TEMPO COMUM. VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO. CICLO B

– Nós, como os Apóstolos, seguimos Jesus para sempre, como meta para que tendem todos os nossos passos.

I. A PRIMEIRA LEITURA da Missa1 relata‑nos o momento em que o Povo de Deus, tendo já atravessado o Jordão, estava a ponto de entrar na Terra Prometida. Josué convocou todas as tribos de Israel em Siquém, e disse‑lhes: Se vos desagrada servir o Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos deuses, a quem os vossos pais serviram na Mesopotâmia, se aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Quanto a mim e à minha casa, serviremos o Senhor. E o povo respondeu: Longe de nós abandonarmos o Senhor […], porque ele é o nosso Deus.

No Evangelho da Missa2, Jesus também propõe aos seus discípulos uma decisão sobre quem seguir. Depois do anúncio da Eucaristia na sinagoga de Cafarnaum, muitos discípulos abandonaram o Mestre por lhes terem parecido duras de aceitar as suas palavras sobre o mistério eucarístico. Jesus voltou‑se então para os que o tinham seguido dia após dia, e perguntou‑lhes: Quereis vós também retirar‑vos? E Pedro, em nome de todos, disse‑lhe: Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna; e nós cremos e sabemos que tu és o Santo de Deus. Os Apóstolos dizem uma vez mais a Cristo que sim. Que seria deles sem Jesus? Para onde dirigiriam os seus passos? Quem satisfaria as ânsias dos seus corações? A vida sem Cristo, então como agora, não tem sentido.

Nós também dissemos sim, para sempre, a Jesus. Abraçamos a Verdade, a Vida, o Amor. A liberdade que Deus nos outorgou foi por nós dirigida na única direção certa. Naquele dia em que o Senhor pôs os olhos de modo especial em nós, dissemos‑lhe que Ele seria a meta para a qual encaminharíamos os nossos passos; e depois daquele momento, em muitas outras ocasiões, voltamos a dizer‑lhe: Senhor, a quem iríamos? Sem Ti, nada tem sentido.

Hoje é uma boa ocasião para vermos como é a qualidade da nossa entrega ao Senhor, se realmente deixamos de lado com alegria tudo o que nos possa afastar de Deus… “Queres fazer o favor de pensar – eu também faço o meu exame – se manténs imutável e firme a tua opção de vida?; se, ao ouvires essa voz de Deus, amabilíssima, que te estimula à santidade, respondes livremente que sim?”3

Dizer sim ao Senhor em todas as circunstâncias significa também dizer não a outros caminhos, a outras possibilidades. Ele é o Amigo; só Ele tem palavras de vida eterna.

– Os sinais do caminho e a liberdade.

II. À SEMELHANÇA daqueles discípulos que reafirmaram a sua plena adesão a Cristo, muitos homens e mulheres de todas as épocas e raças, depois de terem andado talvez por muito tempo na escuridão, um dia encontraram Jesus e viram aberto e sinalizado o caminho que conduzia ao Céu. O mesmo aconteceu conosco; finalmente a nossa liberdade não servia apenas para irmos de um lado para outro sem rumo fixo, mas para caminhar para um objetivo: Cristo! Então compreendemos o caráter surpreendentemente alegre da liberdade que escolhe Jesus e rejeita o que a separa dEle, porque “a liberdade não se basta a si mesma: precisa de um norte, de um roteiro”4. O norte da nossa liberdade, o que marca constantemente a direção dos nossos passos, é o Senhor, pois sem Ele, a quem iríamos?; em que empregaríamos estes breves dias que Deus nos deu?

Existe alguma coisa que valha a pena sem Ele?

Para muitos, infelizmente, a liberdade significa seguir os impulsos ou os instintos, deixar‑se levar pelas paixões ou por aquilo que lhes agrada num dado momento. Na verdade, estes homens – tantos! – esquecem que “a liberdade é certamente um direito humano irrenunciável e basilar, que, no entanto, não se caracteriza pelo poder de escolher o mal, mas pela possibilidade de realizar responsavelmente o bem, reconhecido e desejado como tal”5. Um homem que tenha um conceito errôneo e pobre da liberdade rejeitará toda a verdade que proponha uma meta válida e obrigatória para todos os homens, porque lhe parecerá um inimigo da sua liberdade6.

Se escolhemos Cristo, se Ele é o verdadeiro objetivo dos nossos atos, veremos como um bem imenso e uma valiosa orientação tudo o que nos indique o modo de avançarmos ao seu encontro ou nos aponte os obstáculos que nos separam dEle. O viajante que se dirige a uma região desconhecida consulta um mapa, pergunta aos que conhecem o caminho e segue os sinais da estrada, e não o faz a contragosto, mas com todo o interesse, pois deseja chegar ao seu destino. Não se sente de maneira nenhuma diminuído na sua liberdade, nem considera uma humilhação depender dos mapas, sinais e guias para chegar aonde pretende. Se estava inseguro ou começava a sentir‑se perdido, as sinalizações que encontra são para ele motivo de alívio e agradecimento.

Não é verdade que geralmente confiamos mais nos mapas ou nas sinalizações da estrada do que no nosso sentido de orientação? Quando aceitamos esses sinais, não experimentamos nenhuma sensação de imposição; recebemo‑los antes como uma grande ajuda, como um novo conhecimento, que não demoramos a converter em coisa própria.

Ora bem, é o que se passa com os Mandamentos de Deus, com as leis e ensinamentos da Igreja, com os conselhos que recebemos na direção espiritual ou que pedimos numa situação difícil… São sinais que, de maneiras diferentes, garantem a nossa liberdade, a livre escolha que fizemos de seguir Jesus, abandonando outros caminhos que não nos levam aonde queremos ir. “A autoridade da Igreja, nos seus ensinamentos de fé ou de moral, é um serviço. É a sinalização do caminho que leva ao Céu. Merece toda a confiança, porque goza de uma autoridade divina. Não se impõe a ninguém. Simplesmente é oferecida aos homens. E cada um pode, se quiser, apropriar‑se dela, torná‑la sua…”7

Não devemos surpreender‑nos se alguma vez esses sinais indicadores de que Deus se serve, nos levam a abandonar caminhos ou avenidas que pareciam mais suaves, para nos conduzirem a outros mais íngremes e difíceis. Ainda que essa escolha possa sofrer os protestos do nosso comodismo, sempre teremos a alegria – também quando sentirmos as asperezas do caminho – de ver que a nossa vida tem um objetivo formidável, escolhido talvez há muito tempo ou há poucas semanas. Vamos em direção ao cume, e ali espera‑nos Cristo.

III. AS SINALIZAÇÕES que o Senhor nos vai dando devem merecer da nossa parte toda a confiança: são brilhantes pontos de luz que iluminam o caminho para que possamos vê‑lo e percorrê‑lo com segurança. Quem procura corresponder sinceramente às graças de Deus nota que, nesse seguimento de Cristo, encontra a liberdade. Ao escutar as moções divinas, pode ver, finalmente, o caminho iluminado: “Não se sentem os mandamentos como uma imposição vinda de fora, mas como uma exigência nascida de dentro, e à qual, portanto, a pessoa se submete de bom grado, livremente, porque sabe que, desse modo, pode realizar‑se plenamente8. E então toma a decisão absolutamente pessoal de aderir a Cristo e assim realizar a plenitude a que todos fomos chamados.

“O homem – ensina o Papa João Paulo II – não pode ser autenticamente livre nem promover a verdadeira liberdade se não reconhecer e viver a transcendência do seu ser sobre o mundo e a sua relação com Deus, pois a liberdade é sempre a do homem criado à imagem do seu Criador […]. Cristo, Redentor do homem, torna‑nos livres. Se o Filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres, diz o Apóstolo São João (8, 36). E São Paulo acrescenta: Onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade (2 Cor 3, 17). Ser libertado da injustiça, do medo, da aflição, do sofrimento, não serviria de nada se se permanecesse escravo no fundo do coração, escravo do pecado. Para ser verdadeiramente livre, o homem deve ser libertado dessa escravidão e transformado numa nova criatura. A liberdade radical do homem situa‑se, pois, num nível mais profundo: o da abertura a Deus pela conversão do coração, já que é no coração do homem que se situam as raízes de toda a sujeição, de toda a violação da liberdade”9.

Enquanto cada um dos dias em que seguimos o Senhor nos faz experimentar com mais força a alegria da nossa escolha e a expansão da nossa liberdade, vemos ao nosso redor como vivem na escravidão os que um dia voltaram as costas a Deus e não quiseram conhecê‑lo.

“Escravidão ou filiação divina: eis o dilema da nossa vida. Ou filhos de Deus ou escravos da soberba, da sensualidade, desse egoísmo angustiante em que tantas almas parecem debater‑se.

“O Amor de Deus marca o caminho da verdade, da justiça e do bem. Quando nos decidimos a responder ao Senhor: a minha liberdade para Ti, ficamos livres de todas as cadeias que nos haviam atado a coisas sem importância, a preocupações ridículas, a ambições mesquinhas”10.

Ao escolhermos Cristo como fim da nossa vida, acabamos por ganhar tudo.

Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna. Reafirmemos também hoje o nosso seguimento de Cristo, com muito amor, confiantes na sua ajuda cheia de misericórdia; e digamos com plena liberdade: A minha liberdade para Ti. Imitaremos assim Aquela que soube dizer: Eis aqui a escrava do Senhor, faça‑se em mim segundo a tua palavra.

(1) Jos 24, 1‑2; 15‑17; 18; (2) Jo 6, 61‑70; (3) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 24; (4) ib., n. 26; (5) João Paulo II, Alocução, 6‑VI‑1988; (6) cfr. C. Burke, Consciência e liberdade, págs. 91‑92; (7) ib., págs. 66‑67; (8) João Paulo II, op. cit.; (9) idem, Mensagem para a jornada da Paz, 8‑XII‑1980, 11; (10) Josemaría Escrivá, op. cit., n. 38.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal