TEMPO COMUM. DÉCIMA SÉTIMA SEMANA. SÁBADO

– O silêncio de Jesus.
– Falar quando é necessário, com caridade e fortaleza. Fugir do silêncio culposo.
– Valentia e fortaleza na vida corrente. Coerência com a fé e com a vocação pessoal.

I. DURANTE TRINTA ANOS, Jesus teve uma vida de silêncio; somente Maria e José conheciam o mistério do Filho de Deus. Quando, iniciada a vida pública, retorna um dia à cidade onde havia vivido, os seus conterrâneos admiram‑se da sua sabedoria e dos seus milagres, pois só tinham visto nele uma vida exemplar de trabalho.

Durante os três anos do seu ministério público, vemos como se recolhe no silêncio da oração, a sós com seu Pai‑Deus, como se afasta do clamor e do fervor superficial da multidão que pretende fazê‑lo rei, como realiza os seus milagres sem ostentação, recomendando freqüentemente aos que foram curados que não divulguem o favor recebido…

O silêncio de Jesus perante os clamores dos seus inimigos durante a Paixão é comovedor: Ele permaneceu em silêncio e nada respondeu1. Diante de tantas falsas acusações, aparece indefeso. “Deus nosso Salvador – comenta São Jerônimo –, que redimiu o mundo pela sua misericórdia, deixa‑se conduzir à morte como um cordeiro, sem dizer nenhuma palavra; nem se queixa nem se defende. O silêncio de Jesus obtém o perdão da rebeldia e das desculpas de Adão”2. Jesus permanece calado durante o processo no pretório e na corte de Herodes, e contemplamo‑lo de pé, sem dizer uma única palavra, diante dos inimigos clamorosos e excitados que se servem de falsos testemunhos para tergiversar as suas palavras. Está de pé diante do procurador. E, sendo acusado pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos, não respondeu coisa alguma. Então disse‑lhe Pilatos: Não ouves de quantas coisas te acusam? Mas ele não lhe deu resposta alguma, de modo que o procurador ficou extremamente admirado3.

O silêncio de Deus diante das paixões humanas, dos pecados que se cometem diariamente na humanidade, não é um silêncio irado, nem de desprezo, mas repleto de paciência e amor. O silêncio do Calvário é o de um Deus que vem redimir todos os homens com o seu sofrimento indizível na Cruz. O silêncio de Jesus no Sacrário é o do amor que espera ser correspondido, é um silêncio paciente, que se mostra magoado se não o visitamos ou o fazemos distraídamente.

O silêncio de Cristo durante a sua vida terrena não é de modo algum vazio interior, mas fortaleza e plenitude. Os que se queixam continuamente dos seus contratempos ou da sua pouca sorte, os que apregoam aos quatro ventos os seus problemas, os que não sabem sofrer silenciosamente uma injúria, os que se sentem urgidos continuamente a dar explicações do que fazem ou deixam de fazer, esperando com ansiedade o louvor ou a aprovação alheia…, todos esses deveriam olhar para Cristo, que permanece em silêncio. Imitamo‑lo quando aprendemos a carregar os fardos e incertezas da vida sem espalhafatos estéreis, quando enfrentamos os problemas pessoais sem descarregá‑los sobre os ombros alheios, quando respondemos pelos nossos atos sem desculpas nem justificações de nenhum tipo, quando realizamos o nosso trabalho olhando para a perfeição da obra e para a glória de Deus, sem procurar o apreço dos homens…4

Iesus autem tacebat. Jesus calava‑se. E nós devemos aprender a ficar calados em muitas ocasiões. Às vezes, o orgulho infantil e a vaidade levam‑nos a exteriorizar o que deveria ficar dentro da alma. A figura silenciosa de Cristo será um Modelo que deveremos ter sempre presente perante tanta palavra vazia e inútil. O seu exemplo é um motivo e um estímulo para vivermos de olhos postos exclusivamente em Deus. In silentio et in spe erit fortitudo vestra, a vossa fortaleza apoiar‑se‑á no silêncio e na esperança, diz‑nos o Espírito Santo pela boca do profeta Isaías5.

II. MAS JESUS nem sempre permaneceu calado. Porque existe também um silêncio que pode ser colaborador da mentira, um silêncio composto de cumplicidades e de grandes ou pequenas covardias; um silêncio que às vezes nasce do medo das conseqüências, do receio de comprometer‑se, do amor à comodidade, e que fecha os olhos ao que é árduo, para não ter de enfrentá‑lo: problemas que se deixam de lado, situações que deveriam ser resolvidas no momento oportuno porque há muita coisa que o tempo não conserta, correções fraternas que nunca se deveriam deixar de fazer…, dentro da própria família, no trabalho, ao superior ou ao inferior, ao amigo e àquele com quem temos maior dificuldade em relacionar‑nos.

A palavra de Jesus está sempre cheia de autoridade, e também de força diante da injustiça e da arbitrariedade: Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que devorais as casas das viúvas sob pretexto de longas orações6 O Senhor nunca se importou de ir contra a corrente à hora de proclamar a verdade.

São João Batista, cujo martírio lemos hoje no Evangelho da Missa7, era a voz que clama no deserto. E ensina‑nos a dizer tudo o que deve ser dito, ainda que às vezes pareça que é falar no deserto, pois o Senhor não permite em nenhuma ocasião que a nossa palavra caia no vazio, e porque é necessário fazer o que deve ser feito, sem excessiva preocupação pelos frutos imediatos. Se cada cristão falasse de acordo com a sua fé, há muito teríamos mudado o mundo.

Não podemos permanecer calados perante infâmias e crimes como o aborto, a degradação do matrimônio e da família, ou perante um ensino que quer empurrar Deus para um canto na consciência dos mais jovens… Não podemos calar‑nos perante os ataques a Nossa Senhora, perante as calúnias às instituições da Igreja cuja verdade e retidão conhecemos muito bem… Esse silêncio poderia ser em muitos casos uma verdadeira colaboração com o mal, pois permitiria que se pensasse que “quem cala consente”.

Falar quando devemos. Às vezes, no pequeno grupo em que nos desenvolvemos, na conversa que surge espontaneamente entre vários à saída da aula, ou com uns amigos e vizinhos que nos visitam; entre os amigos e clientes…, ao passarmos por um anúncio indecoroso…, e na tribuna, se esse é o nosso lugar na sociedade. Por carta, para agradecer um bom artigo que apareceu num jornal ou para manifestar a nossa discordância com determinada linha editorial.

E sempre com caridade – que é compatível com a fortaleza (não existe caridade sem fortaleza) –, com bons modos, desculpando a ignorância de muitos, ressalvando sempre a intenção, sem agressividade nem formas amargas ou inadequadas, que seriam impróprias de alguém que segue Jesus Cristo de perto… Mas também com a fortaleza com que o Senhor agiu.

III. SE NOS MOMENTOS em que o Batista viu a sua vida em perigo, tivesse ficado calado ou permanecido à margem dos acontecimentos, não teria morrido degolado na prisão de Herodes. Mas João não era assim; não era como uma cana agitada pelo vento. Foi coerente com a sua vocação e os seus princípios até o final. Se se tivesse calado, teria vivido alguns anos mais, mas os seus discípulos não teriam sido os primeiros a seguir Jesus, e ele não teria sido aquele que preparou e aplainou os caminhos do Senhor, como Isaías tinha profetizado. Não teria vivido a sua vocação e, portanto, a sua vida não teria tido sentido.

Jesus, muito provavelmente, não nos pedirá o martírio violento, mas pede‑nos sem dúvida essa valentia e fortaleza nas situações comuns da vida ordinária: para desligar um mau programa de televisão, para ter essa conversa apostólica e não adiá‑la mais… Sem gastar as energias em queixas ineficazes, que de nada servem, dando doutrina positiva, apresentando soluções…, com otimismo perante o mundo e as coisas boas que nele existem, ressaltando tudo o que é bom: a felicidade de uma família numerosa, a profunda alegria de dedicar a vida à prática do bem, a nobreza do amor limpo que se conserva jovem vivendo santamente a virtude da pureza…

Muitos dos nossos amigos, ao verem que somos coerentes com a nossa fé, que não a dissimulamos nem a escondemos em face de determinados ambientes, ver‑se‑ão arrastados por esse testemunho sereno a seguir‑nos o exemplo, da mesma maneira que muitos se convertiam ao contemplarem o martírio – testemunho de fé – das primeiras gerações de cristãos.

Peçamos hoje a Nossa Senhora que nos ensine a permanecer calados em tantas ocasiões em que devemos fazê‑lo, e a falar sempre que seja necessário.

(1) Mc 14, 61; (2) São Jerônimo, Comentário sobre o Evangelho de São Marcos; (3) Mt 27, 12‑14; (4) F. Suárez, Las dos caras del silencio, em Revista Nuestro Tiempo, ns. 297 e 298; (5) Is 30, 15; (6) Mt 23, 14; (7) Mt 14, 1‑12.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal