TEMPO COMUM. VIGÉSIMO SEGUNDO DOMINGO. ANO C

– Lutar contra o desejo desordenado de louvores e de honras.
– Meios para viver a humildade.
– Os bens da humildade.

I. AS LEITURAS DA MISSA de hoje falam-nos de uma virtude que constitui o alicerce de todas as outras: a humildade. É uma virtude tão necessária que Jesus aproveita qualquer circunstância para pô-la em destaque.

No episódio narrado pelo Evangelho, o Senhor foi convi­dado para um banquete em casa de um dos principais fari­seus. Jesus repara que os convidados vão ocupando os pri­meiros lugares, os de maior honra. Quando possivelmente já estavam sentados e podia estabelecer-se uma conversa, o Se­nhor expôs-lhes uma parábola1 que terminou com estas pa­lavras: Quando fores convidado, vai tomar o último lugar, para que, quando vier o que te convidou, te diga: Amigo, vem mais para cima. Então serás honrado na presença de todos os convivas. Porque todo aquele que se exalta será humilhado; e aquele que se humilha será exaltado.

Esta parábola recorda-nos a necessidade de ocuparmos o nosso lugar, de evitarmos que a ambição nos cegue e nos leve a converter a vida numa corrida louca atrás de postos cada vez mais altos; postos que em muitos casos não tería­mos condições de exercer e que talvez nos viessem a humi­lhar mais tarde.

A ambição, uma das formas de soberba, é causa fre­qüente de mal-estar em quem se deixa levar por ela. “Por que ambicionas os primeiros lugares? Para estar por cima dos outros?”, pergunta-nos São João Crisóstomo2. Todos os homens têm o desejo – certamente bom e legítimo – de des­frutar de apreço e consideração no meio em que vivem, mas a ambição aparece no momento em que esse desejo se torna desordenado.

A verdadeira humildade não se opõe ao legítimo desejo de progredir na vida social, de gozar do devido prestígio profissional, de receber louvor e honra. Tudo isso é compatí­vel com uma profunda humildade; mas quem é humilde não gosta de exibir-se. No posto que ocupa, sabe que o seu obje­tivo não é brilhar e ser considerado, mas cumprir uma mis­são diante de Deus e a serviço dos outros.

Esta virtude não tem nada a ver com a timidez, a pusilanimidade ou a mediocridade. A humildade leva-nos a ter plena consciência dos talentos que Deus nos deu, mas para fazê-los render com o coração reto; impede-nos a desordem de nos jactarmos deles e de cairmos na presunção; leva-nos a ser sabiamente moderados e a dirigir para Deus os desejos de glória que se escondem no coração humano: Non nobis, Domine, non nobis. Sed nomini tuo da gloriam3. Não para nós, Senhor, não para nós, mas para Ti seja toda a glória.

A humildade faz que tenhamos consciência clara de que os nossos talentos e virtudes, tanto naturais como na ordem da graça, pertencem a Deus, porque da sua plenitude, todos recebemos4. Tudo o que é bom vem de Deus; a deficiência e o pecado, esses, sim, são nossos. Por isso, “a viva consi­deração das graças recebidas torna-nos humildes, porque o conhecimento gera o reconhecimento” 5.

Penetrar, com a ajuda da graça, naquilo que somos e na grandeza da bondade divina, permite que nos coloquemos no nosso lugar; antes de mais nada, diante de nós mesmos: “Por acaso os mulos deixam de ser animais torpes e disfor­mes por estarem carregados de perfumes e móveis preciosos do príncipe?” 6 Esta é a verdadeira realidade da nossa vida: Ut iumentum factus sum apud te, Domine 7, diz a Sagrada Escritura: somos como um jumento que o amo, quando quer, carrega com tesouros valiosíssimos.

II. PARA CRESCERMOS na virtude da humildade, é necessá­rio que, a par do reconhecimento do nosso nada, saibamos olhar e admirar os dons que o Senhor nos concede, os talentos de que espera fruto. “Apesar das nossas misérias pes­soais, somos portadores de essências divinas de um valor inestimável: somos instrumentos de Deus. E como queremos ser bons instrumentos, quanto mais pequenos e miseráveis nos sintamos, com verdadeira humildade, tanto mais Nosso Senhor porá em nós tudo o que nos faltar”8. Iremos pelo mundo com essa altíssima dignidade de ser “instrumentos de Deus” para que Ele atue no mundo. Humildade é reconhe­cer que valemos pouco – nada -, e ao mesmo tempo saber-mo-nos “portadores de essências divinas de um valor inesti­mável”.

Esta visão, a mais real de todas, leva-nos ao agradeci­mento contínuo, às maiores audácias espirituais porque nos apoiamos no Senhor, a olhar para os outros com todo o res­peito e a não mendigar pobres louvores e admirações huma­nas que valem tão pouco e duram tão pouco.

A humildade elimina os complexos de inferioridade – que com freqüência resultam da soberba ferida -, torna-nos alegres e serviçais, sequiosos de amor de Deus: “Nosso Senhor porá em nós tudo o que faltar”.                     

Para aprendermos a caminhar pela senda da humildade, temos que saber aceitar as humilhações externas que certa­mente encontraremos no decorrer das nossas jornadas, pedin­do ao Senhor que nos ensine a considerá-las como um dom divino que nos permite desagravá-lo, purificar-nos e cumular-nos de amor ao Senhor, sem nos deixarmos abater, recorren­do ao Sacrário se alguma vez nos doem um pouco mais.

A sinceridade plena conosco próprios é um meio seguro de crescermos nesta virtude. Devemos chegar a essa profun­didade que só é possível no exame de consciência feito na presença de Deus; a essa sinceridade com o Senhor que nos levará a pedir-lhe perdão muitas vezes, porque as nossas fra­quezas são muitas.

Aprender a retificar é também um caminho seguro de humildade. “Só os tolos é que são cabeçudos; os muito to­los, muito cabeçudos” 9. Os assuntos humanos não têm uma solução única; “também os outros podem ter razão: vêem a mesma questão que tu, mas de um ponto de vista diferente, com outra luz, com outra sombra, com outros contornos” 10, e essa confrontação de pareceres é sempre enriquecedora. O soberbo que nunca dá o braço a torcer, que sempre se julga possuidor da verdade em coisas de per si opináveis, nunca participará de um diálogo aberto e enriquecedor. Além disso, retificar quando nos enganamos não é só questão de humil­dade, mas de elementar honradez.

Todos os dias deparamos com muitas ocasiões de prati­car essa virtude: sendo dóceis aos conselhos de quem nos orienta espiritualmente; acolhendo de bom grado as indica­ções e correções que nos fazem; lutando contra a vaidade, sempre viva; reprimindo a vontade de dizer sempre a última palavra; procurando não ser o centro das atenções; reconhe­cendo os nossos erros e equívocos em matérias em que pare­cíamos ter plena certeza de estar na verdade; esforçando-nos por ver sempre o nosso próximo com uma visão otimista e positiva; não nos considerando imprescindíveis…

III. EXISTE UMA FALSA HUMILDADE que nos move a dizer “que não somos nada, que somos a própria miséria e o lixo do mundo; mas sentiríamos muito que nos tomassem a pala­vra ao pé da letra e a divulgassem. Em sentido contrário, fingimos esconder-nos e fugir para que nos procurem e per­guntem por nós; damos a entender que preferimos ser os úl­timos e situar-nos num canto da mesa, para que nos dêem a cabeceira. A verdadeira humildade procura não dar aparentes mostras de sê-lo, nem gasta muitas palavras em proclamá-lo”11. E o mesmo São Francisco de Sales volta a aconse­lhar-nos: “Não abaixemos nunca os olhos, mas humilhemos os nossos corações; não demos a entender que queremos ser os últimos, se desejamos ser os primeiros” 12. A verdadeira humildade está cheia de simplicidade e brota do mais pro­fundo do coração, porque é antes de mais nada uma atitude diante de Deus.

Da humildade derivam inúmeros bens. O primeiro deles é podermos ser fiéis ao Senhor, pois a soberba é o maior obstáculo que se interpõe entre Deus e nós. A humildade atrai sobre si o amor de Deus e o apreço dos outros, ao pas­so que a soberba os repele. Por isso, a primeira Leitura da Missa13 aconselha-nos: Nos teus assuntos, procede com hu­mildade, e haverão de amar-te mais que ao homem genero­so. E na mesma passagem: Torna-te pequeno nas grandezas humanas, e alcançarás o favor de Deus, porque è grande a misericórdia de Deus, e Ele revela os seus segredos aos hu­mildes.

O homem humilde compreende melhor a vontade divina e sabe o que Deus lhe vai pedindo em cada circunstância. Por isso, está centrado, sabe estar no seu lugar e é sempre uma ajuda; chega a conhecer melhor os próprios assuntos humanos, pela sua natural simplicidade. O soberbo, pelo contrário, fecha as portas ao que Deus lhe pede, pois só tem olhos para os seus gostos, as suas ambições, a realização dos seus caprichos; mesmo nas coisas humanas, engana-se com freqüência, pois vê tudo sob o prisma deformado do seu olhar doente.

A humildade dá consistência a todas as virtudes. De mo­do especial, o humilde respeita os outros, as suas opiniões e as suas coisas; possui uma especial fortaleza, pois apóia-se constantemente na bondade e onipotência de Deus: Quando sou fraco, então sou forte 14, proclamava São Paulo. A nossa Mãe Santa Maria, em quem o Senhor fez grandes coisas porque viu a sua humildade, há de ensinar-nos a ocupar o lugar que nos corresponde diante de Deus e dos outros. Ela nos ajudará a progredir nesta virtude e a amá-la como um dom precioso.

(1) Lc 14, 1; 7-11; (2) São João Crisóstomo, Homílias sobre o Evan­gelho de São Mateus, 65, 4; (3) SI 113, 1; (4) Jo 1, 16; (5) São Francisco de Sales, Introdução à vida devota, III, 4; (6) ik; (7) SI 72, 23; (8) São Josemaria Escrivá, Carta, 24-111-1931; (9) São Josemaria Escrivá, Sulco, n. 274; (10) ib., n. 275; (11) São Francisco de Sales, op. cit., pág. 159; (12) /6.; (13) Eclo 3, 19-21; 30-31; (14) 2 Cor 12, 10.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal