TEMPO COMUM. TRIGÉSIMO TERCEIRO DOMINGO. ANO C

– A espera da vida eterna não nos exime de uma vida de trabalho intenso.
– O trabalho, um dos maiores bens do homem.
– A ocupação profissional, realizada de olhos postos em Deus, não nos afasta do nosso fim último: deve aproximar-nos d’Ele.

I. NESTES ÚLTIMOS DOMINGOS, a liturgia convida-nos a me­ditar nos últimos fins do homem, no seu destino além da morte. Na primeira Leitura de hoje 1, o profeta Malaquias fala com acentos fortes dos últimos tempos: Porque eis que virá um dia semelhante a uma fornalha… E Jesus recorda-nos no Evangelho da Missa 2 que devemos estar vigilantes ante a sua chegada no fim do mundo: Vede, não sejais enga­nados…

Alguns cristãos da primitiva Igreja julgaram que essa chegada gloriosa do Senhor era iminente. Pensaram que o fim dos tempos estava próximo e por isso, entre outras ra­zões, descuraram o trabalho e andavam muito ocupados em não fazer nada e meter-se em tudo. Deduziram que, dada a sua precariedade, não valia a pena dedicarem-se plenamente aos assuntos terrenos. Por isso São Paulo repreende-os, co­mo lemos na segunda Leitura da Missa 3, e recorda-lhes a vida de trabalho que levou entre eles, apesar da sua intensa dedicação ao Evangelho; volta a repetir-lhes a norma de conduta que já tinha aconselhado: Porque, quando ainda es­távamos convosco, vos declaramos que, se alguém não quer trabalhar, também não coma. E aos que estavam entregues à ociosidade, recomenda-lhes que comam o seu pão, traba­lhando pacificamente.

A vida é realmente muito curta e o encontro com Jesus está próximo. Isto ajuda-nos a desprender-nos dos bens que temos de utilizar e a aproveitar o tempo; mas não nos exime de maneira nenhuma de dedicar-nos plenamente à nossa pro­fissão no seio da sociedade. Mais ainda: é com os nossos afazeres terrenos, ajudados pela graça, que temos de ganhar o Céu.

O Magistério da Igreja recorda o valor do trabalho e exorta “os cristãos, cidadãos da cidade temporal e da cidade eterna, a procurarem desempenhar fielmente as suas tarefas temporais, guiados pelo espírito do Evangelho”. Para imitar Cristo, que trabalhou como artesão a maior parte da sua vi­da, longe de descurar as tarefas temporais, os cristãos “estão mais obrigados a cumpri-los, por causa da própria fé, de acordo com a vocação a que cada um foi chamado” 4.

Assim deve ser a nossa atuação no meio do mundo: olhar freqüentemente para o Céu, para a Pátria definitiva, mas ter ao mesmo tempo os pés bem assentados sobre a ter­ra, trabalhar com intensidade para dar glória a Deus, aten­der o melhor possível às necessidades da família e servir a sociedade a que pertencemos. Sem um trabalho sério, feito com consciência, é muito difícil, para não dizer impossível, santificar-se no meio do mundo.

II. A POSSIBILIDADE de trabalhar é um dos grandes bens recebidos de Deus, “é uma maravilhosa realidade que se nos impõe como uma lei inexorável a que todos, de uma manei­ra ou de outra, estão submetidos, ainda que alguns preten­dam fugir-lhe. Aprendei-o bem: esta obrigação não surgiu como uma seqüela do pecado original nem se reduz a um achado dos tempos modernos. Trata-se de um meio necessá­rio que Deus nos confia aqui na terra, dilatando os nossos dias e fazendo-nos participar do seu poder criador, para que ganhemos o nosso sustento e simultaneamente colhamos fru­tos para a vida eterna (Jo 4, 36)” 5.

O trabalho é o meio ordinário de subsistência e o campo privilegiado para o desenvolvimento das virtudes humanas: a rijeza, a constância, o otimismo por cima das dificuldades… A fé cristã impele-nos além disso a “comportar-nos como fi­lhos de Deus com os filhos de Deus” 6, a viver um “espírito de caridade, de convivência, de compreensão” 7, a tirar da vida “o apego à nossa comodidade, a tentação do egoísmo, a tendência para a exaltação pessoal” 8, a “mostrar a caridade de Cristo e os seus resultados concretos de amizade, de compreensão, de afeto humano, de paz” 9. Pelo contrário, a preguiça, a ociosidade, o trabalho mal acabado trazem gra­ves conseqüências. A ociosidade ensina muitas maldades 10, pois impede a perfeição humana e sobrenatural do homem, debilita-lhe o caráter e abre as portas à concupiscência e a muitas tentações.

Durante séculos, muitos pensavam que, para serem bons cristãos, bastava-lhes uma vida de piedade sem conexão al­guma com as suas ocupações profissionais no escritório, na Universidade, no campo… Muitos tinham, além disso, a con­vicção de que os afazeres temporais, os assuntos profanos em que o homem está imerso de uma forma ou de outra, eram um obstáculo para o encontro com Deus e para uma vida plenamente cristã”. A vida oculta de Jesus veio ensinar-nos o valor do trabalho, da unidade de vida, pois com o seu tra­balho diário o Senhor estava também redimindo o mundo.

É no meio do trabalho que procuramos todos os dias en­contrar o Senhor (pedindo-lhe ajuda, oferecendo-lhe a per­feição com que procuramos executar as tarefas que temos entre mãos, sentindo-nos participantes da Criação em tudo o que fazemos…) e exercer a caridade (cultivando as virtudes da convivência com os que estão ao nosso lado, prestando-lhes esses pequenos serviços que tanto se agradecem, rezan­do por eles e pelas suas famílias, ajudando-os a resolver os seus problemas…) Procuramos o olhar do Senhor no nosso trabalho ordinário? Procuramos que seja um olhar de alegria, pelo esmero com que trabalhamos, pelas virtudes que prati­camos?

III. O TRABALHO não só não nos deve afastar do nosso últi­mo fim, dessa espera vigilante com a que a liturgia destes dias quer que nos mantenhamos alerta, como deve ser o ca­minho concreto para crescermos na vida cristã.

Para isso, o fiel cristão não deve esquecer que, além de ser cidadão da terra, também o é do Céu, e por isso deve comportar-se entre os outros de uma maneira digna da vocação a que foi chamado12, sempre alegre, irrepreensível e simples, compreensivo com todos 13, bom trabalhador e bom amigo, aberto a todas as realidades autenticamente humanas. Quanto ao mais, irmãos — exortava São Paulo aos cristãos de Filipos -, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é santo, tudo o que é amá­vel, tudo o que é de bom nome, qualquer virtude, qualquer coisa digna de louvor seja isso o objeto dos vossos pensa­mentos 14.

Além disso, o cristão converte o seu trabalho em oração se procura a glória de Deus e o bem dos homens naquilo que realiza, se pede ajuda ao Senhor ao começar a sua tarefa e nas dificuldades que surgem, se lhe dá graças depois de concluir um assunto, ao terminar a jornada…, ut cuncta nos-tra oratio et operado a te semper incipiat, et per te coepta jiniatur…, para que as nossas orações e trabalhos sempre co­mecem e acabem em Deus. O trabalho é o caminho diário para o Senhor. “Por isso, o homem não se deve limitar a fazer coisas, a construir objetos. O trabalho nasce do, amor, manifesta o amor, orienta-se para o amor. Reconhecemos Deus não apenas no espetáculo da natureza, mas também na experiência do nosso próprio trabalho, do nosso esforço. O trabalho é assim oração, ação de graças, porque nos sabemos colocados na terra por Deus, amados por Ele, herdeiros das suas promessas” 15.

A profissão, meio de santidade para o cristão, é também fonte de graças para toda a Igreja, pois somos o corpo de Cristo e membros unidos a outros membros ,6. Quando al­guém luta com espírito cristão por melhorar no seu trabalho, beneficia todos os membros do Corpo Místico na sua cami­nhada para o Senhor. “O suor e a fadiga, que o trabalho acarreta necessariamente na atual condição da humanidade, oferecem ao cristão e a cada homem, que foi chamado a se­guir a Cristo, a possibilidade de participar no amor à obra que Cristo veio realizar (cfr. Jo 17, 4). Esta obra de salvação realizou-se através do sofrimento e da morte na Cruz. Su­portando a fadiga do trabalho em união com Cristo crucifi­cado por nós, o homem colabora de certa maneira com o Fi­lho de Deus na redenção da humanidade. Mostra-se verda­deiro discípulo de Jesus levando por sua vez a cruz de cada dia (cfr. Lc 9, 23) na atividade que foi chamado a rea­lizar” 17.

No exercício da nossa profissão, encontraremos natural­mente, sem assumir ares de mestres, inúmeras ocasiões de dar a conhecer a doutrina de Cristo: numa conversa amigá­vel, no comentário a uma notícia que está na boca de todos, ao escutarmos a confidencia de um problema pessoal ou fa­miliar… O Anjo da Guarda, a quem tantas vezes recorremos, porá na nossa boca a palavra justa que anime, que ajude e facilite, talvez com o tempo, a aproximação mais direta de Cristo das pessoas que trabalham conosco.

Assim nós, os cristãos, esperamos a visita do Senhor: enriquecendo a alma nos nossos afazeres, ajudando os outros a pôr o olhar num fim mais transcendente. De maneira ne­nhuma empregando o tempo em não fazer nada, deixando de aproveitar os meios que o próprio Deus nos deu para ga­nharmos o Céu.

São José, nosso Pai e Senhor, há de ensinar-nos a san-tificar as nossas ocupações, pois ele, ensinando a Jesus a sua profissão, “aproximou o trabalho humano do mistério da Redenção” 18. Muito perto de José, encontraremos sempre Maria.

(1) Mal 4, 1-2; (2) Lc 21, 5-19; (3) 2 Tess 3, 7-12; (4) Concilio Vaticano II, Constituição Gaudium et spes, 43; (5) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 57; (6) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 36; (7) São Josemaría Escrivá, Questões atuais do cristianismo, n. 35; (8) São Josemaría Es­crivá, É Cristo que passa, n. 158; (9) ibid., n. 166; (10) Eclo 33, 29; (11) cfr. José Luis Illanes, A santificação do trabalho, Quadrante, São Paulo, 1982, págs. 31-43; (12) cfr. Fil 1, 27; 3, 6; (13) cfr. Fil 2, 3-4; 4, 4; 2, 15; 4, 5; (14) Fil 4, 8; (15) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 48; (16) 1 Cor 12, 27; (17) João Paulo II, Carta Encíclica Laborem exercens, 14.09.81, 27; (18) João Paulo II, Exortação Apostólica Redemptoris custos, 15.08.89, 22.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal