homem perfeito, “centro do cosmos e da história”2, centro da minha vida e razão de ser de todas as minhas obras.
Nos duros momentos da Paixão, quando Jesus estiver prestes a consumar a sua missão na terra, o Sumo Sacerdote perguntar‑lhe‑á: És tu o Messias, o Filho de Deus bendito? E Jesus declarará: Eu o sou. E vereis o Filho do homem sentado à direita do poder de Deus, e vir sobre as nuvens do céu3.
Nessa resposta, o Senhor não só dá testemunho de ser o Messias esperado, mas esclarece a transcendência divina do seu messianismo, ao aplicar a si próprio a profecia do Filho do Homem do profeta Daniel4. Serve‑se das expressões mais fortes de todas as passagens bíblicas para declarar a divindade da sua Pessoa. Então condenam‑no como blasfemo.
Só a luz da fé sobrenatural nos permite saber que Jesus Cristo é infinitamente superior a qualquer criatura: Ele é o “Filho único de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai, por quem todas as coisas foram feitas; e que por nós, homens, e para a nossa salvação desceu dos céus, e se encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria, e se fez homem…”5 Saiu do Pai6, mas continua em plena comunhão com Ele, porque tem a mesma natureza divina. Será Ele quem, junto com o Pai, enviará o Espírito Santo7, pois tem e possui como próprio tudo o que é do Pai8.
Apresenta‑se como supremo Legislador: Ouvistes o que foi dito aos antigos… Mas eu vos digo…9 Na Antiga Lei, dizia‑se: Assim falou Javé, mas Jesus não fala nem ordena em nome de ninguém: Eu vos digo… É em seu próprio nome que proclama um ensinamento divino e estabelece uns preceitos que se prendem com o que há de mais essencial no homem. Exerce o poder de perdoar os pecados, qualquer pecado10, um poder que, como todos os judeus sabiam, é próprio e exclusivo de Deus. E não só absolve pessoalmente, mas dá o poder das chaves – o poder de governar e de perdoar – a Pedro e aos demais Apóstolos, bem como aos seus sucessores11. Promete apresentar‑se no fim do mundo como único juiz dos vivos e dos mortos12. Nunca houve ninguém que se arrogasse tais prerrogativas.
Jesus exigiu – exige – dos seus discípulos uma fé inquebrantável na sua Pessoa, uma fé que chegue ao ponto de fazê‑los tomar a Cruz sobre os seus ombros: Quem não toma a sua cruz e me segue não é digno de mim13; a atitude que nos pede em relação ao seu Pai celestial, exige‑a também em relação a si mesmo: uma fé sem fissuras, um amor sem medida14.
Nós, que queremos segui‑lo muito de perto, dizemos‑lhe com Pedro, quando estamos diante do Sacrário: Senhor, Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. Verdadeiramente, “quem encontra Jesus encontra um bom tesouro, aquele que com efeito é bom acima de todo o bem. E quem perde Jesus perde muito, e mais que o mundo inteiro. Aquele que vive sem Jesus é paupérrimo, e riquíssimo quem com Ele vive”15. Não o deixemos nunca; fortaleçamos o nosso amor com muitos atos de fé, com a audácia em dar a conhecer em qualquer ambiente a nossa fé e o nosso amor por Cristo vivo.
II. DEPOIS DE TANTO TEMPO, Jesus continua a ser para muitos, que ainda não possuem o dom sobrenatural da fé ou vivem apoltronados na tibieza, uma figura evanescente, inconcreta. Nós também podíamos responder hoje a Jesus como os Apóstolos lhe responderam naquele dia em Cesaréia de Filipe: uns dizem que foste um homem de grandes ideais, outros… Verdadeiramente, continuam a ser atuais as palavras de João Batista: No meio de vós está quem vós não conheceis16.
Somente o dom divino da fé nos permite proclamar, unidos ao Magistério da Igreja: “Cremos em Nosso Senhor Jesus Cristo, que é o Filho de Deus. Ele é o Verbo eterno, nascido do Pai antes de todos os séculos e consubstancial ao Pai…”17 Cremos que em Jesus Cristo existem duas naturezas: uma divina e outra humana, diferentes e inseparáveis, e uma única Pessoa, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que é incriada e eterna, que se encarnou por obra do Espírito Santo no seio da Virgem Maria.
Jesus é também Homem perfeito. Nasce na maior indigência, aclamado pelos anjos do céu; passa fome e sede; cansa‑se e às vezes tem de reclinar‑se sobre uma pedra ou sentar‑se à beira de um poço; sente‑se tão esgotado que dorme enquanto navega com uns pescadores; chora junto do sepulcro do amigo Lázaro; tem medo e pavor da morte, antes de sofrer os ultrajes da crucifixão.
E essa Santíssima Humanidade de Jesus, igual à nossa menos no pecado, fez‑se caminho para o Pai. Ele vive hoje – Por que procurais entre os mortos aquele que vive?18 – e continua a ser o mesmo. “Iesus Christus heri et hodie; ipse et in saecula (Hebr XIII, 8). Quanto gosto de recordá‑lo: Jesus Cristo, o mesmo que foi ontem para os Apóstolos e para as multidões que o procuravam, vive hoje para nós e viverá pelos séculos. Somos nós, os homens, quem às vezes não consegue descobrir o seu rosto, perenemente atual, porque olhamos com olhos cansados ou turvos”19; com um olhar pouco penetrante porque nos falta amor.
III. A VIDA CRISTÃ consiste em amar a Cristo, em imitá‑lo, em servi‑lo… E o coração tem um lugar importante nesse seguimento. De tal maneira é assim que, quando por tibieza ou por uma oculta soberba se descura a piedade, o trato de amizade com Jesus, torna‑se impossível continuar a seguir o Senhor. Seguir Cristo de perto é ser seu amigo, é ter a experiência viva de que Ele é o único amigo que nunca falha, que nunca atraiçoa nem desilude.
Santo Agostinho, depois de inúmeras tentativas vãs de seguir o Senhor, conta‑nos qual foi um dos elementos‑chave do seu longo processo de conversão: “Andava à procura da força idônea para gozar de Vós e não a encontrava, até que abracei o Mediador entre Deus e os homens: o Homem Cristo Jesus, que é sobre todas as coisas bendito pelos séculos, que nos chama e nos diz: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14, 6)”20. Amar o Homem Cristo Jesus!
Jesus Cristo é o único Caminho. Ninguém pode ir ao Pai a não ser por Ele21. Só por Ele, com Ele e nEle podemos alcançar o nosso destino sobrenatural. A Igreja no‑lo recorda todos os dias na Santa Missa: Por Ele, com Ele e nEle, a Ti, Deus Pai Todo‑Poderoso, toda a honra e toda a glória, na unidade do Espírito Santo… Unicamente por meio de Cristo, seu Filho muito amado, é que o Pai aceita o nosso amor e a nossa homenagem.
Cristo é também a Verdade. A verdade absoluta e total, Sabedoria incriada, que se nos revela na sua Santíssima Humanidade. Sem Cristo, a nossa vida é uma grande mentira. Com Ele, tem a segurança de quem sabe que não pode deixar de acertar.
E é a nossa Vida. O Antigo Testamento narra que Moisés, por indicação de Deus, ergueu o braço e feriu a rocha por duas vezes, e brotou água tão abundante que todo o povo sedento pôde beber22. Aquela água era figura da Vida que brota abundantemente de Cristo e que saltará até a vida eterna23. É a água da graça, da vida sobrenatural, que brota de Cristo, especialmente através dos sacramentos. Toda a graça que possuímos, a de toda a humanidade caída e reparada, é graça de Deus através de Cristo. Esta graça é‑nos comunicada de muitas maneiras; mas o seu manancial é único: o próprio Cristo, a sua Santíssima Humanidade unida à Pessoa do Verbo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
Quando o Senhor nos perguntar na intimidade do nosso coração: “E tu, quem dizes que Eu sou?”, saibamos responder‑lhe com a fé de Pedro: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo, o Caminho, a Verdade e a Vida…, Aquele sem o qual a minha vida está completamente perdida.
(1) Mt 16, 13‑23; (2) João Paulo II, Enc. Redemptor hominis, 4‑III‑1979, 1; (3) Mc 14, 61‑62; (4) cfr. Dan 7, 13‑14; (5) Missal Romano, Credo Niceno‑Constantinopolitano; (6) cfr. Jo 8, 42; (7) cfr. Jo 15, 26; (8) cfr. Jo 16, 11‑15; (9) Mt 5, 21‑48; (10) cfr. Mt 11, 28; (11) cfr. Mt 18, 18; (12) cfr. Mc 15, 62; (13) Mt 18, 32; (14) cfr. K. Adam, Jesus Cristo, pág. 15‑16; (15) T. Kempis, Imitação de Cristo, II, 8, 2; (16) Jo 1, 26; (17) Paulo VI, Credo do povo de Deus, 30‑VI‑1968; (18) cfr. Lc 24, 5; (19) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 127; (20) Santo Agostinho, Confissões, 7, 18; (21) cfr. Jo 14, 6; (22) Num 20, 1‑13; cfr. Primeira leitura da Missa da quinta‑feira da décima oitava semana do TC, ano I; (23) cfr. Jo 4, 14; 7, 38.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal