TEMPO DO NATAL ANTES DA EPIFANIA. 3 DE JANEIRO
– A Sagrada Família no Templo. O encontro com Simeão. Os nossos encontros com Jesus.
– Maria, Corredentora com Cristo. O sentido da dor.
– A Virgem nos ensina a corredimir. Oferecer a Deus a dor e as contradições. Desagravar. Apostolado com os que nos rodeiam.
I. QUANDO SE COMPLETARAM os dias da purificação de Maria, a Sagrada Família subiu novamente a Jerusalém para cumprir duas prescrições da Lei de Moisés: a da purificação da mãe e a da apresentação e resgate do primogênito no Templo1.
Dado o parto virginal de Nossa Senhora e tratando-se do nascimento do Filho de Deus, nenhuma dessas leis obrigava Maria ou Jesus. Mas Maria comporta-se nisso como qualquer mulher judia piedosa da sua época. “Maria foi purificada – diz São Tomás – para dar exemplo de obediência e de humildade”2.
Jesus é oferecido a seu Pai por mãos de Maria. Nunca se oferecera nada de semelhante naquele Templo, e nunca se tornaria a oferecer. A oferenda seguinte seria feita pelo próprio Jesus, fora da cidade, sobre o Gólgota. Hoje, muitas vezes por dia, Jesus é oferecido na Santa Missa à Santíssima Trindade, num Sacrifício de valor infinito.
Maria e José ofereceram o Menino a Deus e, uma vez resgatado, receberam-no de novo. Como pobres que eram, pagaram o resgate de valor mínimo: um par de rolas. Maria cumpriu os ritos da purificação.
Quando chegaram às portas do Templo, apresentou-se diante deles um ancião de nome Simeão, homem justo e temente a Deus, que esperava a consolação de Israel, e o Espírito Santo estava nele3. Viera ao Templo movido pelo Espírito Santo4. Tomou o Menino em seus braços e bendisse a Deus dizendo: Agora, Senhor, já podes levar em paz deste mundo o teu servo, conforme a tua promessa, porque os meus olhos viram o Salvador que preparaste ante a face de todos os povos, luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel5. Maria e José estavam admirados.
Simeão mereceu conhecer a chegada do Messias, universalmente desconhecida, porque toda a sua vida consistiu numa ardente espera de Jesus. Agora dava por realizada a sua existência: Nunc dimittis servum tuum, Domine… Agora, Senhor, já podes levar em paz deste mundo o teu servo…
Simeão dá por bem realizada a sua vida: chegou a conhecer o Messias, o Salvador do mundo. Esse encontro foi a coisa realmente importante da sua vida, o instante para o qual vivera. Não se importou de ver somente uma criancinha, que chegava ao Templo levada por uns pais jovens, dispostos a cumprir as prescrições da Lei, da mesma forma que outras dezenas de famílias. Ele sabe que aquele Menino é o Salvador: Meus olhos viram o Salvador. Isso lhe basta; já pode morrer em paz. Os dias que viveu depois deste acontecimento não devem ter sido muitos.
Nós não podemos esquecer-nos de que, com esse mesmo Salvador, que foi posto ante a face de todos os povos como luz, tivemos não só um, mas muitos encontros; talvez até o tenhamos recebido milhares de vezes ao longo da nossa vida, na Sagrada Comunhão. Encontros mais íntimos e mais profundos que o de Simeão. E doem-nos agora as comunhões que tenhamos feito com menos atenção, e formulamos o propósito de que o próximo encontro com Jesus na Sagrada Eucaristia seja pelo menos como o de Simeão: cheio de fé, de esperança e de amor, para que também nós possamos dizer: Meus olhos viram o Salvador.
II. O VELHO SIMEÃO, depois de abençoar os jovens esposos, dirige-se a Maria e, movido pelo Espírito Santo, descobre-lhe os sofrimentos que o Menino virá a padecer um dia e a espada de dor que lhe trespassará a alma: Ele, diz-lhe Simeão, apontando para Jesus, foi posto para ruína e elevação de muitos em Israel, e para sinal de contradição; e uma espada atravessará a tua alma, para que se descubram os pensamentos de muitos corações6.
“Virá um tempo – diz São Bernardo – em que Jesus não será oferecido no Templo nem entre os braços de Simeão, mas fora da cidade e entre os braços da cruz. Virá um tempo em que não será redimido com o que é alheio, antes redimirá os outros com o seu próprio sangue, porque Deus Pai o enviou em resgate do seu povo”7.
O sofrimento da Mãe – a espada que trespassará a sua alma – terá como único motivo as dores do Filho, a sua condenação e morte, e a incerteza do momento em que tudo isso aconteceria, bem como a resistência de muitos à graça da Redenção. O destino de Maria está traçado sobre o de Jesus, em função dele e sem outra razão de ser.
Desde o começo, a vida de Jesus e a de sua Mãe estão marcadas pelo sinal da Cruz. À alegria do Nascimento sobrepõem-se imediatamente a privação e a angústia. Maria sabe já desde esses primeiros momentos a dor que a espera. Quando chegar a sua hora, contemplará a paixão e morte do seu Filho sem um protesto, sem uma queixa. Sofrendo como nenhuma mãe é capaz de sofrer, aceitará a dor com serenidade, porque conhece o seu sentido redentor. “Assim avançou também a Bem-Aventurada Virgem na peregrinação da fé. Manteve-se erguida (cfr. Jo 19, 25), sofrendo profundamente com o seu Unigênito e associando-se com ânimo materno ao seu sacrifício, consentindo amorosamente na imolação da vítima que ela mesma havia gerado”8. A dor de Maria é particular e própria, e está relacionada com o pecado dos homens. É uma dor de corredenção. A Igreja atribuirá à Virgem o título de Corredentora.
Nós aprendemos com Maria o valor e o sentido das contrariedades que a vida aqui na terra traz consigo. Com Ela aprendemos a santificar a dor, unindo-a à do seu Filho e oferecendo-a ao Pai. A Santa Missa é o melhor momento para oferecermos tudo o que a nossa vida tem de mais custoso. E ali encontramos Nossa Senhora.
III. POR VONTADE DE DEUS, Simeão iniciou Maria no mistério profundo da Redenção e comunicou-lhe que o Senhor lhe havia designado um lugar especial na paixão de seu Filho. Com a profecia do velho Simeão, passou a fazer parte da vida de Maria um elemento novo, que nEla havia de permanecer até que chegasse o momento de estar ao pé da Cruz de Jesus.
Os Apóstolos, apesar das numerosas declarações e ensinamentos do Senhor, não chegaram a compreender inteiramente, a não ser após a Ressurreição, que era preciso que o Messias padecesse muito por parte dos escribas e dos príncipes dos sacerdotes9; Maria soube desde o início que uma grande dor esperava por Ela, e que essa dor estava relacionada com a redenção do mundo. Ela, que guardava e meditava tudo em seu coração10, deve ter refletido freqüentemente sobre as misteriosas palavras de Simeão. Por um processo que nós não podemos compreender inteiramente, o seu coração fez-se semelhante ao de seu Filho.
A sua dor redentora “é sugerida tanto na profecia de Simeão como no relato da Paixão do Senhor. Ele – dizia o ancião referindo-se ao Menino que tinha nos seus braços – foi posto para ruína e elevação de muitos em Israel, e para sinal de contradição; e uma espada trespassará a tua alma… Com efeito, quando o teu Jesus – que é de todos, mas especialmente teu – entregou o espírito, a lança cruel não alcançou a sua alma. Se lhe abriu impiedosamente o lado, estando já morto, no entanto não lhe pôde causar dor. Mas atravessou a tua alma; naquele momento a dEle não estava ali, mas a tua não podia de maneira nenhuma separar-se dEle”11.
O Senhor quis associar os cristãos à sua obra redentora no mundo para que cooperassem com Ele na salvação de todos. Cumpriremos esta missão se executarmos com retidão os nossos menores deveres e os oferecermos pela salvação das almas, enfrentando com serenidade e paciência a dor, a doença e a oposição, e realizando um apostolado eficaz à nossa volta. Normalmente, o Senhor nos pede que comecemos por aqueles que estão mais ligados a nós, por vínculos de família, de amizade, de trabalho, de vizinhança ou de estudos, etc. Assim procedeu Jesus, como também os seus Apóstolos.
Pedimos hoje a Santa Maria, nossa Mãe, que nos ensine a santificar a dor e a contradição, que saibamos uni-las à Cruz, que desagravemos freqüentemente pelos pecados do mundo e que cresçam cada dia em nós os frutos da Redenção. Ó Mãe de piedade e misericórdia, que acompanhastes o vosso Filho quando realizava a redenção do gênero humano no altar da cruz, como nossa Corredentora associada às suas dores […], conservai e aumentai em nós os frutos da Redenção e da vossa compaixão12.
(1) Cfr. Lev 12, 2-8; Êx 13, 2; 12-13; (2) São Tomás, Suma Teológica, 1-2, q. 1, a. 2; (3) cfr. Lc 2, 25; (4) Lc 2, 27; (5) Lc 2, 29-32; (6) Lc 2, 34-35; (7) São Bernardo, Sermão 3, do Menino, de Maria e de José; PL 183, 370-371; (8) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 58; (9) cfr. Mt 16, 21; (10) Lc 2, 19; (11) São Bernardo, Sermão para o domingo da oitava da Assunção, 14; (12) Pio XI, Oração no encerramento do jubileu da Redenção, em H. Marin, Doctrina Pontificia, vol. IV, Madrid, 1954, n. 647.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal