TEMPO PASCAL. TERCEIRA SEMANA. TERÇA-FEIRA
– Pureza de intenção e presença de Deus.
– Vigilantes perante os louvores e elogios. “Para Deus toda a glória”. Retificar.
– Examinar os motivos que nos levam a agir. Omissões no apostolado por falta de retidão de intenção.
I. A VIDA DOS PRIMEIROS FIÉIS e o seu testemunho no mundo dão-nos a conhecer a sua têmpera e valentia. Nunca tiveram por norma de conduta o mais fácil, o mais cômodo ou o mais popular, mas o cumprimento cabal da vontade de Deus. “Não se importavam com os perigos de morte […], nem com o reduzido número de fiéis, nem com a multidão dos adversários, nem com o poder, força e sabedoria dos seus inimigos; porque tinham forças maiores que todas essas: o poder dAquele que tinha morrido na Cruz e ressuscitado” 1. Não procuravam a sua glória pessoal nem o aplauso dos seus concidadãos, mas tinham o olhar posto no seu Senhor. Foi isto que permitiu a Santo Estêvão dizer no momento do martírio: Senhor, não lhes leves em conta este pecado 2, como lemos na Missa de hoje.
A intenção é reta quando Cristo é o fim e o motivo de todas as nossas ações. “A pureza de intenções não é senão presença de Deus: Deus Nosso Senhor presente em todas as nossas intenções. Como sentiremos livre o nosso coração de qualquer impedimento da terra, como teremos um olhar límpido, como será sobrenatural todo o nosso agir, quando Jesus Cristo reinar verdadeiramente no mundo da nossa intimidade e presidir a cada uma das nossas intenções!” 3
Pelo contrário, quem procura a aprovação alheia e o aplauso dos outros pode chegar a deformar a sua consciência: pode passar a ter como critério de conduta “o que os outros pensarão” e não a vontade de Deus. E essa preocupação pela opinião alheia pode transformar-se em medo ao ambiente e chegar a esterilizar o ímpeto apostólico dos cristãos.
Nas nossa atuações, devemos procurar em primeiro lugar agradar a Cristo. Se ainda quisesse agradar aos homens, não seria servo de Cristo 4, diz São Paulo. E replicava assim a alguns fiéis de Corinto que criticavam o seu apostolado: Quanto a mim, pouco se me dá ser julgado por vós ou por qualquer tribunal humano. Pois eu nem a mim mesmo me julgo… Quem me julga é o Senhor 5.
Os juízos humanos são freqüentemente errados e pouco confiáveis. Somente Deus pode julgar as nossas ações, bem como as nossas intenções. “Entre as surpresas que nos esperam no dia do Juízo Final, a menor não será o silêncio do Senhor sobre algumas das ações que nos valeram aplausos dos nossos semelhantes […]. Em contrapartida, é possível que Ele inscreva no nosso ativo algumas ações que nos atraíram críticas, censuras ou condenações […]. O nosso juiz é o Senhor. É a Ele que temos de agradar” 6. Perguntemo-nos muitas vezes ao dia: faço neste momento o que devo fazer? Procuro a glória de Deus ou antes a minha vaidade, o desejo de ficar bem? Se formos sinceros em examinar-nos, teremos luz para retificar a intenção, caso seja necessário, e dirigi-la ao Senhor.
II. UMA MÁ INTENÇÃO destrói as melhores ações; a obra pode estar bem feita e até ser beneficiosa, mas, por estar corrompida na sua fonte, perde o seu valor aos olhos de Deus. A vaidade pode destruir, às vezes totalmente, o que poderia ter sido uma obra santa. Sem retidão de intenção, erramos de caminho.
Há ocasiões em que um pequeno elogio que recebemos é sinal de amizade e pode ajudar-nos a prosseguir no caminho do bem; mas devemos dirigi-lo com simplicidade ao Senhor. Além disso, uma coisa é receber um elogio e outra procurá-lo. De qualquer modo, devemos estar sempre atentos e vigilantes em relação aos louvores, pois “muitas vezes a nossa débil alma, quando recebe pelas suas boas ações o afago dos aplausos humanos, acaba por desviar-se […], encontrando assim maior prazer em ser chamada feliz do que em sê-lo realmente […]. E aquilo que poderia ser para ela motivo de louvor a Deus, converte-se em causa de separação” 7.
O Senhor indica em diversas ocasiões qual é a retribuição reservada às boas obras feitas sem retidão de intenção: já receberam a sua recompensa, diz, referindo-se aos fariseus que andavam à busca de louvores e considerações. Obtivemos aquilo que procurávamos: um olhar de aprovação, uma admiração, uma palavra elogiosa. E, de tudo isso, só restará em breve um pouco de fumaça: nada para a eternidade. Que grande fracasso termos perdido tanto por tão pouco! Deus acolhe as nossas ações – mesmo que sejam pequenas –, se as realizamos com intenção pura: Fazei tudo para a glória de Deus 8, aconselha São Paulo.
O Senhor contempla a nossa vida e está todos os dias de mão estendida para ver o que lhe oferecemos: aceita tudo o que verdadeiramente fizermos por Ele. As duas pequenas moedas que a pobre viúva lançou nos cofres do templo 9 converteram-se num grande tesouro no Céu. Quanto ao resto, já recebemos a nossa triste recompensa aqui na terra.
“Pureza de intenção. – As sugestões da soberba e os ímpetos da carne, logo os conheces…, e lutas, e, com a graça, vences.
“Mas os motivos que te levam a agir, mesmo nas ações mais santas, não te parecem claros… e sentes uma voz lá dentro que te faz ver intuitos humanos…, com tal sutileza que se infiltra na tua alma a intranqüilidade de pensar que não estás trabalhando como deves – por puro Amor, única e exclusivamente para dar a Deus toda a sua glória.
“Reage logo, de cada vez, e diz: «Senhor, para mim nada quero. – Tudo para a tua glória e por Amor»” 10.
Que boa jaculatória para que a repitamos muitas vezes: “Senhor, para mim nada quero. – Tudo para a tua glória e por Amor”. Ajudar-nos-á a desprender-nos de muitas coisas e a retificar a intenção em inúmeras ocasiões.
III. PARA SERMOS PESSOAS de intenção reta, é conveniente examinarmos os motivos que nos levam a agir: considerar na presença de Deus o que nos induz a comportar-nos de uma maneira ou de outra, o que nos leva a reagir deste modo ou daquele, se existem omissões no nosso apostolado por falsos respeitos humanos, etc. À luz da fé, poderemos descobrir os pontos de covardia ou vanglória que podem existir na nossa conduta.
O Senhor oferece-nos uma norma clara: Quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti 11. Não devemos publicar o que fazemos nem ficar contemplando aquilo que parece que fizemos bem; nem no momento de fazê-lo nem depois: Que a tua mão esquerda não saiba o que faz a direita. Como também não devemos deixar de fazer aquilo que temos obrigação de fazer.
Temos uma testemunha excepcional. Nenhum dos nossos atos passa inadvertido aos olhos do nosso Pai-Deus, nada lhe é indiferente. E isto já é recompensa suficiente, e um grande motivo para retificarmos a intenção no trabalho e nas obras de apostolado. “Uma preocupação impaciente e desordenada por subir profissionalmente pode disfarçar o amor próprio sob o pretexto de «servir as almas». Com falsidade – não tiro uma letra –, forjamos a justificativa de que não devemos desaproveitar certas conjunturas, certas circunstâncias favoráveis…
“Volta os teus olhos para Jesus: Ele é «o Caminho». Também durante os seus anos escondidos surgiram conjunturas e circunstâncias «muito favoráveis» para antecipar a sua vida pública. Aos doze anos, por exemplo, quando os doutores da lei se admiravam das suas perguntas e das suas respostas… Mas Jesus Cristo cumpre a Vontade de seu Pai, e espera: obedece!
“Sem perderes essa santa ambição de levar o mundo inteiro a Deus, quando se insinuarem essas iniciativas – quem sabe, ânsias de deserção –, lembra-te de que também te toca a ti obedecer e ocupar-te dessa tarefa obscura, pouco brilhante, enquanto o Senhor não te pedir outra coisa: Ele tem os seus tempos e as suas sendas” 12.
O Senhor pede-nos vigilância, porque, se nos descuidarmos, procuraremos a recompensa aqui na terra, e, por covardia, por respeitos humanos, por medo à opinião alheia, deixaremos de fazer o bem. Que não nos aconteça como ao navio que “realizou muitas viagens e escapou de muitas tempestades, mas no porto de chegada choca-se contra uma rocha e caem pela borda todos os tesouros que carregava; assim, todo aquele que, depois de muitos trabalhos, não repele o desejo de louvores, naufraga no próprio porto” 13.
Quando fazemos as coisas somente por Deus, somos mais livres: não ficamos subordinados ao “que podem dizer” nem à gratidão humana, que é sempre frágil. A retidão de intenção mostra-nos o caminho da liberdade interior.
(1) São João Crisóstomo, Homilia sobre São Mateus, 4; (2) At 7, 59; (3) S. Canals, Reflexões espirituais, pág. 112; (4) Gal 1, 10; (5) 1 Cor 4, 3-4; (6) G. Chevrot, Em segredo, pág. 24; (7) São Gregório Magno, Moralia, 10, 47-48; (8) 1 Cor 10, 31; (9) Mc 12, 42; (10) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 788; (11) Mt 6, 2-4; (12) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 701; (13) São João Crisóstomo, Homilia de perect. Evan.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal