TEMPO COMUM. DÉCIMA SÉTIMA SEMANA. SEXTA‑FEIRA

– Valentia para seguir o Senhor em qualquer ambiente e em todas as circunstâncias.
– Vencer os respeitos humanos, parte da virtude da fortaleza.
– Muitas pessoas necessitam do testemunho claro do nosso sentir cristão. Dar exemplo.

I. QUANDO JESUS INICIOU a sua vida pública, muitos vizinhos e parentes tomaram‑no por louco1, e na sua primeira visita a Nazaré, que hoje lemos no Evangelho da Missa2, os seus conterrâneos negaram‑se a ver nEle o que quer que fosse de extraordinário. O comentário que lhes provocou mal dissimula a inveja de que estavam possuídos: Donde lhe vêm essa sabedoria e esses poderes? Não é este o filho do artesão? E escandalizavam‑se dele.

Desde o princípio, Jesus teve de enfrentar uma onda de maledicências e desprezos, nascidos de egoísmos covardes, porque proclamava a Verdade sem respeitos humanos. Essa onda iria aumentando com o decorrer dos anos, até desembocar na torrente de calúnias e na perseguição aberta que lhe causaram a morte. Os seus próprios inimigos reconheceriam em diversas ocasiões: Mestre, sabemos que és veraz e que ensinas o caminho de Deus segundo a verdade, sem te preocupares com ninguém, porque não fazes acepção de pessoas3.

Esta mesma disposição – independência em relação aos juízos e louvores dos homens – é a que o Mestre pede aos seus discípulos. Nós, cristãos, devemos cultivar e defender o devido prestígio profissional, moral e social, adquirido com toda a justiça, porque faz parte da dignidade humana e porque é necessário para levarmos a cabo o trabalho apostólico que devemos realizar no meio das nossas tarefas. Mas não devemos esquecer que em muitas ocasiões a nossa conduta entrará em choque com o comportamento dos que se opõem à moral cristã ou dos que se aburguesaram no seguimento de Cristo.

Nesses casos, devemos repelir o medo de parecer estranhos e, pelo contrário, experimentar o sadio orgulho de viver como discípulos de Cristo. Quem ocultasse a sua condição de cristão num ambiente de costumes pagãos, submeter‑se‑ia, por covardia, ao respeito humano, e seria merecedor daquelas palavras de Jesus: Quem me negar diante dos homens, eu também o negarei diante de meu Pai que está nos céus4. O Senhor ensina‑nos que a confissão da fé – com todas as suas conseqüências, em qualquer ambiente – é condição para sermos seus discípulos.

Assim se comportaram muitos fiéis seguidores de Jesus, como José de Arimatéia e Nicodemos, que – sendo discípulos ocultos do Senhor – não tiveram inconveniente em expor‑se num momento em que humanamente tudo parecia perdido, pois Jesus tinha morrido crucificado. Ao contrário de muitos outros, “são valentes, declarando perante a autoridade, o seu amor a Cristo – «audacter» – com audácia, na hora da covardia”5. E o mesmo fizeram mais tarde os Apóstolos, que se mostraram firmes diante do abuso do Sinédrio e das perseguições dos pagãos, bem convencidos de que a doutrina da Cruz de Cristo é loucura para os que se perdem, mas, para os que se salvam, isto é, para nós, é força de Deus6.

São Paulo, que nunca se envergonhou de pregar o Evangelho, escrevia ao seu discípulo Timóteo: Deus não nos deu um espírito de temor, mas de fortaleza, de amor e de temperança. Não te envergonhes nunca do testemunho do nosso Senhor7. São palavras que devemos considerar dirigidas a cada um de nós, a fim de que mantenhamos intacta a fidelidade ao Mestre quando as circunstâncias ou o ambiente se mostrarem adversos.

II. A VIDA DO CRISTÃO deve desenvolver‑se sem estridências, em clima de normalidade, no lugar em que lhe toca viver, mas com freqüência contrastará violentamente com modos de agir tíbios, aburguesados ou indiferentes, e muito mais com tantos comportamentos anticristãos que não raramente são indignos de um ser humano. Nesses casos, não nos deve surpreender que os que atuam à margem dos ensinamentos de Cristo nos julguem injustamente e que exteriorizem esses juízos de uma forma ou de outra.

Normalmente, não se tratará de sofrer violências físicas por causa do Evangelho, mas de suportar murmurações e calúnias, risos trocistas, discriminações no lugar de trabalho, perda de vantagens econômicas ou de amizades superficiais… Às vezes, a situação pode apresentar‑se na própria família ou com os amigos, e será necessária então uma boa dose de serenidade e de fortaleza sobrenatural para manter uma atitude coerente com a fé.

É nessas incômodas circunstâncias que pode surgir a tentação de escolher o caminho mais fácil, a fim de evitar nos outros um movimento de rejeição ou de incompreensão; é então que pode infiltrar‑se na alma a preocupação de não perder amigos, de não fechar portas pelas quais talvez seja necessário passar algum dia… É a tentação de nos deixarmos levar pelos respeitos humanos, de ocultarmos a nossa identidade, a nossa condição de discípulos de Cristo que querem viver muito perto dEle.

São situações difíceis; porém, o cristão não deve perguntar‑se pelo que é mais oportuno, pelo que será bem recebido ou aceito, mas pelo que é melhor, pelo que o Senhor espera dele naquela circunstância concreta. Muitas vezes, os respeitos humanos são conseqüência do comodismo de não querermos passar um mau bocado, do desejo de agradar sempre ou de não ser exceção dentro de um grupo. E talvez o Senhor espere justamente isso, que sejamos uma exceção, que nos mostremos coerentes com a fé e o amor que trazemos no coração, que manifestemos, nem que seja apenas com o silêncio, com umas poucas palavras, com um gesto, com uma atitude…, as nossas convicções mais profundas. Esta firmeza na fé, que transparece na conduta, é freqüentemente, sem o percebermos, a melhor maneira de darmos a conhecer todo o atrativo da fé cristã, e o começo do retorno de muitos à Casa do Pai.

Para muitos que começam a seguir o Senhor, este é um dos principais obstáculos que se apresentam no seu caminho. “Sabeis – pergunta o Cura d’Ars – qual é a primeira tentação que o demônio apresenta a uma pessoa que começou a servir melhor a Deus? É o respeito humano”8, porque toda a pessoa normal possui um sentido congênito de vergonha que a leva a fugir de situações que a coloquem em evidência diante dos outros. Mas esta será precisamente a nossa maior alegria: expormo‑nos por Jesus Cristo, sempre que a ocasião o requeira. Jamais nos arrependeremos de ter sido coerentes com a nossa fé cristã.

III. MUITAS PESSOAS estão ao nosso lado esperando o testemunho claro de um sentir cristão. Quanto bem podemos fazer com a nossa conduta! Como o mundo necessita de cristãos trabalhadores, amáveis, cordiais e firmes na sua fé! Às vezes, ouvimos falar de um “artigo corajoso” porque ataca o magistério do Papa ou porque defende o aborto ou os anticoncepcionais… No entanto, o que é corajoso, na época em que vivemos, é precisamente defender a autoridade do Romano Pontífice no que se refere à fé e à moral, defender o direito à vida de toda a pessoa concebida, ter – se essa é a vontade de Deus – uma família numerosa e, de qualquer modo, nunca fechar as fontes da vida, por mais que nos critiquem ou trocem de nós os médicos, os amigos, a mãe, a sogra ou as cunhadas.

É necessário e urgente obter de Deus a audácia própria dos filhos de Deus para superar os temores. Não podemos permitir que expulsem o Senhor ou que o coloquem entre parênteses na vida social, que homens sectários pretendam relegá‑lo ao âmbito da consciência individual, explorando a inoperância de gente boa acovardada.

A tentação de passarmos despercebidos em determinadas situações conflitivas devidas ao Evangelho, não nos deve causar estranheza. O próprio São Pedro, depois de ter sido confirmado como Chefe da Igreja, depois de ter recebido o Espírito Santo, caiu por respeitos humanos em pequenas concessões práticas a um ambiente adverso. Essas transigências foram‑lhe apontadas por São Paulo com firmeza e lealdade9, num episódio que, longe de embaçar a santidade e a unidade da Igreja, demonstrou a perfeita união dos Apóstolos, o apreço de São Paulo pela Cabeça visível da Igreja e a grande humildade de São Pedro em retificar.

O Senhor dá‑nos exemplo da conduta que devemos seguir. Desde aquele dia em Nazaré, Jesus sabia perfeitamente que muitos estariam em desacordo com Ele, mas nunca se deixou levar pelo desejo de agradar aos homens. Uma só coisa lhe importava: cumprir a vontade do Pai. Nunca deixou de curar, por exemplo, num sábado, embora soubesse que o vigiavam para ver se curava nesse dia10. Jesus sabia o que queria, e sabia‑o desde o princípio. Em todo o seu ministério, jamais o vemos vacilar, ficar indeciso, e muito menos retroceder, tanto nas suas palavras como no modo de agir.

O Senhor pede aos seus essa mesma vontade firme. “Com isso, infunde nos seus discípulos o seu modo de ser. Está muito longe dEle a precipitação e mais ainda a indecisão, as claudicações e as soluções de compromisso. Todo o seu ser e a sua vida são um «sim» ou um «não». Jesus é sempre o mesmo, sempre disposto, porque, quando fala e quando atua, sempre o faz com plena lucidez de consciência e com toda a sua vontade”11.

Peçamos a Jesus essa firmeza para nos deixarmos guiar em todas as circunstâncias pelo querer de Deus, que permanece para sempre, e não pela vontade dos homens, que é cambiante, caprichosa e pouco duradoura.

(1) Mc 3, 21; (2) Mt 13, 54‑58; (3) Mt 22, 16; (4) Mt 10, 32; (5) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 841; (6) 1 Cor 1, 18; (7) 2 Tim 1, 7‑8; (8) Cura d’Ars, Sermão sobre as tentações; (9) Gal 2, 11‑14; (10) Mc 3, 2; (11) cfr. K. Adam, Jesus Cristo, Quadrante, São Paulo, 1986, págs. 14‑15.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal