29 DE JUNHO. SÃO PEDRO E SÃO PAULO APÓSTOLOS

Solenidade

– O Senhor escolhe os seus discípulos.

I. QUE DEVO FAZER, Senhor?1, perguntou São Paulo no momento da sua conversão. Jesus respondeu-lhe: Levanta-te e entra em Damasco, e ali te será dito tudo o que deves fazer.

O perseguidor, transformado pela graça, receberá a instrução cristã e o batismo por meio de um homem – Ananias –, de acordo com os caminhos normais da Providência. E depois, tendo Cristo por eixo da sua vida, dedicar-se-á com todas as suas forças a espalhar a Boa Nova, sem se importar com os perigos, as tribulações, os sofrimentos e os aparentes fracassos. Sabe-se instrumento escolhido para levar o Evangelho a muitas gentes: Quando aprouve Àquele que me segregou desde o ventre de minha mãe, e me chamou pela sua graça, revelar em mim o seu Filho, para anunciá-lo aos gentios…2, lemos na segunda Leitura da Missa.

Santo Agostinho afirma que o zelo apaixonado de Paulo, anterior à sua conversão, era como uma selva impenetrável, mas, apesar de constituir um grande obstáculo, era ao mesmo tempo indício da fecundidade do solo. O Senhor semeou aí a semente do Evangelho, e os frutos foram inumeráveis3. O que aconteceu com Paulo pode acontecer com cada homem, mesmo que as suas faltas tenham sido muito graves. É a ação misteriosa da graça, que não muda a natureza, mas exerce sobre ela um poder curativo e purificador, e depois a eleva e aperfeiçoa.

São Paulo estava convencido de que Deus contava com ele desde o momento em que fora concebido, desde o ventre materno, conforme insiste em diversas ocasiões. A Sagrada Escritura mostra-nos como Deus escolhe os seus enviados mesmo antes de nascerem4, pondo assim de manifesto que a iniciativa é dEle e antecede qualquer mérito pessoal. O Apóstolo diz expressamente aos primeiros cristãos de Éfeso: Escolheu-nos antes da constituição do mundo5. E concretiza ainda mais na Epístola a Timóteo: Chamou-nos com vocação santa, não em virtude das nossas obras, mas em virtude do seu desígnio6.

A vocação é um dom que Deus preparou desde toda a eternidade. Por isso, quando o Senhor se manifestou em Damasco, Paulo não pediu conselho “nem à carne nem ao sangue”, não consultou nenhum homem, porque tinha a certeza de que fora chamado pelo próprio Deus. Não atendeu aos conselhos da prudência carnal, antes foi plenamente generoso com o Senhor. A sua entrega foi imediata, total, sem condições. E o mesmo aconteceu com os demais Apóstolos, quando ouviram o convite de Jesus: deixaram as redes imediatamente7 e, relictis omnibus, abandonando todas as coisas8, seguiram o Mestre. Saulo, antigo perseguidor dos cristãos, segue agora o Senhor com toda a prontidão.

Todos nós recebemos, de diversas maneiras, uma chamada concreta para servir o Senhor. E ao longo da vida chegam-nos novos convites para segui-lo, e temos de ser generosos com Ele em cada novo encontro. Temos de saber perguntar a Jesus na intimidade da oração, como São Paulo: Que devo fazer, Senhor?, que queres que eu deixe por Ti?, em que desejas que eu melhore? Neste momento da minha vida, que posso fazer por Ti?

– Chamada de Deus e vocação apostólica.

II. SÃO PAULO FOI CHAMADO por meio de sinais extraordinários, mas o efeito que esses sinais produziram nele foi o mesmo que ocasiona a chamada específica que Deus faz a muitos para que o sigam no meio das suas tarefas diárias. O Senhor chama todos os cristãos à santidade; e é uma vocação exigente, muitas vezes heróica, pois Ele não quer seguidores tíbios, discípulos de segunda classe. E há os que são chamados a uma particular entrega para estenderem o seu reinado entre todos os homens, sem que por isso tenham que abandonar os seus afazeres no mundo. Em qualquer caso, cada um, respondendo à vocação específica a que foi chamado, se quiser ser discípulo do Mestre, deve imprimir um sentido apostólico à sua vida: um sentido que o levará a não deixar passar nenhuma oportunidade de aproximar os outros de Cristo, que é aproximá-los da fonte da alegria, da paz e da plenitude.

Para um cristão que quer fazer da sua vida uma imitação de Cristo, o apostolado torna-se, portanto, parte da sua vida, ou melhor, a sua própria vida, como o foi para São Paulo. O trabalho converte-se em ocasião de apostolado; e o mesmo acontece com a dor ou com o tempo de descanso… Esse cristão que participa da intimidade do Senhor experimenta a necessidade de comunicar o seu achado, “a necessidade de expandir-se, de fazer, de dar, de falar, de transmitir aos outros o seu tesouro, o seu fogo […]. O apostolado converte-se na expansão contínua de uma alma, na exuberância de uma personalidade possuída por Cristo e animada pelo seu Espírito. Sente-se a urgência de correr, de trabalhar, de promover de todas as maneiras possíveis a difusão do reino de Deus, a salvação dos outros, de todos”9.Ai de mim se não evangelizar!10, exclama o Apóstolo.

Identificado com Cristo – a suprema descoberta da sua vida –, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em redenção de muitos11, o Apóstolo faz-se servo de todos para conquistar todos os que puder. Com os judeus – diz aos de Corinto –, fiz-me judeu para ganhar os judeus… Com os fracos, fiz-me fraco para ganhar os fracos; fiz-me tudo para todos para salvar a todos12.

Pedimos hoje ao Apóstolo das gentes um coração grande como o seu, para sabermos passar por cima das pequenas humilhações ou dos aparentes fracassos que acompanham necessariamente a ação apostólica. E dizemos a Jesus que estamos dispostos a conviver com todos, a oferecer a todos a possibilidade de conhecê-lo e amá-lo, sem nos importarmos com os sacrifícios nem pretendermos êxitos imediatos.

– O apostolado, uma tarefa sacrificada e alegre.

III. SÃO PAULO EXORTAVA Timóteo a falar de Deus opportune et importune13, isto é, tivesse ou não ocasião de fazê-lo; também, portanto, quando as circunstâncias fossem adversas. Pois virá um tempo em que não suportarão a sã doutrina, antes se rodearão de mestres à medida das suas próprias paixões, levados pelo prurido de ouvir14. Era como se o Apóstolo estivesse presente nos nossos dias. Mas tu – adverte a Timóteo, e nele a cada cristão – sê circunspecto em tudo, sê valente no sofrimento, esforça-te na propagação do Evangelho, cumpre perfeitamente o teu ministério15.

Os sacerdotes levarão a cabo essa missão no exercício do seu munus: com a pregação da palavra de Deus, com o seu exemplo, com a sua caridade, com os conselhos no sacramento da Penitência. Os leigos – a imensa maioria do Povo de Deus –, por meio da amizade, com o conselho amável, com a conversa a sós com aquele amigo que parece afastar-se do Senhor ou com aquele outro que nunca quis saber dEle… E tudo isso à saída do trabalho, da Faculdade, no lugar em que se passam as férias…, os pais com os filhos…, aproveitando o melhor momento ou criando a ocasião.

João Paulo II animava os jovens – e todo o cristão que tem Cristo consigo é sempre jovem – a um apostolado vivo, direto e alegre. “Sede profundamente amigos de Jesus e levai à família, à escola, ao bairro, o exemplo da vossa vida cristã, limpa e alegre. Sede sempre jovens cristãos, verdadeiras testemunhas da doutrina de Cristo. Mais ainda: sede portadores de Cristo nesta sociedade perturbada, necessitada dEle hoje mais do que nunca. Anunciai a todos com a vossa vida que somente Cristo é a verdadeira salvação da humanidade”16.

Temos de pedir hoje a São Paulo que saibamos converter em oportuna qualquer situação que se nos apresente. Quando se chega a um trato verdadeiramente amistoso com uma pessoa, é absolutamente natural que mais cedo ou mais tarde lhe falemos de Deus, em clima de confidência. Não se deve temer nesse caso a inoportunidade. E, para nossa confusão, muitas vezes a reação será exatamente a contrária daquela que temíamos: “Como é que você não me falou antes disso?” E nesse ambiente de simplicidade, surgem sempre confidências íntimas de antigas frustrações, de carências atuais, de inquietações sobre o futuro… que desembocam na necessidade de uma vida de fé.

É surpreendente, ditosamente surpreendente, o infatigável trabalho apostólico de São Paulo. E quem verdadeiramente ama a Cristo sentirá a necessidade de o dar a conhecer, pois – como diz São Tomás de Aquino – aquilo que os homens muito admiram divulgam-no logo, porque da abundância do coração fala a boca17.

Peçamos a Nossa Senhora – Regina Apostolorum – a graça de compreendermos cada vez melhor que o apostolado é uma tarefa sacrificada mas alegre, porque é alimento e ao mesmo tempo fruto da intimidade com Cristo, de um amor irreprimível que não pode deixar de comunicar-se aos outros como uma feliz notícia.

(1) At 22, 10; (2) Gal 1, 15-16; (3) cfr. Santo Agostinho, Contra Fausto, 22, 70; (4) cfr. Jer 1, 5; Is 49, 1-5 etc.; (5) Ef 1, 4; (6) 2 Tim 1, 9; (7) Mt 4, 20-22; Mc 1, 18; (8) Lc 5, 11; (9) Paulo VI, Homilia, 14-X-1968; (10) cfr. 1 Cor 9, 16; (11) Mt 20, 28; (12) cfr. 1 Cor 9, 19-22; (13) 2 Tim 4, 2; (14) 2 Tim 4, 3-4; (15) 2 Tim 4, 5; (16) João Paulo II, Homilia, 3-XII-1978; (17) cfr. São Tomás, em Catena Aurea, vol. IV, pág. 37.