Tempo Comum. Nono Domingo. Ciclo B
— As festas cristãs.
TAL COMO LEMOS na primeira Leitura da Missa , foi o próprio Deus quem instituiu as festas do Povo escolhido e quem o instava a observá-las: Guardar ás o dia do sábado e o santificarás, como te ordenou o Senhor, teu Deus. Trabalharás seis dias e neles farás todas as tuas obras; mas no sétimo dia, que é o repouso do Senhor, teu Deus, não farás trabalho algum…
Além do sábado, existiam entre os judeus outras festas principais: a Páscoa, o Pentecostes, os Tabernáculos…, em que se renovada a Aliança e se agradeciam os benefícios obtidos. O sábado, depois de seis dias de trabalho nos afazeres próprios de cada um, era o dia dedicado a Deus em reconhecimento da sua soberania sobre todas as coisas.
No tempo de Jesus, haviam-se introduzido muitos abusos rigoristas, o que originou diversos choques dos fariseus com o Senhor, como o que relata o Evangelho da Missa de hoje2. Num sábado, enquanto atravessavam um campo semeado, os discípulos de Jesus começaram a arrancar espigas. Disseram-lhe os fariseus: Olha, como é que eles fazem em dia de sábado o que não está permitido?… Cristo recorda-lhes que as prescrições sobre o descanso sabático não têm um valor absoluto e que Ele, o Messias, é o Senhor do sábado.
Jesus Cristo teve um grande apreço pelo sábado e pelas festividades judaicas, embora soubesse que, com a sua chegada todas essas disposições seriam abolidas para darem lugar a festas cristãs. São Lucas diz-nos que a Sagrada Família ia todos os anos a Jerusalém por ocasião da Páscoa3. Jesus também celebrou todos os anos essa solenidade com os seus discípulos. Vemo-lo, além disso, santifícar com a sua presença a alegria de um casamento4, e na sua pregação emprega freqüentemente exemplos de festejos domésticos: o rei que celebra as bodas de seu filho5, o banquete pela chegada do filho que havia partido para longe da casa paterna e que retoma6… O Evangelho está dominado por uma alegria festiva sinal de que o noivo, o Messias, se encontra já entre os seus amigos7.
O próprio Senhor quis, pois, que celebrássemos as festas, interrompendo as ocupações habituais para procurá-lo mediante a assistência à Santa Missa e uma oração mais intensa e sossegada, dedicando mais tempo à família e dando ao corpo e à alma o descanso necessário8. O domingo é realmente o dia que o Senhor fez para o regozijo e para a alegria9.
— O dia do Senhor.
A RESSURREIÇÃO DO SENHOR teve lugar no “primeiro dia da semana”, como testemunham todos os Evangelistas. E na tarde daquele mesmo dia, Jesus apareceu aos seus discípulos reunidos no Cenáculo, mostrando-lhes as mãos e o flanco como sinais palpáveis da Paixão 10. Oito dias mais tarde, isto é, no “primeiro dia da semana” seguinte, apareceu de novo em circunstâncias semelhantes11.
E possível que o Senhor quisesse indicar-nos que esse primeiro dia devia ser uma data muito particular. Os cristãos entenderam-no assim e desde o início começaram a reunir-se Para celebrá-lo, de tal modo que o denominavam o dia do Senhor, dominica dies 12, donde provém a palavra domingo. Os Atos dos Apóstolos 13 e as Epístolas de São Paulo 14 mostram como os nossos primeiros irmãos na fé se reuniam aos domingos para a fração do pão e para a oração 15, e é isso latamente o que se continua a fazer até hoje.
Diz assim um texto dos primeiros séculos: “Não ponhais os vossos assuntos temporais acima da palavra de Deus, an-es> abandonando tudo no dia do Senhor para ouvir a Palavra de Deus, correi com diligência às vossas igrejas, pois nisso se manifesta o vosso louvor a Deus. Que desculpa terão diante de Deus os que não se reúnem no dia do Senhor para ouvir a palavra de Deus e alimentar-se com o alimento divino que permanece eternamente?” 16
Para nós, o domingo deve ser uma festa muito particular e muito apreciada. Mais ainda quando em muitos lugares parece ter perdido o seu sentido religioso. Assim escrevia São Jerônimo: “O Senhor fez todos os dias. Há dias que podem ser dos judeus, dos hereges ou dos pagãos. Mas o dia do Senhor, dia da Ressurreição, é o dia dos cristãos, o nosso dia. Chama-se dia do Senhor porque, depois de ressuscitar no primeiro dia da semana judaica, o Senhor subiu ao Pai e reina com Ele. Se os pagãos o chamam dia do Sol, nós aceitamos de bom grado essa expressão. Nesse dia, ressuscitou a Luz do mundo, brilhou o Sol da justiça” 17.
Desde o começo, pois, e de uma forma ininterrupta, esta data foi sempre celebrada de um modo muito particular. “A Igreja – ensina o Concilio Vaticano II -, por uma tradição apostólica que tem a sua origem no próprio dia da Ressurreição de Cristo, celebra o mistério pascal cada oito dias, no dia que é chamado com razão «dia do Senhor ou domingo»… Por isso o domingo deve ser apresentado e inculcado à piedade dos fiéis como festa primordial, de maneira que seja também dia de alegria e de libertação do trabalho” 18. Começamos a viver bem este dia – e todas as festas -I quando, desde que acordamos, procuramos imitar a fé e a alegria daqueles homens e mulheres que, no primeiro domingo da vida da Igreja, se encontraram com Cristo ressuscita-1 do. Procuramos então imitar Pedro e João que correm para o sepulcro, ou Maria Madalena que reconhece Jesus quando Ele a chama pelo nome, ou os discípulos de Emaús…, pois é o mesmo Senhor que nós vamos ver.
E não nos esquecemos de que os nossos primeiros irmãos na fé nos ensinaram que o domingo é inseparável da atenção e da piedade com que devemos assistir à Santa Missa, dada a relação íntima e profunda de ambos com o mistério pascal. Por isso, perguntamo-nos agora na nossa oração se cada domingo é realmente para nós um dia que gira em torno da Missa e se, em função dela, todas as horas que a precedem ou lhe sucedem estão preenchidas pela consideração alegre de que fomos resgatados e somos vitoriosos em Cristo, por cuja morte e Ressurreição nós também já não estamos sob o império da morte, antes somos filhos de Deus.
— Apostolado sobre a natureza das festas e do domingo. O descanso festivo.
PARA A REEVANGELIZAÇÃO DO MUNDO, é particularmente urgente realizar um apostolado eficaz a respeito da santificação do domingo, um apostolado que penetre nas famílias. Porque há gente que esmorece e chega a perder o espírito cristão por uma maneira errada de descansar nos fins de semana. “É dever dos cristãos a preocupação de fazer que o domingo se converta novamente no dia do Senhor, e que a Santa Missa seja o centro da vida cristã… O domingo deve ser um dia para descansar em Deus, para adorar, suplicar, agradecer, pedir perdão ao Senhor pelas culpas cometidas na semana que passou, pedir-lhe graças de luz e força espiritual para os dias da semana que começa” 19 e que iniciaremos então com mais alegria e com o desejo de acometer o trabalho com outro entusiasmo.
E poderemos então ensinar muitas pessoas a considerar este preceito da Igreja “não somente como um dever primário, mas também como um direito, uma necessidade, uma honra, uma sorte à qual um fiel vivo e inteligente não pode renunciar sem motivos graves”20.
Não se trata apenas de consagrar genericamente o tempo a Deus, pois isso já se contém no primeiro Mandamento. O que este preceito tem de específico é que manda reservar um dia preciso para o louvor e o serviço de Deus, tal como Deus quer ser louvado e servido. Ele pode “exigir do homem que dedique ao culto divino um dia da semana, para que assim o seu espírito, descarregado das ocupações cotidianas, possa pensar nos bens do Céu e examinar, no íntimo da sua consciência, como andam as suas relações pessoais, obrigatórias e invioláveis, com Deus”21.
O descanso dominical – bem como os demais dias de Preceito – não pode ser para nós um tempo de repouso cheio de ociosidade insossa, desculpável talvez em quem não conhece a Deus. “Descanso significa represar: acumular forças, ideais, planos… Em poucas palavras: mudar de ocupação, para voltar depois – com novos brios — aos afazeres habituais”22. Trata-se de um “descanso dedicado a Deus”23, e, ainda que nos nossos dias se vá assistindo a uma grande mudança de costumes, o cristão deve entender sempre que também hoje “o descanso dominical tem uma dimensão moral e religiosa de culto a Deus”24.
Os domingos e dias de preceito são ocasião para dedicarmos mais tempo à família, aos amigos, àquelas pessoas que o Senhor nos confia. Para os pais, é a oportunidade, que talvez não tenham ao longo da semana, de conversar tranqüilamente com os filhos ou de fazer alguma obra de misericórdia: visitar um parente doente, o vizinho ou o amigo que está só…
A alegria que embargou a alma da Santíssima Virgem no Domingo da Ressurreição será também nossa se soubermos pôr o Senhor no centro da nossa vida, dedicando-lhe os domingos com toda a generosidade.
(1) Deut 5, 12-15; (2) Mc 2, 23; 3, 6; (3) Lc 2, 41; (4) cfr. Jo 2, 1–11; (5) Mt 22, 1-14; (6) cfr. Lc 15, 23; (7) cfr. Mt 9, 15; (8) cfr. Conferência Episcopal Espanhola, As festas do calendário cristão, 13-XII-1982, I, 2; (9) SI 117, 24; (10) cfr. Jo 20, 1; (11) cfr. Jo 20, 26-27; (12) cfr. Apoc 1, 10; (13) cfr. At 20, 7; (14) cfr. 1 Cor 16, 2; (15) cfr. At 2, 42; (16) Didaquè, II, 59, 2-3; (17) São Jerônimo, Homília para o dia da Páscoa; (18) Cone. Vat. II, Const. Sacrossanctum Conciliam, 106; (19) Pio XII, Discurso, 13-111-1943; (20) Paulo VI, Audiência geral, 22-VIII-1973; (21) João XXÍII, Ene. Mater et Magistra, 15-V-1961; (22) Josemaría Escri-vá, Sulco, n.’ 514; (23) Leão XIII, Ene. Rerum novarum, 15-V-1881; (24) Conferência Espanhola, O domingo, festa primordial dos cristãos, 22-XI–1981, I, 3.
Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.