– Pessoas que se santificaram na vida corrente.
– Todos nós fomos chamados à santidade.
– A caridade, característica de todos os que alcançaram a bem-aventurança.
A Igreja convida-nos hoje a levantar o pensamento e a dirigir a nossa oração para essa imensa multidão de homens e mulheres que seguiram o Senhor aqui na terra e se encontram já com Ele no Céu. Esta solenidade é celebrada em toda a Igreja desde o século VIII.
I. ALEGREMO-NOS TODOS no Senhor, celebrando a festa em honra de todos os santos. Conosco alegram-se os anjos e glorificam o Filho de Deus1.
A festa de hoje recorda-nos e propõe à nossa meditação alguns elementos fundamentais da nossa fé cristã, dizia o Papa João Paulo II. O centro da Liturgia converge sobretudo para os grandes temas da Comunhão dos Santos, do destino universal da salvação, da fonte de toda a santidade que é o próprio Deus, da esperança na futura e indestrutível união com o Senhor, da relação existente entre a salvação e o sofrimento, e da bem-aventurança que caracteriza os que se encontram nas condições descritas por Jesus. Mas o ponto-chave da festa que celebramos hoje “é a alegria, como rezamos na antífona de entrada: Alegremo-nos todos no Senhor, celebrando a festa em honra de todos os santos; e trata-se de uma alegria genuína, límpida, corroborante, como a de quem se encontra numa grande família onde sabe que mergulha as suas próprias raízes…”2 Essa grande família é a dos santos: os do Céu e os da terra.
A Igreja, nossa Mãe, convida-nos hoje a pensar naqueles que, como nós, passaram por este mundo lutando com dificuldades e tentações parecidas às nossas, e venceram.
É essa grande multidão que ninguém poderia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, como nos recorda a primeira Leitura da Missa3. Todos estão marcados na fronte, revestidos de vestes brancas, lavadas no sangue do Cordeiro4. A marca e as vestes são símbolo do Batismo, que imprime no homem, para sempre, o caráter da pertença a Cristo, e a graça renovada e aumentada pelos sacramentos e pelas boas obras.
Muitos santos – de todas as idades e condições – foram reconhecidos como tais pela Igreja, e todos os anos os recordamos nalgum dia concreto e os tomamos por intercessores. Mas hoje festejamos e pedimos ajuda a essa multidão incontável que alcançou o Céu depois de ter passado por este mundo semeando amor e alegria quase sem terem consciência disso; recordamos aqueles que, enquanto estiveram entre nós, se ocuparam talvez num trabalho semelhante ao nosso: empregados de escritório, comerciantes, professores, secretárias, trabalhadores da cidade e do campo… Lutaram com dificuldades parecidas às nossas e tiveram que recomeçar muitas vezes, como nós procuramos fazer; e a Igreja não os menciona nominalmente no calendário dos Santos. À luz da fé, todos eles formam “um grandioso panorama: o de tantos e tantos fiéis leigos – freqüentemente inadvertidos ou mesmo incompreendidos; desconhecidos pelos grandes desta terra, mas olhados com amor pelo Pai –, homens e mulheres que, precisamente na vida e na atividade de cada jornada de trabalho, são os operários incansáveis que trabalham na vinha do Senhor, são os humildes e grandes artífices – pelo poder da graça, certamente – do crescimento do Reino de Deus na história”5. São, em resumo, aqueles que souberam, “com a ajuda de Deus, conservar e aperfeiçoar na sua vida a santificação que receberam”6 no Batismo.
Todos fomos chamados a alcançar a plenitude do Amor, a lutar contra as nossas paixões e tendências desordenadas, a recomeçar sempre que preciso, porque “a santidade não depende do estado – solteiro, casado, viúvo, sacerdote – mas da correspondência pessoal à graça que a todos nos é concedida”7.
A Igreja recorda-nos que o trabalhador que todas as manhãs empunha a sua ferramenta ou caneta, ou a mãe de família que se ocupa nas lides domésticas, no lugar que Deus lhes designou, devem santificar-se cumprindo fielmente os seus deveres8.
É consolador pensar que no Céu, contemplando o rosto de Deus, existem pessoas com as quais convivemos há algum tempo aqui na terra, e às quais continuamos unidos por uma profunda amizade e afeto. Prestam-nos muita ajuda do Céu, e lembramo-nos delas com muita alegria e recorremos à sua intercessão.
Hoje, fazemos nossa a oração de Santa Teresa, que ela mesma escutará: “Ó almas bem-aventuradas, que tão bem soubestes aproveitar e comprar herança tão deleitosa…! Ajudai-nos, pois estais tão perto da fonte; obtei água para os que aqui perecemos de sede”9.
II. NA SOLENIDADE DE HOJE, o Senhor concede-nos a alegria de festejarmos a cidade do céu, a Jerusalém do alto, nossa mãe, onde os nossos irmãos, os santos, Vos cercam e cantam eternamente o vosso louvor. Para essa cidade caminhamos pressurosos, peregrinando na penumbra da fé, alegres por saber que estão na vossa luz tantos membros da Igreja que nos dais ao mesmo tempo como exemplo e ajuda inestimável10.
Nós somos ainda a Igreja peregrina que se dirige para o Céu; e, enquanto caminhamos, temos de reunir esse tesouro de boas obras com que um dia nos apresentaremos a Deus. Ouvimos o convite do Senhor: Se alguém quer vir após Mim… Todos fomos chamados à plenitude da vida em Cristo. O Senhor chama-nos numa ocupação profissional, para que ali o encontremos, realizando as nossas tarefas com perfeição humana e, ao mesmo tempo, com sentido sobrenatural: oferecendo-as a Deus, vivendo a caridade com os nossos colegas, praticando a mortificação de um trabalho perfeitamente terminado, procurando já aqui na terra o rosto de Deus, a quem um dia veremos cara a cara.
Esta contemplação – trato de amizade com o nosso Pai-Deus – pode e deve ser adquirida através das coisas de todos os dias, que se repetem constantemente, numa aparente monotonia, pois “para amar a Deus e servi-lo, não é necessário fazer coisas estranhas. Cristo pede a todos os homens sem exceção que sejam perfeitos como seu Pai celestial é perfeito (Mt 5, 48). Para a grande maioria dos homens, ser santo significa santificar o seu trabalho, santificar-se no seu trabalho e santificar os outros com o seu trabalho, e assim encontrar a Deus no caminho da vida”11.
O que fizeram essas mães de família, esses intelectuais ou operários…, para estarem no Céu? Porque nós também queremos alcançá-lo; é a única coisa que, de modo absoluto, nos importa. Pois bem, procuraram santificar as pequenas realidades diárias. Isso é o que temos de fazer: ganhar o Céu todos os dias com as coisas que temos entre mãos, entre as pessoas que Deus colocou ao nosso lado.
III. MUITOS DOS QUE AGORA contemplam a face de Deus não tiveram ocasião de realizar grandes façanhas aqui na terra, mas cumpriram o melhor possível os seus deveres diários, os seus pequenos deveres diários. Tiveram erros e faltas de paciência, foram vencidos aqui e acolá pela preguiça, tiveram reações de soberba, cometeram talvez pecados graves. Mas amaram a Confissão, e arrependeram-se, e recomeçaram. Amaram muito e tiveram uma vida com frutos, porque souberam sacrificar-se por Cristo.
Nunca pensaram que eram santos, muito pelo contrário: sempre pensaram que iam precisar em grande medida da misericórdia divina. Todos conheceram, em maior ou menor grau, a doença, a tribulação, as horas difíceis em que tudo lhes custava; sofreram fracassos e tiveram êxitos. Choraram talvez, mas conheceram e levaram à prática as palavras do Senhor, que hoje a Liturgia da Missa nos recorda: Vinde a mim todos os que trabalhais e estais sobrecarregados, e eu vos aliviarei12. Apoiaram-se no Senhor, foram vê-lo e estar com Ele muitas vezes junto do Sacrário; não deixaram de ter um encontro diário com Ele.
Os bem-aventurados que já alcançaram o Céu são muito diferentes entre si, mas tiveram nesta terra um distintivo comum: viveram a caridade com os que os rodeavam. O Senhor disse: Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros13. Esta é a característica dos santos, daqueles que já estão na presença de Deus.
Encontramo-nos a caminho do Céu e muito necessitados da misericórdia do Senhor, que é grande e nos sustém dia a dia. Temos que pensar muitas vezes nisso e nas graças que recebemos continuamente, não só nos momentos de tentação ou de desânimo, mas a cada instante.
Uma multidão incontável de amigos nos espera no Céu. Eles “podem prestar-nos ajuda, não só porque a luz do seu exemplo brilha sobre nós e torna mais fácil ver o que temos de fazer, mas também porque nos socorrem com as suas orações, que são fortes e sábias, ao passo que as nossas são frágeis e cegas. Quando numa noite de novembro contemplardes o firmamento constelado de estrelas, pensai nos inumeráveis santos do Céu, que estão dispostos a ajudar-nos…”14 Ficaremos cheios de esperança nos momentos difíceis.
No Céu espera-nos a Virgem, para estender-nos a mão e levar-nos à presença do seu Filho e de tantos seres queridos que ali nos aguardam.
(1) Antífona de entrada da Missa do dia 1º de novembro; (2) João Paulo II, Homilia, 10-I-1980; (3) Apoc 7, 9; (4) cfr. Apoc 7, 3-9; (5) São João Paulo II, Exort. Apost. Christifideles laici, 30-XI-1988, 17; (6) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 40; (7) Josemaría Escrivá,Amar a Igreja, pág. 67; (8) cfr. João Paulo II, Exort. Apost. Christifideles laici; (9) Santa Teresa, Exclamações, 13, 4; (10) cfr. Missal Romano, Prefácio da Missa; (11) São Josemaría Escrivá, Questões atuais do cristianismo, n. 55; (12) Mt 11, 28; (13) Jo 13, 34-35; (14) R. A. Knox, Sermão na festa de Todos os Santos, 1-XI-1950.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal