– A missão dos Anjos. Os três Arcanjos que a Igreja honra de maneira particular.
– O Arcanjo São Miguel. A sua ajuda na luta contra o demônio.
– Pedir a esse Santo Arcanjo a sua contínua proteção para a Igreja.
Veneramos hoje a memória dos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael, profundamente arraigada em toda a Tradição da Igreja. O nome de Miguel (em hebreu: Quem como Deus?) recorda o combate travado por esse Arcanjo e pelos anjos fiéis contra Lúcifer e os seus seguidores, que se rebelaram contra Deus e foram lançados no inferno. Deus escolheu São Gabriel (em hebreu, fortaleza de Deus) para anunciar a Maria o mistério da Encarnação. O nome de Rafael (em hebreu: remédio de Deus) evoca a sua missão de médico e companheiro de viagem do jovem Tobias.
I. NO EVANGELHO DA MISSA, lemos estas palavras de Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem1.
São os anjos que louvam continuamente a Deus e “participam, do modo que lhes é próprio, do governo de Deus sobre a Criação como poderosos executores das suas ordens (Sl 109), conforme o plano estabelecido pela Divina Providência. Os anjos têm por missão cuidar com especial solicitude de todos os homens, em favor dos quais apresentam a Deus as suas súplicas e orações”2. A sua função como embaixadores de Deus estende-se a cada um dos homens, principalmente àqueles que têm uma responsabilidade específica no plano salvífico (aos sacerdotes, por exemplo), e a todas as nações3. Todos os dias, a todas as horas, no mundo inteiro, “no coração da Santa Missa”, apela-se aos Anjos e aos Arcanjos para cantar a glória de Deus.
Hoje, é particularmente oportuno considerarmos que a Igreja honra na sua liturgia “três figuras angélicas a quem a Sagrada Escritura chama com um nome. O primeiro é o Arcanjo Miguel (cfr. Dan 10, 13.20; Apoc 12, 7; Jd 9). O seu nome expressa em síntese uma atitude essencial dos espíritos bons: Mica-El significa Quem como Deus?” O segundo é Gabriel, “figura ligada sobretudo ao mistério da Encarnação do Filho de Deus. O seu nome significa: O meu poder é Deus ou Poder de Deus”. Por último, Rafael, cujo nome “significa: Deus cura”4. Meditando sobre a missão que lhes foi confiada, compreendemos o ensinamento contido na Epístola aos Hebreus: Porventura não são todos esses espíritos ministros de Deus, enviados para exercer o seu ministério a favor daqueles que hão de receber a herança da salvação?5
A existência dos anjos e a sua proximidade nos nossos afazeres quotidianos movem-nos a pedir com a Liturgia da Missa: Ó Deus, que organizais de modo admirável o serviço dos anjos e dos homens, fazei que sejamos protegidos na terra por aqueles que Vos assistem continuamente nos céus6. Devemos incontáveis ajudas diárias aos nossos Anjos da Guarda, cuja festa celebraremos dentro de uns dias, bem como aos Santos Arcanjos. São uma prova palpável do amor que Deus Pai tem pelos seus filhos. Recorremos a eles com freqüência no meio dos nossos trabalhos diários? Tratamo-los com confiança, pedindo-lhes que nos ajudem a servir a Deus e que nos protejam na nossa luta diária? Sentimo-nos seguros na sua companhia ao longo do dia, especialmente quando chega a tribulação ou quando estamos prestes a perder a serenidade e a paz dos filhos de Deus?
II. LEMOS NA PRIMEIRA LEITURA da Missa: E houve no céu uma grande batalha: Miguel e os seus anjos pelejavam contra o dragão, e o dragão com os seus anjos pelejavam contra ele; mas estes não prevaleceram e já não houve lugar para eles no céu. E foi precipitado aquele grande dragão, aquela antiga serpente, que se chama demônio e Satanás, que seduz todo o universo; e foi precipitado na terra, e foram precipitados com ele os seus anjos7.
Os Santos Padres interpretam estes versículos do Apocalipse como testemunho da luta entre Miguel e o demônio quando os espíritos angélicos foram submetidos a prova. Sob essa luz entenderam também o combate que Satanás sustenta contra a Igreja ao longo dos séculos e que se radicalizará no fim dos tempos8.
Segundo tradições judaicas perfilhadas por alguns Padres da Igreja, o demônio foi uma criatura angélica que se converteu em inimiga de Deus quando se recusou a aceitar a dignidade concedida ao homem9. Então ele e os seus seguidores foram arrojados à terra, e desde então não cessam de tentar o homem para que, pecando, fique também privado da glória de Deus. O Antigo Testamento10 apresenta o Arcanjo São Miguel como aquele que defende o Povo eleito em nome de Deus. A luta constante contra o demônio, que “caracteriza a figura do Arcanjo Miguel, é atual mesmo hoje, porque o demônio ainda está vivo e continua a atuar na terra”11. Mais ainda: “Há épocas em que a existência do mal entre os homens se torna singularmente evidente no mundo […]. Tem-se a impressão de que o homem atual não quer ver esse problema. Faz todo o possível para eliminar da consciência geral a existência desses dominadores do mundo tenebroso, desses astutos ataques do demônio de que fala a Epístola aos Efésios. Contudo, há épocas históricas em que essa verdade da revelação e da fé cristã, que tanto custa aceitar, se expressa com grande força e se torna quase palpável”12.
Essa atuação do demônio na sociedade e nas pessoas, que às vezes se expressa com grande força e se torna quase palpável, levou a Igreja a invocar São Miguel como seu guardião nas adversidades e contra as ciladas do demônio. Envia, Senhor, em auxílio do teu povo o Arcanjo Miguel, para que nos sintamos protegidos nas nossas lutas contra Satanás e os seus anjos13. Ciladas reais e terríveis, que procuram aniquilar a vida de Cristo nas almas.
A festa de hoje recorda-nos, além disso, “que ao começar a Criação, brotou essa primeiríssima adoração da profundidade espiritual dos seres angélicos, que mergulharam com todo o seu ser na realidade do Quem como Deus: Miguel e os seus anjos (Apoc 12, 7). Ao mesmo tempo, a leitura do Livro do Apocalipse faz-nos tomar consciência de que a essa adoração, a essa primeiríssima afirmação da majestade do Criador, se contrapôs uma negação. Em oposição a essa orientação cheia de amor de Deus (quem como Deus!), irrompeu uma plenitude de ódio em rebelião contra Ele”14 que ainda parece sentir-se no mundo de mil formas diversas.
Esta ausência de serviço amoroso a Deus e aos outros por Deus lembra-nos que é necessário amá-lo e servi-lo com todo o nosso ser, sem esperar nada em troca. Serviam! Senhor, eu te servirei!, diremos muitas vezes, na intimidade do nosso coração. Aproveitemos a festa de hoje para dizer a Jesus: Senhor, não tenho outra ambição senão servir-te.
III. CRISTO É O VERDADEIRO VENCEDOR do pecado, do demônio e da morte. E nEle vencemos sempre, com a ajuda dos anjos e dos santos. Agora é o juízo deste mundo – dizia Jesus, referindo-se aos últimos acontecimentos da sua vida aqui na terra –, agora será lançado fora o príncipe deste mundo. E eu, quando for levantado ao alto, atrairei tudo a mim15. E quando os discípulos lhe contaram que, em seu nome, os demônios se lhes submetiam, o Senhor exclamou: Eu vi Satanás cair do céu como um relâmpago16.
No entanto, o triunfo dos cristãos sobre o demônio só terá lugar no fim dos tempos. Por isso, São Pedro, depois de exortar os cristãos à mais plena confiança em Deus – Descarregai sobre Ele, diz-lhes, todas as vossas preocupações, porque Ele cuida de vós –, chama-lhes vivamente a atenção para que se mantenham vigilantes: Sede sóbrios e vigiai, porque o demônio, vosso adversário, ronda-vos como um leão que ruge, buscando a quem devorar17. E São Cipriano comenta: “Ronda-nos a cada um de nós, como um inimigo que sitiou uma cidadela e explora as muralhas e verifica se há algum ponto fraco e pouco seguro por onde possa penetrar”18. Enquanto escrevia essas recomendações, São Pedro devia recordar-se das palavras do Mestre: Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou instantemente para vos joeirar como o trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça…19
O grande triunfo do demônio nos nossos dias consiste em que muitos o esqueceram ou pensam que se trata de crenças de outras épocas menos avançadas culturalmente. Que nós não o esqueçamos, pois a sua ação misteriosa na vida do mundo e das pessoas é bem real e efetiva. Recorramos com freqüência ao Arcanjo São Miguel. No discurso que citamos, o Papa João Paulo II recitou várias vezes, em nome da Igreja, uma antiga oração ao Arcanjo: São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate, sede nosso refúgio contra as maldades e as ciladas do demônio. Ordene-lhe Deus, instantemente o pedimos, e vós Príncipe da milícia celeste, pela virtude divina, precipitai ao inferno a satanás e a todos os espíritos malignos, que vagueiam no mundo para a perdição das almas. Amém20.
(1) Jo 1, 51; (2) João Paulo II, Audiência geral, 30-VII-1986; (3) cfr. ib.; (4) cfr. idem, Audiência geral, 6-VIII-1986; (5) Hebr 1, 14; (6) Oração coleta da Missa do dia 29 de setembro; (7) Apoc 12, 7-9; (8) cfr. São Gregório Magno, Moralia, 31, 12; (9) cfr. Sagrada Bíblia, Apocalipse, EUNSA, Pamplona, 1989, nota a Apoc 12, 7-9; (10) Dan 10, 13; 12, 1; (11) João Paulo II, Alocução no Monte Sant’Angelo, 24-V-1987; (12) idem, Homilia em Munique, 3-V-1987; (13) Liturgia das Horas, Preces de Laudes; (14) João Paulo II, Homilia, 29-IX-1983; (15) Jo 12, 31-33; (16) Lc 10, 18; (17) 1 Pe 5, 7-8; (18) São Cipriano, De zelo et livore, 2; (19) cfr. Lc 22, 31-32; (20) cfr. João Paulo II, Alocução, 24-IV-1987.
Fonte: Livro “Falar com Deus” de Francisco Fernández Carvajal