TEMPO COMUM. DÉCIMA QUINTA SEMANA. SEXTA‑FEIRA

– A Páscoa judaica.
– A Última Ceia de Jesus com os seus discípulos. O verdadeiro Cordeiro pascal.
– A Santa Missa, centro da vida interior.

I. A PÁSCOA ERA a festa judaica mais solene; fora instituída por Deus para comemorar a saída do povo judeu do Egito e para evocar anualmente a libertação da escravidão a que tinha estado submetido. O Senhor estabeleceu1 que todas as famílias imolassem na véspera desta festa um cordeiro de um ano, sem mancha nem defeito algum. Toda a família devia reunir‑se para comer essa carne assada ao fogo, com pães ázimos, sem fermento, e com ervas amargas. O pão não fermentado simbolizava a pressa da saída do Egito, sob a perseguição dos exércitos do Faraó; as ervas amargas, a amargura da escravidão padecida ao longo de tantos anos. Teriam de comer depressa, como quem está de passagem, com as roupas cingidas, como quem se prepara para empreender uma longa caminhada.

A festa começava com a ceia pascal, na tarde do dia 14 do mês de Nisán, pouco depois do pôr‑do‑sol, e prolongava‑se por mais sete dias, em que se continuava a comer pão não fermentado; por esse motivo a semana chamava‑se a semana dos Ázimos. O fermento era eliminado das casas na própria tarde do dia 14.

Tudo isso era imagem da renovação e da libertação da escravidão do pecado que Cristo operaria nas almas. Purificai‑vos do velho fermento – dirá São Paulo aos primeiros cristãos de Corinto – para que sejais uma massa nova, assim como sois ázimos. Porque Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado. Celebremos, pois, a festa, não com fermento velho, nem com o fermento da malícia e da perversidade, mas com os ázimos da pureza e da verdade2.

Já o cordeiro pascal da festa judaica era promessa e figura do verdadeiro Cordeiro, Jesus Cristo, vítima no sacrifício do Calvário em favor de toda a humanidade3. Ele é o verdadeiro Cordeiro que tirou o pecado do mundo, que morrendo destruiu a nossa morte e ressuscitando restaurou a vida4. É o Cordeiro que, com o seu sacrifício voluntário, consegue o que se simbolizava nos sacrifícios da antiga Lei: satisfazer pelos pecados dos homens.

O sacrifício de Cristo na Cruz, renovado todas as vezes que se celebra a Santa Missa, permite‑nos viver já numa contínua festa. Por isso São Paulo exortava os Coríntios a expurgarem o velho fermento, símbolo do que é velho e do que é impuro, para levarem uma autêntica vida cristã5. A Santa Missa, vivida também ao longo do dia, antecipa‑nos a glória do Céu. Depois de tantos bens recebidos, “podeis acaso não estar em festa contínua durante os dias da vossa vida terrena? – pergunta São João Crisóstomo. Longe de nós qualquer abatimento pela pobreza, doença ou perseguições que nos afligem. A vida presente é um tempo de festa”6, uma antecipação do que serão a glória e a felicidade eternas.

II. JESUS MARCOU antecipadamente e com particular relevo a última páscoa que comeria com os seus discípulos7: disse que desejara ardentemente comê‑la com eles8.

João e Pedro prepararam tudo o que era necessário: os pães ázimos, as verduras amargas, as taças para o vinho e o cordeiro, que devia ser sacrificado no átrio do Templo, nas primeiras horas da tarde. Naquela noite, provavelmente em casa de Maria, mãe de Marcos, teria lugar a instituição da Eucaristia e adiantar‑se‑ia sacramentalmente o Sacrifício da Nova Aliança que se realizaria no dia seguinte no Calvário. “Celebram‑se numa mesma mesa as duas páscoas: a da figura e a da realidade. Assim como os pintores traçam primeiro na mesma tela as linhas do contorno e acrescentam depois as cores, assim fez também Cristo”9; utilizando os velhos ritos, estabeleceu a verdadeira Páscoa, a festa por excelência, da qual a anterior era somente uma imagem precursora. As ervas amargas relacionavam‑se agora, intimamente, com a amargura da Paixão que se abateria sobre o Senhor no Gólgota.

De uma vez para sempre, com especial simplicidade e gravidade, Jesus substituiu, pois, o antigo rito pelo seu sacrifício redentor. Naquela noite, no Cenáculo, teve lugar o acontecimento de que viveriam os homens de tantas gerações e que constitui o centro da nossa existência. “Ó ditoso lugar – exclama Santo Efrém – no qual o cordeiro da Páscoa sai ao encontro do Cordeiro da verdade…! […]. Ó ditoso lugar! Nunca foi preparada uma mesa como a tua, nem na casa dos reis, nem no Tabernáculo, nem no Sancta Sanctorum10.

Com as palavras: Fazei isto em memória de mim, o Senhor estabeleceu que esse mistério de amor pudesse repetir‑se até o fim dos tempos, concedendo aos Apóstolos e aos seus sucessores o poder de realizá‑lo11. Como devemos estar‑lhe agradecidos por participarmos de tantos bens que recebemos na Missa, e de modo particular no momento da Sagrada Comunhão! Temos tão perto de nós o próprio Cristo, que se deu plenamente aos seus discípulos e a todos os homens naquela noite memorável! Agora podemos dizer ao Senhor na intimidade do nosso coração:

“Eu te amo, Senhor Jesus, minha alegria e descanso, com todo o meu coração, com toda a minha mente, com toda a minha alma e com todas as minhas forças; e se vês que não te amo como deveria, ao menos desejo amar‑te, e, se não o desejo suficientemente, pelo menos quero desejá‑lo desse modo […]. Ó Corpo sacratíssimo aberto pelas cinco chagas, coloca‑te como selo sobre o meu coração e imprime nele a tua caridade! Sela os meus pés, para que saiba seguir os teus passos; sela as minhas mãos, para que realizem sempre boas obras; sela o meu peito, para que arda para sempre em vibrantes atos de amor por Ti. Ó Sangue preciosíssimo, que lavas e purificas todos os homens! Lava a minha alma e põe um sinal no meu rosto, para que não ame a ninguém senão a Ti”12.

III. NAQUELA ÚLTIMA PÁSCOA, Jesus entregou‑se a seu Pai como vítima a ser imolada, como Cordeiro puríssimo. Tanto a Última Ceia como a Santa Missa constituem por isso, juntamente com a oblação oferecida no Calvário, um Sacrifício único e perfeito, porque nos três casos a vítima oferecida é a mesma: Cristo; e o sacerdote é também o mesmo: Cristo13.

Preparemo‑nos para a Santa Missa como se o Senhor nos tivesse convidado pessoalmente para aquela última páscoa que comeu com os seus mais íntimos. Todos os dias devemos ouvir no nosso coração, como dirigidas unicamente a nós, aquelas palavras do Senhor: Desiderio desideravi hoc Pascha manducare vobiscum…, “desejei ardentemente comer esta páscoa convosco”14. É grande o desejo de Jesus, são muitas as graças que nos prepara.

Conta‑se de São João de Ávila que, ao receber a notícia da morte de um sacerdote que acabava de ordenar‑se, perguntou imediatamente se tinha celebrado alguma Missa; responderam‑lhe que só tinha podido fazê‑lo uma vez. E diz‑se que o Santo comentou: “De muito terá que prestar contas a Deus”. Pensemos hoje, nestes minutos de oração, em como celebramos ou em como participamos do Santo Sacrifício do Altar; como são os desejos, a preparação, o empenho por evitar que outros assuntos ocupem a nossa mente, os atos de fé e de amor nesse tempo, sempre curto, que dura a Santa Missa e a ação de graças depois da Comunhão.

Devemos procurar que a Santa Missa seja a raiz de toda a nossa vida. “Deves lutar por conseguir que o Santo Sacrifício do Altar seja o centro e a raiz da tua vida interior, de modo que todo o teu dia se converta num ato de culto – prolongamento da Missa a que assististe e preparação para a seguinte –, que vai transbordando em jaculatórias, em visitas ao Santíssimo Sacramento, em oferecimento do teu trabalho profissional e da tua vida familiar…”15

Se, com a ajuda da graça, nos esforçarmos, a Santa Missa será o centro para o qual convergirão todas as nossas práticas de piedade, os deveres familiares e sociais, o trabalho, o apostolado…; converter‑se‑á também na fonte onde recuperaremos diariamente as forças para prosseguir a nossa caminhada; no cume para o qual dirigiremos os nossos passos, as nossas obras, os nossos anseios apostólicos, os mais íntimos desejos da alma; será também o coraçãoonde aprenderemos a amar os outros, com os seus defeitos, parecidos aos nossos, e com as suas facetas menos agradáveis.

Se cada dia conseguirmos amar um pouco mais a Santa Missa, poderemos dizer ao Senhor depois da ação de graças da Comunhão: “Afasto‑me um pouco de Ti, Senhor Jesus, mas não me vou embora sem Ti, que és a consolação, a felicidade e o bem da minha alma […]. Tudo quanto fizer daqui para a frente, fá‑lo‑ei em Ti e por Ti, e nada será objeto das minhas palavras e ações internas e externas a não ser Tu, meu Deus e meu amor…”16

(1) Ex 12, 1‑4; Primeira leitura da Missa da sexta‑feira da décima quinta semana do TC, ano I; (2) 1 Cor 5, 7‑8; (3) cfr. São Tomás, Suma Teológica, III, q. 73, a. 6; (4) Missal Romano, Prefácio Pascal I; (5) cfr. Sagrada Bíblia, Epístolas de São Paulo aos Coríntios; (6) São João Crisóstomo, Homilias sobre a 1ª Epístola aos Coríntios, 5, 7‑8; (7) cfr. Jo 2, 13‑23; 6, 4; 11, 55; 12, 1; (8) cfr. Lc 22, 15; (9) São João Crisóstomo, Sobre a traição de Judas, 1, 4; (10) Santo Efrém, Hino, 3; (11) cfr. 1 Cor 11, 24‑25; Lc 22, 19; (12) Card. J. Bona, El sacrificio de la Misa, Rialp, Madrid, 1963, págs. 164‑165; (13) cfr. Ch. Journet, La Misa, Rialp, Madrid, 1965, pág. 89; (14) cfr. Lc 22, 15; (15) Josemaría Escrivá, Forja, n. 69; (16) Card. J. Bona, op. cit., pág. 176.

Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal