TEMPO COMUM. VIGÉSIMA TERCEIRA SEMANA. QUARTA‑FEIRA
– As incompreensões e adversidades que podem surgir por seguirmos Cristo não nos devem surpreender.
Junto dEle, a dor torna‑se júbilo.
– A “contradição dos bons”.
– Frutos das incompreensões.
I. O SENHOR ANUNCIA em diversas ocasiões que quem deseja segui‑lo verdadeiramente e de perto terá que enfrentar as investidas dos que se comportam como inimigos de Deus e até dos que, sendo cristãos, não vivem com coerência a sua fé.
O cristão, no seu caminho de santidade, encontrará por vezes um clima de hostilidade, que o Senhor não duvidou em chamar com uma palavra dura: perseguição1. Na última das bem‑aventuranças referidas por São Lucas no Evangelho da Missa2, Jesus diz: Bem‑aventurados sereis quando os homens vos odiarem, quando vos expulsarem e injuriarem, e proscreverem o vosso nome como maldito, por causa do Filho do homem. E não devemos pensar que esta perseguição, nas diversas formas em que pode apresentar‑se, é algo excepcional, que se dará numas épocas especiais ou em lugares determinados: Não é o discípulo mais do que o mestre – anunciou Jesus –, nem o servo mais do que o seu senhor. Se ao amo da casa o chamaram Belzebu, quanto mais aos seus domésticos3. E São Paulo prevenia assim o seu discípulo Timóteo: Todos os que quiserem viver piedosamente em Cristo Jesus sofrerão perseguição4.
A perseguição, porém, não quer dizer desgraça, mas bem‑aventurança, alegria e felicidade, porque é o cunho da autenticidade no seguimento de Cristo; significa que as pessoas e as obras vão por bom caminho, e por isso não devem tirar‑nos a paz nem surpreender‑nos. Se alguma vez o Senhor permite que sintamos a dor da perseguição aberta – a calúnia, a difamação… –, ou essa outra mais disfarçada – que emprega como armas a ironia empenhada em ridicularizar os valores cristãos, ou a pressão ambiental concentrada em amedrontar os que se atrevem a defender uma visão cristã da vida e em desprestigiá‑los perante a opinião pública –, devemos saber que é uma ocasião permitida por Deus para que nos cumulemos de frutos, como dizia um mártir enquanto se dirigia para a morte: “Onde maior é o trabalho, maior é o lucro”5.
Deveremos nesses casos agradecer ao Senhor a confiança que depositou em nós ao considerar‑nos capazes de sofrer um pouco por Ele. E imitaremos os Apóstolos, ainda que em ponto muito pequeno, quando, depois de terem sido açoitados por pregarem publicamente a Boa Nova, saíram alegres do Sinédrio por terem sido dignos de padecer ultrajes pelo nome de Jesus6. Não se calaram no seu apostolado, antes anunciavam Jesus com mais fervor e alegria, lembrando‑se certamente das palavras do Senhor: Alegrai‑vos naquele dia e regozijai‑vos, pois será grande a vossa recompensa no céu.
Junto de Jesus Cristo, a dor torna‑se contentamento: “É melhor para mim, Senhor, sofrer a tribulação, contanto que estejas comigo, do que reinar sem Ti, passar bem sem Ti, gloriar‑me sem Ti. Junto de Jesus Cristo, a dor torna‑se contentamento: “É melhor para mim, Senhor, sofrer a tribulação, contanto que estejas comigo, do que reinar sem Ti, passar bem sem Ti, gloriar‑me sem Ti. É melhor para mim, Senhor, abraçar‑me a Ti na tribulação, ter‑Te comigo no forno ardente, do que estar sem Ti, ainda que fosse no próprio Céu. Que me importa o Céu sem Ti? E, contigo, que me importa a terra?”7
II. O SENHOR TAMBÉM nos previne no Evangelho da Missa: Ai quando os homens falarem bem de vós, porque assim fizeram os pais deles com os falsos profetas. A fé, quando é autêntica, “derruba demasiados interesses egoístas para não causar escândalo”8. É difícil, talvez impossível, ser bom cristão e não entrar em choque com um ambiente aburguesado, comodista e paganizado. Temos que pedir continuamente a paz para a Igreja e para os cristãos de todos os países, mas não nos devemos assustar nem surpreender se, pela doutrina de Cristo que queremos dar a conhecer, deparamos com a resistência do ambiente, as críticas ou as calúnias. O Senhor ajudar‑nos‑á a tirar frutos abundantes dessas situações.
Quando São Paulo chegou a Roma, os judeus que ali viviam diziam da Igreja nascente: Sabemos que sofre perseguição por toda a parte9. Depois de vinte séculos, vemos que a situação não mudou, ainda que tenham cessado as perseguições abertas. São cada vez mais os ambientes em que se qualificam de “fanáticos”, “ultrapassados”, “integristas” os que simplesmente querem viver a fé e seguir os princípios morais tal como a Igreja os define por meio do seu Magistério. Descobrem‑se falsos conflitos entre a ciência e a fé, entre o progresso da civilização e a doutrina imutável da Igreja. Faz‑se finca‑pé em erros históricos dos homens, muitas vezes falseando‑os e certamente aumentando‑os, para atacar a Igreja, a sua instituição divina, os seus fins sobrenaturais e de salvaguarda dos valores humanos inerentes à condição dos filhos de Deus.
Custa entender a calúnia ou a perseguição – aberta ou escondida – numa época em que se fala tanto de tolerância, de compreensão, de convivência e de paz. Mas são mais difíceis de entender as contradições quando procedem dos homens “bons”, quando, de um modo ou de outro, o cristão persegue o cristão, e o irmão ataca o irmão. O Senhor aludiu claramente a essa situação, em que as difamações, as calúnias e os entraves à ação apostólica não provêm dos pagãos nem dos inimigos de Cristo, mas dos irmãos na fé que desse modo julgam prestar um serviço a Deus10.
“A contradição dos «bons» – expressão cunhada pelo Fundador do Opus Dei, que a experimentou dolorosamente na sua vida – é uma prova que Deus permite às vezes, e que é particularmente penosa para o cristão que a sofre. O motivo costumam ser exaltações demasiado humanas que podem distorcer o bom juízo e a intenção limpa de homens que professam a mesma fé e formam o mesmo Povo de Deus. Às vezes, há zelos ao invés de zelo pelas almas, emulação imprudente que olha com inveja e considera como um mal o bem feito pelos outros. Pode haver também dogmatismo estreito que se recusa a reconhecer aos outros o direito de pensar de maneira diferente em matérias deixadas por Deus à livre apreciação dos homens […]. A contradição dos «bons» […] costuma manifestar‑se em desamor para com alguns irmãos na fé, em oposição disfarçada e crítica destrutiva”11.
Em qualquer caso, a atitude do cristão que antes de mais nada quer ser fiel a Cristo deve ser a de perdoar, desagravar e agir com retidão de intenção, com o olhar posto em Cristo.
“Não esperes o aplauso dos outros pelo teu trabalho. – Mais ainda! Não esperes sequer, às vezes, que te compreendam outras pessoas e instituições que também trabalham por Cristo. – Procura somente a glória de Deus e, amando a todos, não te preocupes se alguns não te entendem”12.
III. DEVEMOS TIRAR MUITO FRUTO das contradições. “Tinha‑se desencadeado a perseguição violenta. E aquele sacerdote rezava: – Jesus, que cada incêndio sacrílego aumente o meu incêndio de Amor e Reparação”13. Essas oposições não só não nos devem fazer perder a paz ou ser causa de desalento e pessimismo, como devem servir‑nos para enriquecer a alma, para crescer em maturidade interior, em fortaleza, em espírito de reparação e desagravo, em compreensão e caridade.
Tanto agora como nesses momentos difíceis que, sem serem habituais, podem, no entanto, apresentar‑se na nossa vida, far‑nos‑á muito bem meditar aquelas palavras pacientes e serenas de São Pedro dirigidas aos cristãos da primeira hora, quando padeciam calúnias e perseguição: É preferível, caso Deus assim o queira, padecer fazendo o bem a padecer fazendo o mal14.
Deus servir‑se‑á dessas horas de dor para fazer o bem a outras pessoas: “Algumas vezes, Ele chama‑nos por meio dos milagres, outras pelos castigos, outras pelas prosperidades deste mundo e, por último, em outras ocasiões, chama‑nos por meio das adversidades”15.
Não há situação em que não tenhamos motivos para estar alegres e otimistas, com o otimismo que nasce da fé e da oração confiante. “O cristianismo já esteve demasiadas vezes em situações que pareciam acarretar‑lhe um perigo fatal, para que nos deixemos atemorizar agora por uma nova prova […]. Os caminhos pelos quais a Providência resgata e salva os seus escolhidos são imprevisíveis. Umas vezes, o nosso inimigo converte‑se em amigo; outras, vê‑se despojado da capacidade de fazer o mal que o tornava temível; outras, destrói‑se a si próprio; ou, sem o querer, produz efeitos benéficos, para desaparecer a seguir sem deixar rasto. Geralmente, a Igreja não faz outra coisa senão perseverar, com paz e confiança, no cumprimento das suas tarefas, permanecer serena e esperar a salvação de Deus”16.
Os momentos de dificuldades e contradições – que não devemos exagerar – são particularmente propícios para praticarmos uma série de virtudes: devemos pedir por aqueles que nos fazem mal – talvez sem o saberem –, para que deixem de ofender a Deus; desagravar o Senhor, sendo mais fiéis nos nossos deveres cotidianos; dedicar‑nos a uma ação apostólica mais intensa; proteger com caridade os irmãos “fracos” na fé que, pela sua idade, pela sua pouca formação ou pela sua situação particular, poderiam sofrer um dano maior na sua alma.
A Virgem nossa Mãe, que nos ajuda a todo o momento, ouvir‑nos‑á particularmente nas ocasiões mais difíceis. “Dirige‑te à Virgem Maria – Mãe, Filha, Esposa de Deus, Mãe nossa –, e pede‑lhe que te obtenha da Trindade Santíssima mais graças: a graça da fé, da esperança, do amor, da contrição, para que, quando na vida parecer que sopra um vento forte, seco, capaz de estiolar essas flores da alma, não estiole as tuas…, nem as dos teus irmãos”17.
(1) Cfr. J. Orlandis, Oito bem‑aventuranças, pág. 141; (2) Lc 6, 20‑26; (3) Mt 10, 24‑25; (4) 2 Tim 3, 12; (5) Santo Inácio de Antioquia, Carta a São Policarpo de Esmirna, 1; (6) At 5, 41; (7) São Bernardo, Sermão 17; (8) G. Chevrot, O Sermão da Montanha, Quadrante, pág. 234; (9) At 28, 22; (10) cfr. Jo 16, 2; (11) J. Orlandis, op. cit., pág. 150; (12) Josemaría Escrivá, Forja, n. 255; (13) ib., n. 1026; (14) 1 Pe 3, 17; (15) São Gregório Magno, Homilia 36 sobre os Evangelhos; (16) J. H. Newman, Biglietto Speech, 12‑V‑1879; (17) Josemaría Escrivá, op. cit., n. 227.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal