TEMPO COMUM. VIGÉSIMO SEXTO DOMINGO. ANO B
– Formas e modos apostólicos diferentes. Unidade no essencial. Rejeitar a mentalidade de “partido único” na Igreja.
– Todas as circunstâncias são boas para o apostolado.
– A caridade, vínculo de união e fundamento do apostolado.
I. A PRIMEIRA LEITURA da Missa1 traz-nos a passagem do Antigo Testamento em que o Senhor – a instâncias de Moisés, que não se sentia com forças para enfrentar sozinho o fardo de todo o povo –, tirou parte do espírito que havia em Moisés e passou-o aos setenta anciãos. Estes, que se tinham congregado em torno da Tenda da Reunião, começaram a profetizar. E aconteceu que dois deles, chamados Eldad e Medad, embora estivessem na lista, não compareceram à Tenda, mas o Espírito pousou também sobre eles e começaram a profetizar no acampamento. Então Josué pediu a Moisés que os proibisse de fazê-lo. A reação de Moisés foi profética: Oxalá todo o povo profetizasse e recebesse o espírito do Senhor.
O Evangelho da Missa relata-nos um acontecimento de certo modo semelhante2. João aproximou-se de Jesus para dizer-lhe que tinham visto uma pessoa que expulsava os demônios em nome dEle. Como não era do grupo que acompanhava o Mestre, tinham-no proibido de fazê-lo. Jesus respondeu-lhes: Não lho proibais, porque não há ninguém que faça um milagre em meu nome e possa depois falar mal de mim. Jesus reprova a intransigência e a mentalidade exclusivista e estreita dos discípulos, e abre-lhes o horizonte e o coração para um apostolado universal, variado e diversificado.
Nós, cristãos, não temos mentalidade de partido único, de quem condena formas apostólicas diferentes daquelas que, por formação e modo de ser, se sente chamado a realizar. A única condição – dentro da grande variedade de modos de levar Cristo às almas – é a unidade no essencial, naquilo que pertence ao núcleo fundamental da Igreja.
O Papa João Paulo II, depois de afirmar a liberdade de associação que existe dentro da Igreja em conseqüência do Batismo, referia-se aos critérios que podem servir para discernir se realmente determinada associação mantém a comunhão com a Igreja3. Entre esses critérios – diz o Pontífice –, encontra-se a primazia que se deve dar à vocação de cada cristão para a santidade, que tem como fruto principal a plenitude de vida cristã e a perfeição da caridade. Neste sentido, as associações de leigos estão chamadas a ser instrumento de santidade na Igreja.
Outro critério apontado pelo Papa é o apostolado, que deve antes de mais nada proclamar a verdade sobre Cristo, sobre a Igreja e sobre o homem, em filial obediência ao Magistério da Igreja que a interpreta autenticamente. Trata-se de uma participação no fim sobrenatural da Igreja, que tem como objetivo a salvação de todos os homens. Todos os cristãos participam desse único fim missionário, e portanto exercem o apostolado em unidade filial com o Papa e os Bispos; devem, pois, dar testemunho de uma comunhão firme e convicta, expressa na leal disposição de acolher os ensinamentos doutrinais e as orientações práticas dos seus Pastores. Esta unidade manifesta-se, além disso, no reconhecimento da legítima pluralidade das diversas formas associativas dos leigos, que devem estar sempre abertas a uma colaboração leal e recíproca.
Se somos cristãos verdadeiros, embora às vezes sejamos muito diferentes uns dos outros, sentir-nos-emos comprometidos a levar para Deus a sociedade em que vivemos e da qual fazemos parte. E ser-nos-á fácil aceitar modos de ser e de atuar bem diferentes dos nossos. Como nos alegraremos de que o Senhor seja anunciado de formas tão diversas! Isto é o que realmente importa: que Cristo seja conhecido e amado.
A Boa Nova deve chegar a todos os cantos da terra. E para o cumprimento desta tarefa, o Senhor conta com a colaboração de todos: homens e mulheres, sacerdotes e leigos, jovens e anciãos, solteiros, casados, religiosos…, associados ou não, conforme tenham sido chamados por Deus, com iniciativas que nascem da riqueza da inteligência humana e do impulso sempre novo do Espírito Santo.
II. TODO O CRISTÃO é chamado a dilatar o Reino de Cristo, e qualquer circunstância é boa para levar a cabo essa tarefa. “Onde quer que o Senhor abra uma porta à palavra para proclamar o mistério de Cristo a todos os homens, anuncie-se com confiança e sem cessar o Deus vivo e Jesus Cristo, enviado por Ele para a salvação de todos”4. Diante da covardia, da preguiça ou das várias desculpas que podem surgir, temos de pensar que serão muitos os que receberão a incomparável graça de aproximar-se de Cristo através da nossa palavra, da nossa alegria, de uma vida exemplar cheia de normalidade.
O apostolado com as pessoas entre as quais transcorre a nossa vida não deve deter-se nunca: os modos e as formas podem ser muito diversos, mas o fim é o mesmo. Como são diferentes os caminhos que Deus escolhe para atrair as almas!
“Conservemos a doce e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando temos de semear entre lágrimas”5. Não podemos considerar as circunstâncias adversas como um obstáculo para dar a conhecer Cristo, mas como meio muito valioso de espalhar a sua doutrina, como o demonstraram os primeiros cristãos e tantos que têm padecido por causa da fé. São Paulo, da sua prisão em Roma, escreve assim aos cristãos de Filipos: Muitos dos irmãos no Senhor, animados pelas minhas cadeias, têm-se atrevido com maior audácia a anunciar sem temor a palavra de Deus. E ainda que alguns pregassem por inveja, com intenções pouco retas, o Apóstolo exclama: Mas que importa? Contanto que Cristo seja anunciado, sob algum pretexto ou sinceramente, não só nisto me alegro, como me alegrarei sempre6.
A única coisa verdadeiramente importante é que o mundo esteja cada dia um pouco mais perto de Cristo.
Ainda que o trabalho, os tempos de descanso, a visita a um amigo, o esporte, possam ser caminho para levar as pessoas a Deus, também o devem ser as contradições de um ambiente aberta ou disfarçadamente contrário à fé. Essa pode ser uma ocasião muito oportuna para praticarmos a caridade, esforçando-nos por tratar bem os que não nos compreendem ou nos tratam mal. Na sua Carta aos Filipenses, incluída hoje na Liturgia das Horas, São Policarpo, Bispo e Mártir, exorta-os a abster-se “da difamação, do falso testemunho; de pagar o mal com o mal, a maldição com a maldição, o golpe com outro golpe e o ódio com o ódio. Bem lembrados dos ensinamentos do Senhor: Não julgueis e não sereis julgados; perdoai e sereis perdoados; tende misericórdia para alcançardes misericórdia; com a mesma medida com que medirdes, sereis medidos; e bem-aventurados os pobres e os que sofrem perseguição, porque deles é o reino de Deus”7.
Não reagiremos nunca com severidade e secamente, não devolveremos o mal com o mal; a defesa, quando for oportuna, levá-la-emos a cabo respeitando as pessoas. E procuraremos ensinar, por todos os meios ao nosso alcance, que o motor que impulsiona a nossa vida é a caridade de Cristo. Toda a ação apostólica realizada à sombra da Cruz é sempre fecunda.
III. QUALQUER QUE SEJA o modo apostólico a que o cristão se sinta chamado e as circunstâncias em que tenha de exercê-lo, a caridade deve sempre preceder todos os nossos passos e iniciativas. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, anunciou o Senhor8.
Quando São Paulo escreve aos cristãos de Tessalônica e lhes recorda a sua estadia entre eles, diz-lhes: A cada um de vós, como um pai aos seus filhos, fomos exortando-vos e confortando-vos, e suplicando que andásseis de uma maneira digna de Deus, que vos chamou ao seu reino e à sua glória9. A cada um, escreve o Apóstolo, pois não se limitou a pregar na sinagoga ou nos lugares públicos, como costumava fazer. Ocupou-se de cada pessoa em particular; com o calor da amizade, soube dar alento e consolo a cada um; e ensinava-lhes como deviam comportar-se. É o que nós também devemos procurar fazer com aqueles com quem compartilhamos o lugar de trabalho, o lar, a sala de aula…, o bairro. Devemos começar por aproximar-nos deles com uma caridade bem vivida, que é a base de todo o apostolado, manifestando um apreço sincero por cada um, ainda que o relacionamento com este ou aquele seja mais difícil a princípio; sem permitir que os defeitos, aparentes ou reais, nos separem seja de quem for. “A obra da evangelização implica, no evangelizador, um amor fraterno sempre crescente para com os que evangeliza”10. Em cada um deles vemos um filho de Deus de valor infinito, que os modos de ser ou os defeitos não anulam.
Nós, que recebemos o dom da fé, sentimos a necessidade de comunicá-la aos outros, fazendo-os participar do grande achado da nossa vida. Esta missão, como se vê na vida dos primeiros cristãos, não é da competência exclusiva dos pastores de almas, mas tarefa de todos, de cada um segundo as suas circunstâncias particulares e a chamada que recebeu do Senhor.
Vejamos hoje se a influência cristã que exercemos ao nosso redor é a que o Senhor espera. Não esqueçamos as consoladoras palavras de Jesus, que também lemos no Evangelho da Missa: E quem vos der um copo de água em meu nome, por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa. Que recompensa não nos preparará o Senhor, se ao longo da vida formos procurando que muitas almas se aproximem dEle?
(1) Núm 11, 25-29; (2) Mc 9, 38-41; (3) João Paulo II, Exortação Apostólica Christifideles laici, 30.12.88, 30; (4) Concílio Vaticano II, Decreto Ad gentes, 13; (5) Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, 8.12.75, 80; (6) Fil 1, 14-18; (7) Liturgia das Horas, Ofício das Leituras. Segunda Leitura; (8) Jo 13, 35; (9) 1 Tess 2, 11-12; (10) Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, 79.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal