TEMPO COMUM. DÉCIMO SEGUNDO DOMINGO. CICLO B

– A tempestade no lago. O Senhor nunca nos deixará sozinhos no meio das dificuldades.

I. EM DUAS OCASIÕES, conforme lemos no Evangelho, a tempestade surpreendeu os Apóstolos no lago de Genesaré, enquanto navegavam em direção à margem oposta por indicação do Senhor. No Evangelho da Missa deste domingo1, São Marcos narra que Jesus estava com eles na barca e aproveitou esses momentos para descansar, depois de um dia particularmente intenso de pregação. Recostou-se na popa sobre um cabeçal, provavelmente um saquinho de couro recheado de lã, simples e grosseiro, que essas barcas levavam para descanso dos marinheiros. Como os anjos do Céu contemplariam o seu Rei e Senhor com o corpo apoiado sobre a dura madeira, restaurando as forças! Aquele que governa o Universo estava esgotado de cansaço!

Entretanto, os discípulos, vários deles homens do mar, pressentiram a tempestade, que desabou muito rapidamente e com grande violência: As ondas lançavam-se sobre a barca, de sorte que estava prestes a inundar-se. Enfrentaram a situação, mas o mar embravecia-se mais e mais, e o naufrágio parecia iminente. Então, como último recurso, recorreram a Jesus. Acordaram-no com um grito de angústia: Mestre, olha que perecemos!

E o Senhor teve que intervir. E Ele, despertando, increpou os ventos e disse ao mar: Cala-te, emudece. E acalmou-se o vento, e fez-se completa calmaria. E a paz chegou também ao coração daqueles homens assustados.

Por vezes, levanta-se uma grande tempestade à nossa volta ou dentro de nós. E a nossa pobre barca parece não poder resistir mais. Pode dar-nos a impressão de que Deus permanece em silêncio, e as ondas precipitam-se sobre nós: fraquezas pessoais, dificuldades profissionais ou econômicas, doenças, problemas dos filhos ou dos pais, calúnias, ambiente adverso, infâmias…; mas “se tiveres presença de Deus, por cima da tempestade que ensurdece, brilhará sempre o sol no teu olhar; e por baixo das ondas tumultuosas e devastadoras, reinarão na tua alma a calma e a serenidade”2.

O Senhor nunca nos deixará sós. Devemos aproximar-nos dEle e dizer-lhe a todo o momento, com a confiança de quem o tomou por Mestre, de quem quer segui-lo sem nenhuma condição: Senhor, não me largues! E passaremos as tribulações junto dEle, e as tempestades deixarão de inquietar-nos.

– Se somos de verdade apóstolos no meio do mundo, devemos contar com as incompreensões. O discípulo não é mais do que o mestre.

II. JESUS PÔS-SE EM PÉ, increpou o vento e disse ao lago: Cala-te, emudece! Foi um milagre impressionante, que ficaria gravado para sempre na alma dos Apóstolos; eles jamais esqueceriam a visão de um mar absolutamente calmo, submisso à voz de Jesus, depois daquelas grandes ondas. Decorridos muitos anos, quando tiveram que enfrentar todas as provas que o Senhor lhes anunciara, a evocação desse episódio deve ter-lhes devolvido muitas vezes, na sua oração pessoal, a serenidade ameaçada.

Certa vez, em que iam a caminho de Jerusalém, Jesus disse-lhes que estava prestes a cumprir-se o que os Profetas haviam vaticinado a respeito do Filho do homem: Será entregue aos gentios, escarnecido, insultado e cuspido; e depois de o açoitarem, tirar-lhe-ão a vida, e ao terceiro dia ressuscitará3. Ao mesmo tempo, preveniu-lhes que eles também passariam por momentos duros de perseguição e de calúnia, porque não é o discípulo mais do que o mestre, nem o servo mais do que o seu amo. Se ao amo da casa chamaram Belzebu, quanto mais aos seus domésticos4.

Jesus quis persuadir aqueles primeiros de que entre Ele e a sua doutrina e o mundo como reino do pecado não havia possibilidade de entendimento5; recordou-lhes que não deviam admirar-se de serem tratados assim:

Se o mundo vos odeia, sabei que antes do que a vós me odiou a mim6.

E por isso, explica São Gregório, “a hostilidade dos perversos soa como louvor para a nossa vida, porque demonstra que temos ao menos um pouco de retidão por sermos uma presença incômoda para os que não amam a Deus: ninguém pode ser grato a Deus e aos inimigos de Deus ao mesmo tempo”7. Por conseguinte, se soubermos ser fiéis, haverá ventos, ondas e tempestades, mas Jesus voltará a dizer ao lago embravecido: Cala-te, emudece!

Nos começos da Igreja, os Apóstolos não demoraram a experimentar, juntamente com frutos muito abundantes, as ameaças, as injúrias, a perseguição8. Mas não se importaram com o ambiente, favorável ou adverso, mas sim de que Cristo fosse conhecido por todos e os frutos da Redenção chegassem até o último recanto da terra. A pregação da doutrina do Senhor, que do ponto de vista humano era escândalo para uns e loucura para outros9, foi capaz de penetrar em todos os ambientes, transformando as almas e os costumes.

De então para cá, mudaram muitas daquelas circunstâncias que os Apóstolos enfrentaram, mas outras continuam a ser as mesmas, e ainda piores; o materialismo, a ânsia desmedida de comodidade e de bem-estar, a sensualidade, a ignorância, voltam a ser vento impetuoso e forte ressaca em muitos ambientes. E a isso soma-se a tentação de adaptar a doutrina de Cristo aos tempos, com graves deformações da essência do Evangelho.

Se quisermos ser apóstolos no meio do mundo, deveremos contar com alguns que não quererão entender-nos – às vezes, na nossa própria casa ou entre amigos de longa data –, e teremos de ganhar maior firmeza de ânimo, porque ir contra a corrente não é uma atitude cômoda. Teremos que trabalhar com decisão, com serenidade, sem nos importarmos com a reação daqueles que – em não poucos aspectos – se identificaram com os costumes do novo paganismo e por isso estão praticamente incapacitados para entender um sentido transcendente e sobrenatural da vida.

Com a serenidade e a fortaleza que nascem do trato íntimo com o Senhor, seremos rocha firme para muitos. Em nenhum momento podemos esquecer que, particularmente nos nossos dias, “o Senhor necessita de almas fortes e audazes, que não pactuem com a mediocridade e penetrem com passo firme em todos os ambientes”10: nos grêmios profissionais, nos claustros universitários, nos sindicatos, numa conversa informal.

Como exemplo concreto, é de especial importância a influência das famílias na vida social e pública. Elas próprias devem ser “as primeiras a procurar que as leis não apenas não ofendam, mas sustentem e defendam positivamente os direitos e deveres da família”, promovendo assim uma verdadeira “política familiar”11. Não podemos permanecer inativos, enquanto os inimigos de Deus querem apagar todo o rasto que assinale o destino eterno do homem.

– Atitude perante as dificuldades.

III. “«AS TRÊS CONCUPISCÊNCIAS (cfr. 1 Jo 2, 16) são como três forças gigantescas que desencadearam um enorme redemoinho de luxúria, de autocomplacência orgulhosa da criatura nas suas próprias forças e de ânsia de riquezas» (Mons. Escrivá, Carta, 14-II-1974, n. 10). […] E vemos, sem pessimismos nem encolhimentos, que […] essas forças alcançaram um desenvolvimento sem precedentes e uma agressividade monstruosa, a tal ponto que «uma civilização inteira cambaleia, impotente e sem recursos morais» (ib.)”12. Perante essa situação, não é lícito permanecermos imóveis. O amor de Cristo nos urge…, diz-nos São Paulo na segunda Leitura da Missa13. A caridade, a extrema necessidade de tantas criaturas, é o que nos insta a um incansável trabalho apostólico em todos os ambientes, cada um no seu, ainda que deparemos com incompreensões e mal-entendidos provenientes de pessoas que não querem ou não podem entender-nos.

“Caminha […] in nomine Domini, com alegria e passo firme no nome do Senhor. Sem pessimismos! Se surgirem dificuldades, mais abundante será a graça que nos chega de Deus; se surgirem mais dificuldades, mais eficaz será a graça de Deus que nos desce do Céu; se houver muitas dificuldades, haverá muita graça de Deus. A ajuda divina é proporcional aos obstáculos que o mundo e o demônio levantam ao trabalho apostólico. Por isso, até me atreveria a afirmar que convém que haja dificuldades, porque assim teremos mais ajuda de Deus: Onde abundou o pecado, superabundou a graça (Rom 5, 20)”14.

Aproveitaremos essas ocasiões para purificar a intenção, para estar mais unidos ao Mestre, para nos fortalecermos na fé. A nossa atitude há de ser a de perdoar sempre e manter a serenidade, pois o Senhor está com cada um de nós. “Cristão, na tua nave dorme Cristo – recorda-nos Santo Agostinho –, desperta-o, que Ele admoestará a tempestade e far-se-á a calma”15. Tudo é para nosso proveito e para o bem das almas. Por isso, basta-nos estar na companhia do Senhor para nos sentirmos seguros. A inquietação, o medo e a covardia nascem quando a nossa oração murcha. Deus sabe bem tudo o que se passa conosco. E se for necessário, admoestará os ventos e o mar, e far-se-á uma grande bonança. E também nós ficaremos maravilhados, como os Apóstolos.

A Santíssima Virgem não nos abandona em nenhum momento: “Se se levantarem os ventos das tentações – diz São Bernardo –, olha para a estrela, chama por Maria […]. Não te extraviarás se a segues, não desesperarás se lhe rogas, não te perderás se nela pensas. Se ela te sustenta, não cairás; se te protege, nada terás a temer; se te guia, não te fatigarás; se te ampara, chegarás ao porto”16.

(1) Mc 4, 35-40; (2) Josemaría Escrivá, Forja, n. 343; (3) Lc 18, 31-33; (4) Mt 10, 24; (5) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, EUNSA, nota a Jo 15, 18-19; (6) Jo 15, 18; (7) São Gregório Magno, in Ezechielem homiliae, 9; (8) cfr. At 5, 41-42; (9) cfr. 1 Cor 1, 23; (10) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 416; (11) João Paulo II, Encíclica Familiaris consortio, n. 44; (12) A. del Portillo, Carta, 25-XII-1985, n. 4; (13) 2 Cor 5, 14-17; (14) A. del Portillo, Carta, 31-V-1987, n. 22; (15) Santo Agostinho, Sermão 361, 7; (16) São Bernardo, Homilias sobre a Virgem Maria, 2.

Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.