TEMPO COMUM. VIGÉSIMA PRIMEIRA SEMANA. SÁBADO
– A parábola dos talentos. Recebemos muitos bens e dons do Senhor. Somos administradores e não donos.
– Responsabilidade de fazer render os talentos pessoais.
– Omissões. Atuação dos cristãos na vida social e na pública.
I. O SENHOR, DEPOIS DE FAZER um apelo à vigilância, propõe no Evangelho da Missa1 uma parábola que é uma nova chamada à responsabilidade perante as graças que recebemos. Um homem rico – diz‑nos – teve de sair de viagem e, antes de partir, confiou aos seus servos todos os seus bens para que os administrassem e fizessem render. A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, segundo a capacidade de cada um. O talento era uma unidade contábil que equivalia a cerca de cinqüenta quilos de prata, e utilizava‑se para medir grandes quantias de dinheiro2. Nos tempos de Cristo, valia perto de seis mil denários, e um denário aparece no Evangelho como o salário de um dia de um trabalhador do campo. Mesmo o servo a quem menos bens se confiou (um talento) recebeu do Senhor uma quantia de dinheiro muito grande. Um primeiro ensinamento desta parábola: recebemos bens incontáveis.
Entre outros dons, recebemos a vida natural, o primeiro presente de Deus; a inteligência, para compreender as verdades criadas e através delas ascender até o Criador; a vontade, para querer o bem, para amar; a liberdade, com a qual nos dirigimos como filhos para a Casa paterna; o tempo, para servir a Deus e dar‑lhe glória; bens materiais, para realizar boas obras em favor da família, da sociedade, dos mais necessitados…
Em outro plano, incomparavelmente mais alto e de maior valor, recebemos a vida da graça – participação na vida eterna de Deus –, que nos torna membros da Igreja e beneficiários da Comunhão dos Santos, e a chamada de Deus para segui‑lo de perto. Temos à nossa disposição os sacramentos, especialmente o dom inestimável da Sagrada Eucaristia; foi‑nos dada como Mãe a Mãe de Deus; recebemos os sete dons do Espírito Santo que nos impelem constantemente a ser melhores; e um Anjo que nos guarda e protege…
Recebemos a vida e os dons que a acompanham como um legado, para fazê‑los render. E desse legado hão de pedir‑nos contas no final dos nossos dias. Somos administradores de uns bens, alguns dos quais só possuiremos durante este curto tempo de vida. Depois o Senhor dir‑nos‑á: Dá‑me contas da tua administração. Não somos donos, mas apenas gestores de um cabedal divino.
Há, assim, duas maneiras de entender a vida: sentirmo‑nos administradores e fazer render o que recebemos com responsabilidade, diante de Deus, ou viver como se fôssemos donos, em benefício da nossa própria comodidade, do nosso egoísmo e dos nossos caprichos. Perguntemo‑nos hoje, na nossa oração, qual dessas duas atitudes é a nossa.
II. O SENHOR ESPERA VER o seu patrimônio bem administrado; e espera um rendimento de acordo com o que recebemos. O prêmio é imenso: esta parábola ensina que o muito daqui, da nossa vida na terra, é pouco em relação com o prêmio do Céu. Assim o compreenderam os dois primeiros servos da parábola: puseram em jogo os talentos recebidos e ganharam com eles outro tanto. Por isso, cada um deles pôde ouvir dos lábios do seu Senhor estas palavras: Muito bem, servo bom e fiel; porque foste fiel no pouco, eu te constituirei sobre o muito; entra na alegria do teu Senhor. Fizeram o melhor negócio: ganhar a felicidade eterna.
Os bens desta vida, ainda que sejam muitos, são sempre pouco em comparação com o que Deus dará aos que o servem e amam.
O terceiro servo enterrou o seu talento na terra, não negociou com ele: perdeu o tempo e não tirou nenhum proveito daquilo que tinha recebido. A sua vida foi um cúmulo de omissões, de oportunidades desperdiçadas, de bens materiais e de tempo mal gastos. Apresentou‑se diante do seu Senhor de mãos vazias. A sua existência foi um viver inútil em relação ao que realmente importava: ocupou‑se talvez em outras coisas, mas não levou a cabo o que realmente se esperava dele.
Enterrar o talento que Deus nos confiou é ter capacidade de amar e não amar, poder tornar felizes os que estão junto de nós e deixá‑los na tristeza e na infelicidade; ter bens e não fazer o bem com eles; poder levar os outros a Deus e desaproveitar as oportunidades, por pensar que ninguém nos manda meter‑nos na vida dos outros, quando é Cristo que no‑lo manda; é abandonar a prática religiosa ou mantê‑la num mínimo medíocre, quando a vida interior de oração e sacrifício está chamada a crescer…
Para o estudante, fazer render os talentos significa estudar em consciência, aproveitando bem o tempo, sem deixar‑se contagiar nesciamente pela ociosidade dos outros. Para o profissional, para a dona de casa, fazer render os talentos significa realizar um trabalho exemplar, intenso, em que se tem presente a pontualidade e a perfeição na execução. De maneira especial, Deus há de pedir‑nos contas daqueles que, por diversos motivos, tenha colocado sob os nossos cuidados. Santo Agostinho diz que quem está à frente dos seus irmãos e não se preocupa com eles é foenus custos, um guardião de palha, como um espantalho que nem sequer serve para afugentar os pássaros que vêm e comem as uvas3.
Seria triste se, olhando para trás, a nossa vida passada desfilasse diante de nós como uma grande avenida de ocasiões perdidas, se percebêssemos nesse momento que a capacidade que Deus nos deu tinha estacionado numa via morta por preguiça, abandono ou egoísmo. Nós queremos servir o Senhor; mais do que isso: é a única coisa que nos importa. Peçamos‑lhe que nos ajude a dar frutos de santidade: de amor e sacrifício. E que estejamos convencidos de que não basta, não é suficiente simplesmente “não cometer o mal”, é necessário “negociar o talento”, fazer positivamente o bem.
III. PÔR EM JOGO os talentos recebidos abarca todas as manifestações da vida pessoal e social. A vida cristã leva‑nos a desenvolver a personalidade, a capacidade de amizade, de cordialidade, as possibilidades de fazer o bem… Temos que exercitar essas qualidades através de iniciativas cheias de fé, que nos hão de levar a vencer os respeitos humanos e a provocar conversas a sós que animem os nossos parentes, amigos ou colegas de trabalho a aproximar‑se de Deus, a retificar defeitos do caráter que comprometem o rendimento profissional ou a paz familiar, a ser muito responsáveis na educação humana e religiosa dos filhos.
Temos que ser homens empreendedores, que lançam ou secundam com o seu tempo e trabalho atividades de benemerência, obras de promoção do meio social e sobretudo de formação humana e cristã da juventude. O mundo dos nossos dias afunda‑se na apatia e na desilusão, no desconcerto e na crítica negativa. Um punhado de homens de esperança, decididos e audazes, pode devolver‑lhe o entusiasmo, a grandeza de alma e o otimismo cristão. E nós temos de ser esse pequeno fermento que leveda toda a massa. Que o Senhor possa dizer‑nos um dia, após uma vida em que não nos omitimos: Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, estava nu e me vestistes4.
O tempo com que podemos contar para realizar o que Deus quer de nós é sempre escasso; não sabemos até quando se prolongarão esses dias que fazem parte do talento que recebemos. Todos os dias podemos tirar muito rendimento dos dons que Deus colocou em nossas mãos: uma infinidade de pequenas tarefas, uma seqüência de pequenos atos de fé e de serviço podem preencher a medida do rendimento que Deus espera de nós. Não pensemos em grandes façanhas. Humildemente, pensemos nos dons que Deus nos deu e partamos deles – do que temos e somos com a graça de Deus – para multiplicá‑los numa cadeia de boas obras constantes, cuja continuidade estará assegurada porque não se tratará de uma obra humana, mas de uma colaboração com os planos divinos.
A Confissão freqüente ajudar‑nos‑á a evitar as omissões que empobrecem a vida de um cristão. “Nela (na confissão freqüente) deve prestar‑se especial atenção aos deveres descuidados, ainda que com freqüência sejam deveres de pouca importância, às inspirações da graça que ficaram sem correspondência, às ocasiões de fazer o bem que foram desaproveitadas, aos momentos perdidos, ao amor ao próximo não demonstrado ou demonstrado insuficientemente. Devem despertar nela um profundo e sério pesar e uma decidida vontade de lutar conscientemente contra as menores omissões de que tenhamos consciência. Se recorrermos à Confissão com esse propósito, ser‑nos‑á concedida na absolvição do sacerdote a graça de reconhecermos melhor essas omissões e de as tomarmos a sério”5. Com essa graça do sacramento, ser‑nos‑á mais fácil evitar esses pecados de omissão e cumular a vida de frutos abundantes para Deus. Porque foste fiel no pouco, eu te constituirei sobre o muito.
(1) Mt 25, 14‑30; (2) cfr. 2 Sam 12, 30; 2 Rs 18, 14; (3) cfr. Santo Agostinho, Miscellanea agustianensis, Roma, 1930, vol. I, pág. 568; (4) cfr. Mt 25, 35 e segs.; (5) B. Baur, La confesión frecuente, págs. 112‑113.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal