TEMPO COMUM. TRIGÉSIMO TERCEIRO DOMINGO. ANO B

– O desejo de ver o rosto do Senhor.
– A sua vinda gloriosa.
– A esperança no dia do Senhor.

I. EU TENHO DESÍGNIOS de paz e não de aflição, diz o Senhor. Vós me invocareis e eu vos escutarei; e recolher-vos-ei do meio de todos os povos e de todos os lugares por onde vos dispersei1. São palavras de Deus que chegam até nós pelo profeta Jeremias e que são mencionadas hoje na Antífona de entrada da Missa.

Jesus Cristo cumpriu a missão que o Pai lhe confiou, mas a sua obra, de certo modo, não está ainda terminada. Voltará no fim dos tempos para concluir o que iniciou. Desde os primeiros séculos, a Igreja confessa a sua fé nesta segunda vinda gloriosa de Cristo: virá glorioso e triunfante para julgar os vivos e os mortos2. “A Sagrada Escritura – ensina o Catecismo Romano – dá testemunho destas duas vindas do Filho de Deus. A primeira quando, pela nossa salvação, assumiu a natureza humana e se fez homem no seio da Virgem. A outra, quando vier no fim do mundo para julgar todos os homens; esta última é chamada o dia do Senhor3.

A liturgia da Missa, agora que faltam poucos dias para encerrar o ano litúrgico, recorda-nos esta verdade de fé. A primeira Leitura4 apresenta-nos o anúncio que dela fez o profeta Daniel: Naquele tempo levantar-se-á o arcanjo Miguel, que é o protetor dos filhos do teu povo; e virá um tempo como não houve outro desde que os povos começaram a existir. E chegará a plenitude da salvação, com a ressurreição do corpo: Acordarão uns para a vida perpétua, e outros para o opróbrio perpétuo. Os sábios, os que entenderam verdadeiramente o sentido da vida aqui na terra e foram fiéis, resplandecerão como a luz do firmamento. O Profeta anuncia a seguir a especial glória daqueles que, mediante o seu apostolado em qualquer das suas formas, contribuíram para a salvação de outros: E os que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça brilharão como as estrelas por toda a eternidade.

Os cristãos da primeira época, desejosos de ver o rosto glorioso de Cristo, repetiam a doce invocação: Vem, Senhor Jesus!5 Era uma jaculatória tantas vezes repetida que nos próprios escritos primitivos6 ficou plasmada em arameu, a língua falada por Jesus e pelos Apóstolos. Hoje, traduzida para os diversos idiomas, ficou como uma das possíveis aclamações na Santa Missa, depois da Consagração.

Quando Cristo se faz presente sobre o altar, a Igreja manifesta o desejo de vê-lo glorioso. Dessa forma, “a liturgia da terra harmoniza-se com a do Céu. E agora, como em cada uma das Missas, chega ao nosso coração necessitado de consolo a resposta tranqüilizadora: Aquele que dá testemunho destas coisas diz: Sim, vou já7. E ainda que não tenha chegado o momento de estar com Ele no Céu, antecipa esse momento feliz ao vir à nossa alma, poucos instantes depois, no momento da Comunhão. “Que a invocação apaixonada da Igreja: Vinde, Senhor Jesus pedia o Papa João Paulo II –, se converta no suspiro espontâneo do vosso coração, jamais satisfeito com o presente, porque tende para o “ainda não” do cumprimento prometido”8, momento em que, com os nossos próprios corpos já gloriosos, encontraremos a plenitude em Deus.

Agora, na intimidade da nossa alma, dizemos a Jesus: Vultum tuum, Domine, requiram9, procuro, Senhor, a tua face, que um dia, com a ajuda da tua graça, terei a felicidade de ver face a face.

II. O SENHOR É A PORÇÃO da minha herança e o meu cálice; és tu que tens na mão a minha parte. Tenho sempre o Senhor diante de mim; com Ele à minha direita, não vacilarei. Portanto, alegra-se o meu coração e exulta de júbilo a minha alma, e a minha carne descansa serena: porque não abandonarás a minha alma na morada dos mortos, nem permitirás que o teu santo experimente a corrupção10.

Este Salmo responsorial da Missa refere-se a Cristo, como se interpreta nos Atos dos Apóstolos11; nele está anunciada a ressurreição dos nossos corpos no fim dos tempos. Verdadeiramente, podemos dizer na intimidade do nosso coração que o Senhor é a porção da minha herança e o meu cálice, aquilo que me coube em sorte; alegra-se o meu coração e exulta de júbilo a minha alma agora e no fim dos tempos. Cristo é a grande sorte da nossa vida. Ele está sentado à direita de Deus, à espera do tempo que falta12.

No fim dos tempos, lemos no Evangelho da Missa13, verão o Filho do homem vir sobre as nuvens, com grande poder e glória. E enviará os seus anjos, e juntará os seus escolhidos dos quatro ventos, desde a extremidade da terra até à extremidade do céu. Se na sua Encarnação o Senhor passou oculto ou ignorado, e na sua Paixão ocultou completamente a sua divindade, no fim dos tempos virá rodeado de majestade e glória, com grandes sinais na terra e no céu, como anunciou o profeta Daniel: O sol se escurecerá, e a lua não dará o seu resplendor; e as estrelas do céu cairão, e se comoverão as potestades que estão nos céus. Virá como Redentor do mundo, como Rei, Juiz e Senhor do Universo, “não para ser julgado novamente – ensinam os Padres da Igreja –, mas para chamar ao seu tribunal aqueles por quem foi levado a juízo. Aquele que antes, enquanto era julgado, guardou silêncio, refrescará a memória dos malfeitores que ousaram insultá-lo quando estava na cruz, e lhes dirá: Fizestes isto e eu calei-me.

“Naquele tempo, pela sua clemente providência, veio ensinar os homens com suave persuasão; nesta outra ocasião, futura, quer queiram, quer não, os homens terão de submeter-se necessariamente ao seu reinado […]. É por isso que, na nossa profissão de fé, tal como a recebemos por tradição, dizemos que cremos que subiu aos céus e está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, na sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim14.

E mostrar-se-á glorioso aos que lhe foram fiéis ao longo dos séculos, e também aos que o negaram ou perseguiram, ou viveram como se a sua morte na Cruz tivesse sido um acontecimento sem importância. Toda a humanidade verá como Deus Pai o exaltou, e lhe deu um nome que está acima de todo o nome; para que, ao nome de Jesus, todo o joelho se dobre no céu, na terra e no inferno, e toda a língua confesse que o Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Pai15.

Como devemos dar por bem empregados os nossos esforços por seguir o Senhor, traduzidos nesse cúmulo de coisas pequenas, de serviços quase intranscendentes, que procuramos fazer todos os dias por Deus e que talvez ninguém veja…! Se formos fiéis, Jesus tratar-nos-á como seus amigos de sempre. Por isso, alegra-se o meu coração e exulta de júbilo a minha alma, e a minha carne descansa serena.

III. INDICAR-ME-ÁS as sendas da vida, saciar-me-ás de gozo na tua presença, de alegria perpétua à tua direita16, continua o Salmo responsorial.

A segunda vinda de Cristo é designada freqüentemente na Sagrada Escritura mediante o termo grego parusia, que em linguagem profana significava a entrada solene de um imperador numa cidade ou província, onde era saudado como salvador daquela terra. O momento da entrada, que sempre tinha algo de inesperado, era tido como dia de festa e, às vezes, era o ponto de partida para um novo cômputo do tempo17: desejava-se indicar que, com aquele acontecimento, começava uma nova era. Para nós, a chegada de Cristo será uma grande festa, pois a alma se unirá novamente ao corpo, e começará “um novo cômputo do tempo”, uma nova forma de existência, onde cada um – corpo e alma – dará glória a Deus numa eternidade sem fim.

A esperança neste dia do Senhor foi para os primeiros cristãos um motivo para perseverarem e terem paciência diante das adversidades; São Paulo recorda-o em inúmeras ocasiões. Também nos deve ajudar a nós a guardar fidelidade ao Senhor, especialmente se alguma vez o ambiente que nos rodeia é adverso e está cheio de dificuldades. Nós devemos, irmãos, dar sempre graças a Deus por vós – escreve o Apóstolo aos cristãos de Tessalônica –, como é justo, porque a vossa fé vai em grande aumento e em cada um de vós transborda a caridade mútua; de sorte que também nós mesmos nos gloriamos de vós nas igrejas de Deus, pela vossa paciência e fé no meio de todas as perseguições e tribulações que sofreis. Isto é sinal do justo juízo de Deus, que assim vos purifica para que sejais tidos por dignos do reino de Deus, pelo qual agora padeceis18.

O Senhor permite que numa ocasião ou noutra soframos um pouco por sermos fiéis aos seus ensinamentos, ou que nos batam à porta a doença e a dor, para que aumentemos a confiança nEle, vivamos melhor o desprendimento da honra, da saúde, do dinheiro…, para nos fazer dignos do reino que nos preparou. E também para que, no meio do mundo, recordemos que o “reino de Deus, iniciado aqui na Igreja de Cristo, não é deste mundo, cuja figura passa, e o seu crescimento próprio não pode confundir-se com o progresso da civilização, da ciência ou da técnica humanas, mas consiste em conhecer cada vez mais profundamente as riquezas insondáveis de Cristo, em esperar cada vez com mais força os bens eternos, em corresponder cada vez mais ardentemente ao amor de Deus, em dispensar cada vez mais abundantemente a graça e a santidade entre os homens”19.

(1) Jer 29, 11-12; 14; Antífona de entrada da Missa do trigésimo terceiro domingo do Tempo Comum, ciclo B; (2) Símbolo Niceno-Constantinopolitano; (3) Catecismo Romano, I, 8, n. 2; (4) Dan 12, 1-3; (5) Apoc 22, 20; (6) cfr. 1 Cor 16, 22; Didaquê, 10, 6; (7) João Paulo II, Homilia, 18.05.80; (8) ibid.; (9) Sl 26, 8; (10) Sl 15, 5; 8-9; Salmo responsorial da Missa do trigésimo terceiro domingo do Tempo Comum, ciclo B; (11) cfr. At 2, 25-32; 13, 35; (12) Hebr 10, 11-14; 18; Segunda leitura da Missa do trigésimo terceiro domingo do Tempo Comum, ciclo B; (13) Mc 13, 24-32; (14) São Cirilo de Jerusalém, Catequese 15 sobre as duas vindas de Cristo; (15) Fil 2, 9-11; (16) Sl 15, 10; Salmo responsorial da Missa do trigésimo terceiro domingo do Tempo Comum, ciclo B; (17) cfr. Michael Schmaus, Teologia dogmática, vol. VII, Os novíssimos; (18) 2 Tess 1, 3-5; (19) Paulo VI, Credo do povo de Deus, n. 27.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal