TEMPO COMUM. DÉCIMA SEGUNDA SEMANA. QUARTA-FEIRA

– Os frutos bons só podem vir de uma árvore sã. Os falsos mestres.

I. O SENHOR INSISTE em múltiplas ocasiões no perigo dos falsos profetas, que levarão muitos à ruína espiritual1. No Antigo Testamento também se mencionam estes maus pastores que causam estragos no Povo de Deus. Assim, o profeta Jeremias denuncia a impiedade daqueles que profetizam em nome de Baal e desorientam o meu povo de Israel… Transmitem-vos vãos oráculos; contam-vos fantasias, e não as palavras do Senhor… Não enviei tais profetas; são eles que correm; nem jamais lhes falei; e, no entanto, proferem oráculos2.

Não demoraram também a aparecer no seio da Igreja. São Paulo chama-os falsos irmãos e falsos apóstolos3, e põe de sobreaviso os primeiros cristãos para que os evitem; São Pedro chama-os falsos doutores4. Nos nossos dias, também têm proliferado os mestres do erro; têm semeado em abundância más sementes e têm sido causa de desconcerto e de ruína para muitos.

No Evangelho da Missa de hoje, o Senhor adverte-nos5: Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós com pele de ovelha, mas por dentro são lobos vorazes. É muito grande o mal que causam às almas, pois os que se aproximam deles em busca de luz encontram trevas, e, quando procuram fortaleza, encontram incerteza e debilidade.

O próprio Senhor nos previne que tanto os verdadeiros como os falsos enviados de Deus serão conhecidos pelos seus frutos: Pelos seus frutos os conhecereis, diz-nos Jesus. Porventura colhem-se uvas dos espinhos ou figos dos abrolhos? Assim toda a árvore boa dá bons frutos, e a árvore má dá frutos maus. Não pode uma árvore boa dar maus frutos, nem uma árvore má dar frutos bons. Nesta passagem do Evangelho, o Senhor põe-nos de sobreaviso para que estejamos vigilantes e sejamos prudentes com os falsos doutores e com as suas doutrinas enganosas, pois nem sempre será fácil distingui-las. Quantas vezes a má doutrina se apresenta revestida de uma aparência de bondade e de bem! Quantas vezes se apresenta como a única interpretação correta do Evangelho, forçando o sentido das palavras, o magistério da Igreja e a realidade histórica! Mas os frutos estão à vista: esses falsos enviados desunem o rebanho, separam-no do tronco fecundo da Igreja e muitas vezes acabam eles próprios por desertar. Devemos rezar sempre para que o Senhor abrevie esses tempos de prova que às vezes permite e fortaleça sempre a sua Igreja enviando-lhe bons pastores.

– O relacionamento com Deus e as obras do cristão.

II. AS ÁRVORES BOAS dão frutos bons. E a árvore é boa quando por ela corre seiva boa. A seiva do cristão é a própria vida de Cristo, a santidade pessoal, que não se pode suprir com nenhuma outra coisa. Por isso, não devemos separar-nos nunca dEle: Quem está unido comigo, e eu com ele, esse dá muito fruto, porque sem mim nada podeis fazer6. No relacionamento com Jesus, aprendemos a ser eficazes, a estar alegres, a compreender, a amar de verdade, a ser, enfim, bons cristãos.

A vida em união com Cristo ultrapassa necessariamente o âmbito individual do cristão em benefício dos outros: daí brota a fecundidade apostólica, já que “o apostolado, seja qual for, é uma superabundância da vida interior”7, da união vital com o Senhor. Lembremo-nos, porém, de que “esta vida de união íntima com Cristo se nutre dos auxílios espirituais comuns a todos os fiéis, muito especialmente da participação ativa na sagrada liturgia. Os leigos devem servir-se desses auxílios de tal forma que, ao cumprirem devidamente as suas obrigações no meio do mundo, nas circunstâncias ordinárias da sua vida, não separem a união com Cristo da sua vida privada, antes cresçam intensamente nessa união realizando as suas tarefas em conformidade com a Vontade de Deus”8.

O trato com Jesus na Sagrada Eucaristia, a participação na Santa Missa – verdadeiro centro da vida cristã –, a oração pessoal e a mortificação, terão umas manifestações concretas à hora de realizarmos as nossas obrigações, ao entrarmos em contacto com outras pessoas, católicas ou não, e ao cumprirmos os nossos deveres cívicos e sociais. Se descuidássemos esta profunda união com Deus, a eficácia apostólica com aqueles com quem nos relacionamos ir-se-ia reduzindo até extinguir-se, e os frutos se tornariam amargos, indignos de serem apresentados a Deus. “Entre aqueles para quem é um fardo recolher-se no seu coração (Jer 12, 11) ou que não querem fazê-lo – indicava São Pio X –, não faltam os que reconhecem a conseqüente pobreza da sua alma, e se desculpam com o pretexto de que se entregaram totalmente ao serviço das almas. Mas enganam-se. Tendo perdido o costume de tratar com Deus, quando falam dEle aos homens ou dão conselhos de vida cristã, estão totalmente vazios do espírito de Deus, de modo que a palavra do Evangelho parece como que morta neles”9.

Não é infreqüente então que – no melhor dos casos – só se dêem conselhos rasteiros, sem conteúdo sobrenatural, ou doutrinas próprias, quando se deveria dar a doutrina do Evangelho. Se se descuida a piedade pessoal, não se produzem as obras que Deus espera de cada cristão. Da abundância do coração fala a boca10; e se Deus não está no coração, como se poderão comunicar as palavras de vida que procedem dEle?

Examinemos hoje como é a nossa oração: a constância e a pontualidade com que a fazemos, o empenho com que procuramos afastar as distrações, o esforço por fazê-la no lugar mais adequado, o recurso à Virgem Maria, a São José, ao Anjo da Guarda, para que nos ajudem a manter um diálogo vivo e pessoal com Deus, o propósito diário com que encerramos esses minutos de meditação. Examinemos também como é o nosso interesse em viver na presença de Deus enquanto caminhamos pela rua, enquanto trabalhamos, na família, por meio de pequenos atos interiores com que elevamos o coração ao Senhor. Lembremo-nos: a seiva não se vê, mas não haverá frutos se a seiva deixar de circular.

– Os frutos amargos do laicismo. Reconduzir todas as coisas a Cristo. 

III. ASSIM COMO O HOMEM que exclui Deus da sua vida se converte em árvore má que dá maus frutos, a sociedade que pretende desalojar Deus dos seus costumes e das suas leis produz males sem conta e gravíssimos danos para os cidadãos que a integram. “Sem religião, é impossível que os costumes de um Estado sejam bons”11. Surge então o fenômeno do laicismo, que quer substituir a honra devida a Deus e à moral baseada em princípios transcendentes, por ideais e princípios de conduta meramente humanos, que acabam por ser infra-humanos. Ao mesmo tempo, pretende-se relegar Deus e a Igreja para o interior das consciências e ataca-se com agressividade a Igreja, o Papa, quer diretamente ou em pessoas e instituições fiéis ao seu Magistério.

Não é raro então que “onde o laicismo consegue subtrair o homem, a família e o Estado ao influxo regenerador de Deus e da Igreja, apareçam sinais cada vez mais evidentes e terríveis da corruptora falsidade do velho paganismo. Coisa que acontece também naquelas regiões onde durante séculos brilharam os fulgores da civilização cristã”12. Esses sinais produzidos pela secularização são evidentes em muitos países, mesmo de grande tradição e raízes cristãs, onde esse processo progride a olhos vistos: divórcio, aborto, aumento alarmante do consumo de drogas, criminalidade, desprezo da moralidade pública… O homem e a sociedade desumanizam-se e degradam-se quando não têm a Deus como Pai, um Pai cheio de amor, que sabe dar leis para a própria conservação da natureza humana e para que as pessoas encontrem a sua dignidade e alcancem o fim para que foram criadas.

Perante frutos tão amargos, nós, os cristãos, devemos corresponder com generosidade à chamada recebida de Deus para ser sal e luz onde estivermos. Devemos mostrar com obras que o mundo é mais humano, mais alegre, mais honesto e mais limpo quando está mais perto de Deus. Vale a pena viver a vida tanto mais quanto mais estiver informada pela luz de Cristo.

Jesus incita-nos continuamente a não permanecer inativos, a não perder a menor ocasião de dar um sentido mais cristão, mais humano, às pessoas e ao ambiente em que estamos. Ao terminarmos a nossa oração, perguntamo-nos hoje: que posso eu fazer na minha família, na minha escola, na Universidade, na fábrica, no escritório, para que o Senhor esteja presente nesses lugares?

E pedimos a São José a firmeza de espírito necessária para levarmos todas as realidades humanas a Cristo. Olhemos com esperança para o exemplo da sua vida, pois dela “depreende-se a grande personalidade humana de José: em nenhum momento surge aos nossos olhos como um homem apoucado ou assustado perante a vida; pelo contrário, sabe enfrentar os problemas, ultrapassar as situações difíceis, assumir com responsabilidade e iniciativa as tarefas que lhe são confiadas”13.

Com a graça de Deus e a intercessão do Santo Patriarca, esforçar-nos-emos com constância por dar fruto abundante no lugar em que Deus nos colocou.

(1) Cfr. Mt 24, 11; Mc 13, 22; Jo 10, 12; (2) cfr. Jer 23, 9-40; (3) Gál 2, 4; 2 Cor 11, 26; 1 Cor 11, 13; (4) 2 Pe 2, 1; (5) Mt 7, 15-20; (6) Jo 15, 5; (7) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 239; (8) Conc. Vat. II, Decr. Apostolicam actuositatem, 4; (9) São Pio X, Enc. Haerent animo, 4-VIII-1908; (10) cfr. Lc 6, 45; (11) Leão XIII, Enc. Immortale Dei, 1-XI-1885; (12) Pio XII, Enc. Summi pontificatus, 20-X-1939, 23; (13) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 40.

Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.