TEMPO COMUM. DÉCIMA SEGUNDA SEMANA. SEGUNDA-FEIRA

– A soberba tende a exagerar as faltas alheias e a diminuir e desculpar as próprias.
– Aceitar as pessoas como são. Ajudar com a correção fraterna.
– A crítica positiva.

I. CERTA VEZ, O SENHOR disse aos que o escutavam: Como vês a palha no olho do teu irmão, e não vês a trave no teu? Ou como ousas dizer ao teu irmão: Deixa que eu tire a palha do teu olho, tendo tu uma trave no teu? Hipócrita: tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás tirar a palha do olho do teu irmão1. Uma manifestação de humildade é evitar o juízo negativo – e muitas vezes injusto – sobre os outros.

Pela nossa soberba pessoal, tendemos a ver aumentadas as menores faltas dos outros e, por contraste, a diminuir e justificar os maiores defeitos pessoais. Mais ainda, a soberba tende a projetar nos outros o que na realidade são imperfeições e erros próprios.

Por isso Santo Agostinho aconselhava sabiamente: “Procurai adquirir as virtudes que julgais faltarem nos vossos irmãos, e já não lhes vereis os defeitos, porque vós mesmos não os tereis” 2.

A humildade, pelo contrário, exerce positivamente o seu influxo numa série de virtudes que permitem uma convivência humana e cristã. Só a pessoa humilde está em condições de perdoar, de compreender e de ajudar, porque só ela é consciente de ter recebido tudo de Deus, só ela conhece as suas misérias e sabe como anda necessitada da misericórdia divina. Daí que trate o seu próximo com benignidade – também à hora de julgar –, desculpando e perdoando quando necessário. Por outro lado, nunca esquecerá que a nossa visão das ações alheias sempre é e será limitada, pois só Deus penetra nas intenções mais íntimas, lê nos corações e dá o verdadeiro valor a todas as circunstâncias que acompanham uma ação.

Devemos aprender a desculpar os defeitos, talvez patentes e inegáveis, daqueles com quem convivemos diariamente, de tal forma que não nos afastemos deles nem deixemos de estimá-los por causa das suas falhas e incorreções. Aprendamos do Senhor, que, “não podendo de forma alguma desculpar o pecado daqueles que o haviam posto na cruz, procurou no entanto reduzir-lhe a malícia, alegando a ignorância daqueles homens. Quando nós não pudermos desculpar o pecado, ao menos julguemo-lo digno de compaixão, atribuindo-o à causa mais tolerante que possa ser-lhe aplicada, como é a ignorância ou a fraqueza” 3.

Se nos habituarmos a ver as qualidades dos outros, descobriremos que essas deficiências do seu caráter, essas falhas no seu comportamento, são, normalmente, de pouca importância em comparação com as virtudes que possuem. Esta atitude positiva, justa, em face daqueles com quem lidamos habitualmente, ajudar-nos-á muito a aproximar-nos do Senhor, pois cresceremos em caridade e em humildade.

“Procuremos sempre – aconselhava Santa Teresa – olhar as virtudes e coisas boas que vemos nos outros, e tapar os seus defeitos com os nossos grandes pecados. Ainda que depois não o consigamos com perfeição, este é um modo de agir que nos faz ganhar uma grande virtude, que é a de termos a todos por melhores do que nós. E assim começamos a ganhar o favor de Deus” 4.

Em face das deficiências dos outros, mesmo dos seus pecados externos (murmurações, maus modos, pequenas vinganças…), devemos adotar uma atitude positiva: rezar em primeiro lugar por eles, desagravar o Senhor, crescer em paciência e fortaleza, querer-lhes bem e apreciá-los mais, porque necessitam mais da nossa estima.

II. O SENHOR NÃO MANDOU embora os Apóstolos nem deixou de estimá-los por causa dos defeitos que tinham, aliás bem patentes nos Evangelhos. Quando começam a segui-lo, vemos que às vezes se deixam dominar pela inveja, que têm sentimentos de ira, que ambicionam os primeiros postos. O Mestre corrige-os com delicadeza, tem paciência com eles e não deixa de querer-lhes bem. Ensina aos que seriam transmissores da sua doutrina algo de importância vital para a sua missão, para a Igreja inteira, para a família, para o mundo do trabalho: o exercício da caridade com atos.

Amar os outros, mesmo com os seus defeitos, é cumprir a Lei de Cristo, pois toda a Lei se cumpre num só preceito: Amarás o teu próximo como a ti mesmo 5, e este mandamento de Jesus não diz que se deva amar só os que não têm defeitos ou aqueles que têm determinadas virtudes. O Senhor pede que saibamos estimar em primeiro lugar – porque a caridade é ordenada – aqueles que Ele colocou ao nosso lado por laços de parentesco, de trabalho, de amizade, de vizinhança.

Esta caridade terá matizes e notas particulares de acordo com os vínculos que nos unam, mas em qualquer caso a nossa atitude deve ser sempre aberta, amistosa, desejosa de ajudar a todos. E não se trata de viver essa virtude com pessoas ideais, mas com aqueles com quem convivemos ou trabalhamos, ou que encontramos na rua à hora do tráfego mais intenso, ou quando os transportes públicos vão lotados. Às vezes, teremos talvez no nosso próprio lar, no nosso próprio escritório, pessoas que têm mau gênio, que são egoístas e invejosas, ou que um dia se levantaram indispostas ou cansadas. Trata-se de conviver, de estimar e de ajudar essas pessoas concretas e reais.

Diante das faltas do próximo, a resposta do cristão, além de compreender e rezar, há de ser, quando for oportuno, ajudar através da correção fraterna, que o próprio Senhor recomendou 6 e que sempre se viveu na Igreja. É uma ajuda fraternal que, por ser fruto da caridade, deve ser feita humildemente, sem ferir, a sós, de forma amável e positiva. Jamais deve dar a impressão de que é uma reclamação, um desabafo, uma manifestação de mau-humor ou de defesa de interesses pessoais, antes deve deixar absolutamente claro que o que se quer é que esse amigo ou colega compreenda que aquela ação ou atitude concreta faz mal à sua alma, ao trabalho, à convivência, ao prestígio humano a que tem direito. O preceito evangélico ultrapassa amplamente o plano meramente humano das convenções sociais e até a própria amizade. É uma prova de lealdade humana, que evita toda a crítica ou murmuração.

III. SE TOMARMOS COMO NORMA habitual não reparar na palha no olho alheio, ser-nos-á fácil não falar mal de ninguém. Se em algum caso temos que pronunciar-nos sobre determinada atuação, sobre a conduta de alguém, faremos essa avaliação na presença do Senhor, na oração, purificando a intenção e cuidando das normas elementares de prudência e de justiça. “Não me cansarei de insistir-vos – costumava repetir Mons. Escrivá – em que aqueles que têm obrigação de julgar devem ouvir as duas partes, os dois sinos. Porventura a nossa lei condena alguém sem tê-lo ouvido primeiro e examinado o seu proceder?, recordava Nicodemos, aquele varão reto e nobre, leal, aos sacerdotes e fariseus que procuravam condenar Jesus” 7.

E se temos que exercer o dever da crítica, esta deve ser construtiva, oportuna, ressalvando sempre a pessoa e as suas intenções, que não conhecemos senão parcialmente. A crítica do cristão é profundamente humana, não fere e até conquista a amizade dos que lhe são contrários, porque se manifesta cheia de respeito e de compreensão. Por honradez humana, o cristão não julga quem não conhece e, quando emite um juízo, sabe que este deve subordinar-se sempre a uns requisitos de tempo, de lugar e de matizes, sem os quais poderia converter-se facilmente em detração ou difamação. Por caridade e por honradez, teremos além disso o cuidado de não converter em juízo inamovível o que foi uma simples impressão, ou de não transmitir como verdade o que “disseram”, ou a simples notícia sem confirmação que fere o bom nome de uma pessoa ou de uma instituição.

Se a caridade nos inclina a ver os defeitos alheios unicamente num contexto de virtudes e de qualidades positivas, a humildade leva-nos a descobrir em nós mesmos tantos erros e defeitos que não quereremos senão pedir perdão a Deus e nunca teremos vontade de criticar os outros; pelo contrário, estaremos sempre dispostos a receber e aceitar a crítica honrada das pessoas que nos conhecem e nos apreciam. “Sinal certo da grandeza espiritual é saber deixar que nos digam as coisas, recebendo-as com alegria e agradecimento” 8. Só o soberbo é que não tolera nenhuma advertência, antes se desculpa ou reage contra quem – levado pela caridade e pela melhor das amizades – quer ajudá-lo a superar um defeito ou a evitar que se repita determinado comportamento errôneo.

Entre os muitos motivos para agradecer a Deus, oxalá possamos contar também o de ter pessoas ao nosso lado que saibam dizer-nos oportunamente o que fazemos mal e o que podemos e devemos fazer melhor, numa crítica amiga e honesta.

A Virgem Santa Maria sempre soube dizer a palavra adequada; nunca murmurou e muitas vezes guardou silêncio.

(1) Mt 7, 3-5; (2) Santo Agostinho, Comentário sobre os salmos, 30, 2, 7; (3) São Francisco de Sales, Introdução à vida devota, 3, 28; (4) Santa Teresa, Vida, 13, 6; (5) Gal 5, 14; (6) Mt 18, 15-17; (7) São Josemaría Escrivá, Carta, 29-IX-1957; (8) S. Canals, Reflexões espirituais, pág. 120.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal