TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA PRIMEIRA SEMANA. SEGUNDA-FEIRA
– Dar e dar-se ainda que não se vejam os frutos.
– O prêmio à generosidade. Dar com alegria.
– Pôr a serviço dos outros os talentos recebidos.
I. JESUS FOI CONVIDADO para almoçar em casa de um dos fariseus importantes do lugar1e, uma vez mais, utiliza a imagem do banquete para nos transmitir um ensinamento valioso sobre o que devemos fazer pelos outros e o modo de levá-lo a cabo. Dirigindo-se ao que o tinha convidado, disse-lhe: Quando deres um almoço ou jantar, não convides os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os parentes, nem os vizinhos ricos; para que não aconteça que também eles te convidem e te paguem com isso. A seguir, indica a quem se deve dirigir o convite: aos pobres, aos coxos, aos cegos… E dá a razão desse critério: Serás bem-aventurado, porque esses não terão com que retribuir-te; receberás a recompensa na ressurreição dos justos2.
Os amigos, os parentes, os vizinhos ricos ver-se-ão obrigados a corresponder ao nosso convite com outro, ao menos do mesmo nível ou superior, e portanto o que se gastou na ceia já terá dado o seu fruto imediato. Pode tratar-se de uma obra humana reta, ou até muito boa, se a intenção for reta e os fins nobres (amizade, apostolado, estreitar os laços familiares…), mas, em si mesma, pouco se diferencia daquilo que os pagãos podem fazer. É uma maneira humana de agir: Se amais os que vos amam, que mérito tendes? Porque os pecadores também amam quem os ama. E se fazeis bem aos que vos fazem bem, que mérito tendes? Porque os pecadores também fazem o mesmo…3, dirá o Senhor em outra ocasião.
A caridade do cristão vai mais longe, pois inclui e ultrapassa ao mesmo tempo o plano natural, aquilo que é meramente humano; dá por amor ao Senhor, e sem esperar nada em troca. Os pobres, os mutilados…, nada podem devolver, pois não possuem nada. Então é fácil ver Cristo nos outros. A imagem do banquete não se reduz exclusivamente aos bens materiais; é imagem de tudo o que o homem pode oferecer aos outros: consideração, alegria, otimismo, companhia, atenção…
Conta-se da vida de São Martinho que, certa noite, Cristo lhe apareceu em sonhos vestido com a metade da capa de oficial romano que poucas horas antes o Santo tinha dado a um pobre. Martinho olhou atentamente para o Senhor e reconheceu a capa. Ao mesmo tempo, ouviu Jesus dizer aos anjos que o acompanhavam, num tom de voz que nunca esqueceria: “Martinho, que é apenas um catecúmeno, cobriu-me com estas vestes”. Imediatamente o Santo lembrou-se de outras palavras de Jesus: Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes4. A visão encheu-o de paz e de alento, e pouco tempo depois administravam-lhe o Batismo5.
Não devemos fazer o bem esperando uma recompensa nesta vida. Devemos ser generosos (no apostolado, na esmola, nas obras de misericórdia…), mas sem esperar receber nada por isso. A caridade não busca nada, a caridade não é interesseira6. Devemos dar, semear, dar-nos, ainda que não vejamos nem frutos, nem correspondência, nem agradecimento, nem benefício pessoal algum. O Senhor ensina-nos nesta parábola a dar liberalmente, sem calcular retribuição alguma. Um dia recebê-la-emos em abundância.
II. NÃO SE PERDE NADA do que levamos a cabo em benefício dos outros. Quem dá em abundância dilata e enriquece o seu coração, torna-se jovem e aumenta a capacidade de amar. O egoísmo encolhe a pessoa, limita o seu horizonte pessoal, tornando-o pobre e estreito. Quando não vemos os frutos do nosso sacrifício, nem colhemos dele agradecimento humano algum, basta-nos saber que o objeto da nossa generosidade é o próprio Cristo. Nada se perde. “Não vedes agora – comenta Santo Agostinho – a importância do bem que realizais; o lavrador, ao semear, também não tem diante dos olhos a colheita; mas confia na terra. Por que não confias tu em Deus? Chegará um dia que será o da nossa colheita. Pensa que nos encontramos agora nas fainas de semeadura; mas plantamos para colher mais tarde, conforme diz a Escritura: Vão andando e choram, espalhando as suas sementes; quando voltarem, virão com alegria, trazendo os feixes (Sl 125)”7. A caridade não desanima se não vê resultados imediatos; sabe esperar, é paciente.
A generosidade abre caminho à necessidade vital de dar. O coração que não sabe espalhar o bem entre os que o rodeiam, no ambiente em que vive, inutiliza-se, envelhece e morre. Quando damos, o nosso coração alegra-se e estamos em condições de compreender melhor o Senhor, que deu a sua vida em resgate por todos8. Quando São Paulo agradece aos Filipenses a ajuda que lhe prestaram, diz-lhes que está contente não tanto pelo benefício que recebeu, como sobretudo pelo fruto que as esmolas trarão para eles próprios: a fim de que vão aumentando os juros da vossa conta9. Por isso São Leão Magno recomenda que “quem distribui esmolas se disponha a fazê-lo com despreocupação e alegria, já que, quanto menos reserve para si, maior será o lucro que terá”10.
São Paulo também animava os primeiros cristãos a viver a generosidade com alegria, pois Deus ama aquele que dá com alegria11. Ninguém – muito menos o Senhor – pode gostar de um serviço ou de uma esmola praticados de má vontade ou com tristeza: “Se dás o pão com tristeza – comenta Santo Agostinho –, perdeste o pão e o prêmio”12. Por outro lado, o Senhor entusiasma-se com a entrega de quem dá e se dá por amor, espontaneamente, sem cálculos…
III. É MUITO o que podemos dar aos outros. Podemos dar-lhes bens materiais – ainda que seja pouco, se dispomos de pouco –, tempo, companhia, cordialidade… Trata-se de pôr ao serviço dos outros os talentos que recebemos do Senhor. “Eis uma tarefa urgente: sacudir a consciência dos que crêem e dos que não crêem – fazer uma leva de homens de boa vontade –, com o fim de que cooperem e proporcionem os instrumentos materiais necessários para trabalhar com as almas”13.
O Evangelho da Missa ensina-nos que a melhor recompensa que podemos receber na terra é termos dado. Com isso termina tudo. Nada devemos recordar aos outros; nada lhes deve ser exigido em troca. Ordinariamente, é melhor que os pais não recordem aos filhos o muito que fizeram por eles; nem a mulher ao marido as mil ajudas que em momentos difíceis soube prestar-lhe, os desvelos, a paciência…; nem o marido à mulher o trabalho intenso que lhe custa levar a família para a frente… Tudo fica em melhores mãos quando é anotado unicamente por Deus na história pessoal de cada um. Devemos mesmo aceitar de antemão que as boas ações que levamos a cabo sejam mal interpretadas de vez em quando: “Vi rubor no rosto daquele homem simples, e quase lágrimas em seus olhos: prestava generosamente a sua colaboração em obras boas, com o dinheiro honesto que ele mesmo ganhava, e soube que os “bons” apodavam de bastardas as suas ações. Com ingenuidade de neófito nestas batalhas de Deus, sussurrava: «Estão vendo que me sacrifico… e ainda me sacrificam!» – Falei-lhe devagar. Beijou o meu Crucifixo, e a sua indignação natural trocou-se em paz e alegria”14.
O Senhor manda-nos compreender os outros ainda que eles não nos compreendam (talvez não o possam fazer nesse momento, como não o podiam os indigentes convidados ao banquete, que não estavam em condições de retribuir o convite com outro convite). E devemos também amar as pessoas ainda que nos ignorem, e prestar muitos pequenos serviços ainda que em circunstâncias semelhantes no-los neguem. E tornar a vida amável aos que nos rodeiam, ainda que algumas vezes pareça que nos correspondem com a indiferença…
E tudo isso com coração grande, sem levar uma contabilidade de cada favor prestado. Quando se ouvem lamentos e queixas de alguns que – segundo dizem – passaram pela vida dando e entregando-se sem receber depois as mesmas atenções, pode-se suspeitar de que faltou algo essencial nessa entrega, pelo menos a pureza de intenção. Quem dá de olhos postos em Deus não experimenta desilusão nem cansaço, mas júbilo íntimo e uma abertura de coração que resulta de saber que Deus está contente com o que fez. “Quanto mais generoso fores – por Deus –, mais feliz serás”15.
A nossa Mãe Santa Maria, que com o seu faça-se entregou o seu ser e a sua vida ao Senhor e a nós, seus filhos, ajudar-nos-á a não reservar nada para nós mesmos e a ser generosos nas mil pequenas oportunidades que se apresentam todos os dias.
(1) Cfr. Lc 14, 1; (2) Lc 14, 12-14; (3) Lc 6, 32; (4) Mt 25, 40; (5) cfr. P. Croiset, Año cristiano, Madrid, 1846, vol. IV, págs. 82-83; (6) 1 Cor 13, 5; (7) Santo Agostinho, Sermão 102, 5; (8) cfr. Mt 20, 28; (9) Fil 4, 17; (10) São Leão Magno, Sermão 10 sobre a Quaresma; (11) 2 Cor 9, 7; (12) Santo Agostinho, Comentário aos Salmos, 42, 8; (13) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 24; (14) ibid., n. 28; (15)ibid., n. 18.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal