TEMPO COMUM. DÉCIMA PRIMEIRA SEMANA. TERÇA-FEIRA

– Chamada universal à santidade.
– Devemos ser santos no lugar onde nos encontramos. A mística do oxalá.
– Todas as circunstâncias são boas para crescer em santidade e realizar um apostolado fecundo.

I. TODA A SAGRADA ESCRITURA é uma chamada à santidade, à plenitude da caridade, mas Jesus nos diz hoje explicitamente no Evangelho da Missa: Sede perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito1. E Cristo não se dirige aos Apóstolos ou a uns poucos, mas a todos. São Mateus faz-nos notar que, ao terminar este discurso, as multidões admiravam-se da sua doutrina 2. Jesus não pede a santidade unicamente ao grupo reduzido de discípulos que o acompanham por toda a parte, mas a todos os que se aproximam dEle, às multidões, entre as quais havia trabalhadores do campo e artesãos, que se deteriam para ouvi-lo ao voltarem do trabalho, mães de família, crianças, publicanos, mendigos, doentes…

A cada um de nós em particular, aos nossos vizinhos, aos colegas de trabalho ou de Faculdade, a essas pessoas que caminham pela rua…, Cristo nos diz: Sede perfeitos…, e nos dá as graças convenientes para isso. Não é um conselho do Mestre, mas um preceito. “Todos na Igreja, tanto os que pertencem à hierarquia como os que são apascentados por ela, estão chamados à santidade, conforme o que diz o Apóstolo: Porque esta é a vontade de Deus, a vossa santificação (1 Tess 4, 3)” 3. “Todos os fiéis, de qualquer estado ou condição, estão chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade”4. Não existe na doutrina de Cristo uma chamada à mediocridade, mas ao heroísmo, ao amor, ao sacrifício alegre.

O amor está ao alcance da criança, do doente que jaz há meses no leito de um hospital, do empresário, do trabalhador braçal, do médico que não tem um minuto livre…, porque a santidade é questão de amor, de empenho por chegar, com a ajuda da graça, até o Mestre. Trata-se de dar um novo sentido à vida. A santidade implica exigência, combate ao comodismo, à tibieza, ao aburguesamento, e pede que sejamos heróicos, não apenas em situações extraordinárias, que poucos iremos encontrar, mas na contínua fidelidade aos deveres de todos os dias.

A liturgia relembra hoje umas palavras de São Cipriano que exortam assim os cristãos do século III: “Irmãos muito amados, devemos recordar e saber que, já que chamamos Pai a Deus, temos que comportar-nos como filhos, a fim de que Ele se compraza em nós […]. Seja a nossa conduta tal qual convém à nossa condição de templos de Deus […]. E como Ele disse: Sede santos porque eu sou santo, pedimos e rogamos que nós, que fomos santificados no batismo, perseveremos nessa santificação inicial. E pedimo-lo cada dia”5. É o que fazemos agora nestes minutos de oração: Concedei-nos, Senhor, um vivo desejo de santidade, que sejamos exemplares nos nossos afazeres, que Vos amemos cada dia mais.

II. O SENHOR NÃO SE CONTENTA com uma vida interior tíbia e com uma entrega pela metade. E a todo aquele que der fruto, Ele o podará para que dê mais fruto 6. É por isso que o Mestre purifica os seus, permitindo provas e contradições. “Se o ourives martela repetidamente o ouro, é para tirar dele a escória; se passa a lima uma e outra vez pelo metal, é para aumentar o seu brilho. O forno prova o vasilhame do oleiro, o homem prova-se na tribulação” 7. Toda a dor – física ou moral – que Deus permite, serve para purificar a alma e para que dê mais fruto. Devemos vê-la sempre assim, como uma graça do Céu.

Todas as épocas são boas para entrar por caminhos profundos de santidade, todas as circunstâncias são oportunas para amar mais a Deus, porque a vida interior se alimenta, com a ajuda do Espírito Santo, de tudo o que acontece à nossa volta, à semelhança do que se passa com as plantas. Elas não escolhem o lugar nem o meio, mas é o semeador que deixa cair as sementes neste ou naquele terreno, e ali se desenvolvem, convertendo em substância própria, com a ajuda da água que vem do céu, os elementos úteis que encontram na terra. Assim deitam raízes e se desenvolvem.

Com muito maior razão devemos nós crescer na vida cristã, pois foi o nosso Pai-Deus quem escolheu o terreno e nos concede as graças para que demos fruto. A terra em que o Senhor nos colocou é a família de que fazemos parte e não outra, com as virtudes, os defeitos e o modo de ser das pessoas que a integram. A terra em que devemos crescer e desenvolver-nos é o trabalho, que temos de amar para que nos santifique; são os colegas de profissão, os vizinhos… A terra em que devemos dar frutos de santidade é o país, a região, o sistema social ou político vigente, a nossa própria maneira de ser… e não outra. É aí, nesse ambiente no meio do mundo, que o Senhor nos diz que podemos e devemos viver todas as virtudes cristãs, com todas as suas exigências, sem reduzi-las. Deus chama-nos à santidade em todas as circunstâncias: na guerra e na paz, na doença e na saúde, quando parece que triunfamos e quando chocamos com o fracasso inesperado, quando temos muito tempo livre e quando andamos com a língua de fora de tanto correr de uma coisa para outra. O Senhor nos quer santos em todos os momentos. Mas os que não contam com a graça e encaram as coisas com uma visão puramente humana, estão dizendo constantemente: este tempo de agora não é tempo de santidade.

Não pensemos que em outro lugar e em outra situação seguiríamos a Deus mais de perto e desenvolveríamos um apostolado mais fecundo. Deixemos de lado a mística do oxalá. Os frutos de santidade que o Senhor espera de nós são os que a terra em que estamos plantados produz aqui e agora: cansaço, doença, família, trabalho, colegas de trabalho ou de estudo. “Portanto, deixem-se de sonhos, de falsos idealismos, de fantasias, disso que costumo chamar mística do oxalá: oxalá não me tivesse casado, oxalá não tivesse esta profissão, oxalá tivesse mais saúde, oxalá fosse jovem, oxalá fosse velho…; e atenham-se, pelo contrário, sobriamente à realidade mais material e imediata, que é onde o Senhor está” 8. Esse é o ambiente em que deve crescer e desenvolver-se o nosso amor a Deus, servindo-se precisamente dessas oportunidades. Não as deixemos passar; Jesus espera-nos aí.

III. SE CONTEMPLÁSSEMOS A VIDA com olhos puramente humanos, poderia realmente parecer-nos que há momentos e situações menos propícias para crescer em santidade ou para levar a cabo um apostolado fecundo: viagens, exames, excesso de trabalho, cansaço, falta de ânimo…; ou então: ambientes duros, encargos profissionais delicados, campanhas difamatórias… Esses são, no entanto, os momentos que acompanham toda a vida normal: pequenos triunfos e pequenas dificuldades, saúde e doença, alegrias e tristezas, preocupações, depressões; momentos de situação econômica folgada e outros de muita dificuldade… Quem não passa por eles? Se os fôssemos deixar de lado, e sonhássemos apenas com dias de paz absoluta para escutar a voz de Deus e pô-la em prática, a santidade não seria para nós, mas para alguns privilegiados. Deus espera que saibamos converter essas oportunidades em motivos de santidade e de apostolado.

Poremos nesses momentos mais atenção e empenho na oração diária (sempre arranjaremos tempo, porque o amor é engenhoso), no trato com a Santíssima Trindade, com Jesus sacramentado, com a Virgem Maria…, pois são ocasiões em que necessitamos de mais ajuda e só a conseguimos na oração e nos sacramentos. Então as virtudes firmam-se e toda a vida interior amadurece.

Também não devemos esperar por circunstâncias especiais para desenvolver uma ação apostólica eficaz. Todos os dias são bons. Qualquer ocasião é boa. Se os primeiros cristãos tivessem esperado uma conjuntura mais favorável para começarem a fermentar o ambiente em que viveram, provavelmente o mundo continuaria hoje a ser pagão na sua imensa maioria.

A tarefa apostólica nunca deixará de exigir audácia e espírito de sacrifício. O lavrador deve fatigar-se antes de colher os frutos9. É necessário esforço, é necessário pôr em jogo as virtudes humanas. O apostolado requer sobretudo constância: Perseverai, pois, com paciência, irmãos, até à vinda do Senhor. Bem vedes como o lavrador, na esperança de colher o precioso fruto da terra, espera pacientemente que venham as chuvas temporãs e serôdias. Aguardai vós também com paciência e fortalecei os vossos corações10. E com a constância, a generosidade para semear muito, em todas as direções, ainda que não vejamos o fruto.

Peçamos à Santíssima Virgem um desejo de santidade efetivo nas circunstâncias em que nos encontramos agora. Não esperemos por um tempo mais oportuno; este é o momento propício para amarmos a Deus com todo o nosso coração, com todo o nosso ser…

(1) Mt 5, 48; (2) cfr. Mt 7, 28; (3) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 39; (4) ib., 40; (5) Liturgia das Horas, Segunda leitura da terça-feira da décima primeira semana do Tempo Comum; (6) Jo 15, 2; (7) São Pedro Damião, Cartas, 8, 6; (8) Josemaría Escrivá, Questões atuais do cristianismo, n. 116; (9) 2 Tim 2, 6; (10) Ti 5, 7-8.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal