TEMPO COMUM. VIGÉSIMA SEXTA SEMANA. QUARTA-FEIRA
– Desprendimento necessário para seguir o Senhor. Os bens materiais são apenas meios. Aprender a viver a pobreza cristã.
– Conseqüências da pobreza: o uso do dinheiro, evitar os gastos desnecessários, o luxo, o capricho…
– Outras manifestações da pobreza cristã: rejeitar o supérfluo, as falsas necessidades… Enfrentar com alegria a escassez e a necessidade.
I. RELATA O EVANGELHO da Missa1 que Jesus se dispunha a passar para a outra margem do lago quando se aproximou dEle um escriba que queria segui-lo: Seguir-te-ei para onde quer que vás, diz-lhe. Jesus expõe-lhe em breves palavras o panorama que o espera: a renúncia ao conforto pessoal, o desprendimento das coisas, uma disponibilidade completa ao querer divino: As raposas têm as suas covas e as aves do céu os seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça.
Jesus pede aos seus discípulos, a todos, um desprendimento habitual: a atitude firme de estar por cima das coisas que necessariamente se têm de usar. Para nós, que fomos chamados a seguir o Senhor sem sair do mundo, manter o coração desprendido dos bens materiais, sem deixar de usar o necessário, requer uma atenção constante, sobretudo numa época em que parece imperar o desejo de possuir e saborear tudo o que agrada aos sentidos e em que, para muitos – dá essa impressão –, esse é o principal fim da vida2. Viver a pobreza que Cristo nos pede requer uma grande delicadeza interior: nos desejos, no pensamento, na imaginação; exige que se viva com o mesmo espírito do Senhor3.
Uma das primeiras manifestações da pobreza evangélica é utilizar os bens como meios4, não como fins em si mesmos.
As coisas materiais são bens unicamente quando se utilizam para um fim superior: sustentar a família, educar os filhos, adquirir uma maior cultura em benefício da sociedade, ajudar as obras de apostolado e os que passam privações…
Mas isto não é fácil de viver na prática, porque o homem tende a deixar que o coração se apegue sem medida nem temperança aos meios materiais. É necessário aprender na vida real como temos de comportar-nos para não cair nesses duros laços que impedem de subir até o Senhor. E isto tanto no caso de possuirmos muitos bens como de não possuirmos nenhum, pois a pobreza não se confunde com o não ter: “A pobreza que Jesus declarou bem-aventurada é aquela que é feita de desapego, de confiança em Deus, de sobriedade e disposição de compartilhar”5. Esta é a pobreza daqueles que devem viver e santificar-se no meio do mundo.
O próprio São Paulo nos diz que teve de enfrentar essa aprendizagem para chegar a viver desprendido em todas as circunstâncias: Aprendi a viver na pobreza – diz aos cristãos de Filipos –; aprendi a viver na abundância […]. Estou acostumado a tudo: à fartura e à escassez; à riqueza e à pobreza. Tudo posso naquele que me conforta6. A sua segurança e a sua confiança estavam postas em Deus.
II. NÃO PODEMOS DEIXAR de contemplar a figura de Cristo, que não tinha onde reclinar a cabeça…, porque, se queremos segui-lo, temos de imitá-lo. Ainda que tenhamos de utilizar meios materiais para cumprir a nossa missão no mundo, o nosso coração tem de estar como o do Senhor: livre de laços.
A verdadeira pobreza cristã é incompatível não só com a ambição de bens supérfluos, mas também com a inquieta preocupação pelos necessários. Se alguém que quisesse seguir o Senhor de perto viesse a afligir-se e a perder a paz por causa das preocupações econômicas, isso indicaria que a sua vida interior se estava enchendo de tibieza e que estaria tentando servir a dois senhores7. Pelo contrário, a aceitação das privações e das incomodidades que a pobreza traz consigo é algo que une estreitamente a Jesus Cristo, e é sinal de predileção da parte do Senhor, que deseja o bem para todos, mas de modo especial para aqueles que o seguem.
Um aspecto da pobreza cristã é o que se refere ao uso do dinheiro. Há coisas que são objetivamente luxuosas e que não condizem com um discípulo de Cristo, mesmo que sejam normais no meio em que ele se desenvolve. São objetos, viagens ao estrangeiro, restaurantes requintados, roupas caras… que não devem figurar nos gastos nem no uso de quem deseja ter por Mestre Aquele que não tinha onde reclinar a cabeça. Prescindir dessas comodidades ou luxos é coisa que talvez venha a chocar as pessoas do nosso ambiente, mas pode ser, em não poucas ocasiões, o meio de que o Senhor queira servir-se para que muitas delas se sintam movidas a sair do seu aburguesamento.
Os gastos motivados pelo capricho são, por outro lado, o que há de mais oposto ao espírito de mortificação, ao sincero anelo de imitar Jesus. É lógico pensar que também não teria o espírito de Cristo quem se deixasse levar por esses desejos pela simples razão de que quem os paga é o Estado, a empresa ou um familiar… O coração ficaria ao nível da terra, impossibilitado de levantar vôo até os bens sobrenaturais ou mesmo de compreender que existem.
Pobres, por amor de Cristo, na abundância e na escassez. Em cada uma dessas situações, o uso dos bens adquirirá umas formas talvez diferentes, mas os sentimentos e as disposições do coração serão os mesmos. Copio este texto, porque pode dar paz à tua alma: «Encontro-me numa situação econômica tão apertada como nunca. Não perco a paz. Tenho absoluta certeza de que Deus, meu Pai, resolverá todo este assunto de uma vez. “«Quero, Senhor, abandonar o cuidado de todas as minhas coisas nas tuas mãos generosas. A nossa Mãe – a tua Mãe! –, a estas horas, como em Caná, já fez soar aos teus ouvidos: – Não têm!… Eu creio em Ti, espero em Ti, amo-Te, Jesus: para mim, nada; para eles»”8. Talvez muitas vezes tenhamos necessidade de fazer nossa esta oração.
III. NÓS QUEREMOS seguir Cristo de perto, viver como Ele viveu, no meio do mundo, nas circunstâncias particulares em que nos cabe viver. Um aspecto da pobreza que o Senhor nos pede é cuidarmos, para que durem, dos objetos que utilizamos. Esta atitude requer mortificação, um sacrifício pequeno, mas constante, porque é mais cômodo largar a roupa em qualquer lugar e de qualquer forma, ou deixar para mais tarde – sem data fixa – esse pequeno conserto que, se se realiza logo, evita um gasto maior.
Também quem procura não ter nada de supérfluo está próximo do desprendimento que Cristo nos pede. Para isso, é necessário que nos perguntemos muitas vezes: necessito realmente destes objetos, de duas canetas ou duas esferográficas…?
“O supérfluo dos ricos – afirma Santo Agostinho – é o necessário dos pobres. Possuem-se coisas alheias quando se possui o supérfluo”9.
Sapatos, utensílios, roupas, aparelhos eletrônicos, material esportivo…, tudo isso que tenho armazenado faz-me realmente falta? Tenho presente que, em boa parte, o desprendimento cristão consiste em “não considerar – de verdade – coisa alguma como própria”10, e atuo de modo conseqüente?
É evidente que a pobreza cristã é compatível com esses adornos da casa de uma família cristã, que se distingue mais pelo bom gosto, pela limpeza (fazer com que as coisas brilhem e rendam) e pela simplicidade do que pela ostentação. A casa deve ser um lugar em que a família se sinta à vontade e a que todos os membros desejem chegar quanto antes pelo carinho que nela se respira, mas não um lugar que seja uma constante ocasião de aburguesamento, de falta de sacrifício nas crianças e nos adultos…
Privar-se do supérfluo significa, sobretudo, não criar necessidades. “Temos que ser exigentes conosco na vida cotidiana, para não inventar falsos problemas, necessidades artificiais que, em último termo, procedem da arrogância, do capricho, de um espírito comodista e preguiçoso. Devemos caminhar para Deus a passo rápido, sem bagagem e sem pesos mortos que dificultem a marcha”11.
Não ter coisas supérfluas ou desnecessárias significa, pois, aprender a não criar falsas necessidades, das quais podemos prescindir com um pouco de boa vontade. E, ao mesmo tempo, agradecer ao Senhor que não nos estejam faltando os meios necessários para o trabalho, para o sustento das pessoas que dependem de nós e para podermos ajudar as obras apostólicas em que colaboramos; estando dispostos a prescindir deles, se Deus assim o permitir.
A Virgem Santa Maria ajudar-nos-á a levar à prática, de verdade, este conselho: “Não ponhas o coração em nada de caduco: imita a Cristo, que se fez pobre por nós e não tinha onde reclinar a cabeça. – Pede-lhe que te conceda, no meio do mundo, um efetivo desprendimento, sem atenuantes”12.
(1) Lc 9, 57-62; (2) cfr. Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et spes, 63; (3) cfr. São Francisco de Sales, Introdução à vida devota, III, 15; (4) Adolphe Tanquerey, Compendio de teologia ascética e mística, Palabra, Madrid, 1990, n. 897; (5) Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução Sobre a liberdade cristã e a libertação, 22.03.86, 66; (6) Fil 4, 12-13; (7) cfr. Mt 6, 24; (8) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Forja, n. 807; (9) Santo Agostinho, Comentário sobre o Salmo 147; (10) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Forja, n. 524; (11) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 125; (12) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Forja, n. 523.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal