SEXTA-FEIRA DA SEGUNDA SEMANA DEPOIS DE PENTECOSTES

– Origem e sentido da festa.
– O amor de Jesus por cada um de nós.
– Amor reparador.

A devoção ao Coração de Jesus já existia na Idade Média. Como festa litúrgica, aparece em 1675, após as aparições do Senhor a Santa Margarida Maria Alacoque. Nestas revelações, a Santa ganhou uma consciência extremamente viva da necessidade de reparar pelos pecados pessoais e de todo o mundo, e de corresponder ao amor de Cristo. A festa celebrou-se pela primeira vez em 21 de junho de 1686. Pio IX estendeu-a a toda a Igreja. Pio XI, em 1928, deu-lhe o esplendor atual.

Sob o símbolo do Coração humano de Jesus, considera-se sobretudo o Amor infinito de Cristo por cada homem; por isso, o culto ao Sagrado Coração “nasce das próprias fontes do dogma católico”, como o Papa João Paulo II expôs na sua abundante catequese sobre este mistério tão consolador.

I. OS PROJETOS DO CORAÇÃO do Senhor permanecem ao longo das gerações, para libertar da morte todos os homens e conservar-lhes a vida em tempo de penúria1, lemos no começo da Missa.

O caráter desta Solenidade que hoje celebramos é duplo: de ação de graças pelas maravilhas do amor de Deus e de reparação, porque freqüentemente este amor é pouco ou mal correspondido 2, mesmo por aqueles que têm tantos motivos para amar e agradecer. A consideração do amor de Jesus por todos os homens sempre foi o fundamento da piedade cristã; por isso, o culto ao Sagrado Coração de Jesus “nasce das próprias fontes do dogma católico” 3. Por outro lado, recebeu um forte impulso da devoção e piedade de numerosos santos a quem o Senhor mostrou os segredos do seu Coração amabilíssimo, movendo-os a difundir esse culto e a fomentar o espírito de reparação.

Numa sexta-feira da oitava da festa do Corpus Christi, o Senhor pediu a Santa Margarida Maria de Alacoque que promovesse o amor à comunhão freqüente, sobretudo nas primeiras sextas-feiras de cada mês. Devia ser uma prática reparadora, e o Senhor prometeu-lhe fazê-la participar – nas noites dessa primeira quinta para sexta-feira de cada mês – do seu sofrimento no Horto das Oliveiras. Tornou a aparecer-lhe um ano mais tarde e, mostrando-lhe o seu Coração Sacratíssimo, dirigiu-lhe estas palavras, que têm alimentado a piedade de tantas almas: Olha este Coração que tanto amou os homens e que a nada se poupou até esgotar-se e consumir-se para lhes manifestar o seu amor; e em reconhecimento, Eu não recebo da maioria dos homens senão ingratidões pelas suas irreverências e sacrilégios e pela frieza e desprezo com que me tratam neste sacramento de amor. Mas o que mais me dói é ver-me tratado assim por almas que me estão consagradas. Por isso te peço que se dedique a primeira sexta-feira depois da oitava do Santíssimo Sacramento a uma festa particular destinada a honrar o meu Coração, comungando nesse dia e desagravando-me com algum ato de reparação…

Em muitos lugares, existe o costume privado de desagravar o Sagrado Coração de Jesus com algum ato eucarístico ou com a recitação das ladainhas do Sagrado Coração, na primeira sexta-feira de cada mês. Além disso, “o mês de junho é especialmente dedicado à veneração do Coração divino.

Não apenas um dia – a festa litúrgica cai normalmente dentro do mês de junho –, mas todos os dias do mês” 4.

O Coração de Jesus é fonte e expressão do seu infinito amor por cada homem, seja qual for a sua situação: Eu mesmo – diz um belíssimo texto do profeta Ezequiel – cuidarei das minhas ovelhas e velarei por elas. Assim como o pastor se preocupa com o seu rebanho, quando vê as ovelhas dispersarem-se, assim eu me preocuparei com o meu; eu o reconduzirei de todos os lugares por onde se tenha dispersado num dia de nuvens e de trevas 5. Cada um de nós é uma criatura que o Pai confiou ao Filho para que não pereça, ainda que tenha ido para longe.

Jesus, Deus e Homem verdadeiro, ama o mundo com “coração de homem” 6, um Coração que serve de vazão ao amor infinito de Deus. Ninguém nos amou mais do que Jesus, ninguém nos amará mais. Ele me amou e se entregou por mim 7, diz São Paulo, e cada um de nós pode repeti-lo. O seu Coração está repleto do amor do Pai: repleto à maneira divina e ao mesmo tempo humana.

II. O CORAÇÃO DE JESUS amou como nenhum outro; experimentou alegria e tristeza, compaixão e pena. Os Evangelistas anotam com muita freqüência: Tinha compaixão da multidão 8tinha compaixão deles, porque eram como ovelhas sem pastor 9. O pequeno êxito dos Apóstolos na sua primeira missão evangelizadora fez com que Jesus se sentisse como nós quando recebemos uma boa notícia: Encheu-se de alegria, diz São Lucas 10; e chora quando a morte lhe arrebata um amigo 11.

Também não ocultou as suas desilusões: Jerusalém, que matas os profetas! […] Quantas vezes eu quis reunir os teus filhos… 12 Jesus vê a história do Antigo Testamento e de toda a humanidade: uma parte do povo judeu e dos gentios de todos os tempos rejeitará o amor e a misericórdia divina. De alguma maneira podemos dizer que Deus chora com os seus olhos humanos por causa do sofrimento que aflige o seu coração de homem. E este é o significado real da devoção ao Sagrado Coração: traduzir-nos a natureza divina em termos humanos. Não foi indiferente para Jesus – não lhe é agora no nosso trato diário com Ele – ver que uns leprosos não voltavam para agradecer-lhe a cura, ou que um anfitrião omitia as mostras de delicadeza ou hospitalidade que se têm com um convidado, como dirá a Simão o fariseu. Em contrapartida, experimentou em muitas ocasiões a imensa alegria de ver que alguém se arrependia dos seus pecados e o seguia, ou a generosidade dos que deixavam tudo para segui-lo, e contagiou-se com a alegria dos cegos que começavam a enxergar, talvez pela primeira vez.

Antes de celebrar a Última Ceia, ao pensar que ficaria para sempre conosco mediante a instituição da Eucaristia, manifestou aos seus mais íntimos: Desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco, antes de padecer 13; emoção que deve ter sido muito mais profunda quando tomou o pão, deu graças, partiu-o e deu-o aos seus discípulos, dizendo: Isto é o meu Corpo… 14 E quem poderá explicar os sentimentos do seu Coração amabilíssimo quando nos deu no Calvário a sua Mãe como Mãe nossa?

Mal expirou, um dos soldados atravessou-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água 15. Essa ferida recorda-nos hoje o imenso amor que Jesus tem por nós, pois derramou voluntariamente até a última gota do seu precioso Sangue por cada um de nós, por mim, como se não houvesse mais ninguém no mundo. Como não havemos de aproximar-nos dEle com confiança? Que misérias humildemente reconhecidas podem impedir o nosso amor?

III. DEPOIS DA ASCENSÃO AOS CÉUS com o seu Corpo glorioso, Jesus não cessa de amar-nos, de chamar-nos para que vivamos sempre muito perto do seu Coração amabilíssimo. “Mesmo na glória do Céu, ostenta nas feridas das suas mãos, dos seus pés e do seu lado os resplandecentes troféus da sua tríplice vitória: sobre o demônio, sobre o pecado e sobre a morte; traz, além disso, no seu Coração, como numa arca preciosíssima, os imensos tesouros dos seus méritos, fruto da sua tríplice vitória, que agora distribui generosamente pelo gênero humano já redimido” 16.

Hoje, nesta Solenidade, adoramos o Coração Sacratíssimo de Jesus “como participação e símbolo natural – o mais expressivo – daquele amor inexaurível que o nosso Divino Redentor sente ainda hoje pelo gênero humano. Já não está submetido às perturbações desta vida mortal; no entanto, vive e palpita e está unido de modo indissolúvel à Pessoa do Verbo divino, e nela e por ela, à sua divina vontade. E porque o Coração de Cristo transborda de amor divino e humano, e porque está cheio dos tesouros de todas as graças que o nosso Redentor adquiriu pelos méritos da sua vida, padecimentos e morte, é, sem dúvida, a fonte perene daquele amor que o seu Espírito comunica a todos os membros do seu Corpo Místico” 17.

Ao meditarmos hoje sobre o amor que Cristo tem por nós, sentir-nos-emos movidos a agradecer profundamente tanto dom, tanta misericórdia imerecida. E ao vermos como muitos vivem de costas para Deus, como nós mesmos não somos muitas vezes plenamente fiéis, que são muitas as nossas fraquezas, iremos ao seu Coração amabilíssimo e ali encontraremos a paz. Teremos que recorrer muitas vezes ao seu amor misericordioso em busca dessa paz, que é fruto do Espírito Santo: Cor Iesu sacratissimum et misericors, dona nobis pacem, Coração sacratíssimo e misericordioso de Jesus, dai-nos a paz.

E a certeza de que Jesus está tão perto das nossas preocupações e dos nossos problemas e ideais levar-nos-á a dizer-lhe: “Obrigado, meu Jesus!, porque quiseste fazer-te perfeito Homem, com um Coração amante e amabilíssimo, que ama até à morte e sofre; que se enche de gozo e de dor; que se entusiasma com os caminhos dos homens e nos mostra aquele que conduz ao Céu; que se submete heroicamente ao dever e se guia pela misericórdia; que vela pelos pobres e pelos ricos; que cuida dos pecadores e dos justos… – Obrigado, meu Jesus, e dá-nos um coração à medida do Teu!” 18

Muito perto de Jesus, encontramos sempre a sua Mãe. Recorremos a Ela ao terminarmos a nossa oração e pedimos-lhe que torne firme e seguro o caminho que nos conduz ao seu Filho.

(1) Sl 32, 11.19; Antífona de entrada da Missa da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus; (2) cfr. A. G. Martimort, La Iglesia en oración, pág. 97; (3) Pio XII, Enc. Haurietis aquas, 15-V-1956, 27; (4) João Paulo II,Angelus, 27-VI-1982; (5) Ez 34, 11-16; Primeira leitura, ib., ciclo C; (6) Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 22; (7) Gal 2, 20; (8) Mc 8, 2; (9) Mc 6, 34; (10) Lc 10, 21; (11) cfr. Jo 11, 35; (12) Mt 23, 17; (13) Lc 22, 15; (14) cfr. Lc 22, 19-20; (15) Jo 19, 34; (16) Pio XII, op. cit., 22; (17) ib.; (18) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 813.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal