TEMPO COMUM. VIGÉSIMO QUINTO DOMINGO. ANO C

– Parábola do administrador infiel.
– Utilizar todos os meios lícitos no serviço de Deus.
– Meios humanos e meios sobrenaturais.

I. A PRIMEIRA LEITURA da Missa1 faz ressoar aos nossos ouvidos as fortes censuras dirigidas pelo profeta Amós aos comerciantes que se enriquecem à custa dos pobres: alteram o peso, vendem mercadorias deterioradas, fazem subir os preços aproveitando momentos de necessidade… São inúmeros os meios injustos de que se servem para fazer prosperar os seus negócios.

No Evangelho da Missa 2, o Senhor serve‑se de uma parábola para falar da habilidade de um administrador que é chamado a prestar contas da sua gestão, e que é acusado de malversar os bens do seu senhor. O administrador pôs‑se a refletir sobre o que o esperava: Cavar não posso, de mendigar tenho vergonha. Já sei o que hei de fazer, para que haja quem me receba em sua casa quando for removido da administração. Chamou os devedores do seu amo e fez com eles um acordo que os favorecia. Ao primeiro que se apresentou, disse‑lhe: Quanto deves ao meu senhor? Ele respondeu: Cem medidas de azeite. Então disse‑lhe: Toma a tua obrigação, senta‑te depressa e escreve cinqüenta. Depois disse a outro: E tu quanto deves? E ele respondeu: Cem alqueires de trigo. Disse‑lhe o feitor: Toma as tuas letras e escreve oitenta.

O dono teve notícia do que o administrador tinha feito e louvou‑o pela sua sagacidade. E Jesus, talvez com um pouco de tristeza, acrescentou: Os filhos deste mundo são mais hábeis nas suas coisas do que os filhos da luz. O Senhor não louva a imoralidade desse intendente que, no pouco tempo que lhe restava, preparou uns amigos que depois o recebessem e ajudassem. “Por que o Senhor narrou esta parábola? – pergunta Santo Agostinho –. Não porque aquele servo fosse um exemplo a ser imitado, mas porque foi previdente em relação ao futuro, a fim de que se envergonhe o cristão que não tenha essa determinação” 3; louvou‑lhe o empenho, a decisão, a astúcia, a capacidade de sobrepor‑se e resolver uma situação difícil, sem se deixar levar pelo desânimo.

Podemos observar com freqüência como é grande o esforço e os inúmeros sacrifícios que muitas pessoas fazem para conseguir mais dinheiro, para subir na escala social… Noutros casos, ficamos espantados até com os meios que empregam para fazer o mal: imprensa, editoras, televisão, projetos de todo o tipo… E nós, cristãos, devemos pôr ao menos esse mesmo empenho em servir a Deus, multiplicando os meios humanos para fazê‑los render em favor dos mais necessitados: em atividades de ensino, de assistência, de beneficência… O interesse que os outros têm nos seus afazeres terrenos, devemos nós tê‑lo em ganhar o Céu, em lutar contra o que nos separa de Cristo.

“Que empenho põem os homens nos seus assuntos terrenos!: sonhos de honras, ambição de riquezas, preocupações de sensualidade. – Eles e elas, ricos e pobres, velhos e homens feitos e moços e até crianças; todos a mesma coisa.

“– Quando tu e eu pusermos o mesmo empenho nos assuntos da nossa alma, teremos uma fé viva e operante; e não haverá obstáculo que não vençamos nos nossos empreendimentos apostólicos” 4.

II. OS FILHOS DO MUNDO parecem às vezes mais conseqüentes com a sua forma de pensar. Vivem como se só existisse este mundo e labutam nele sem freio nem medida. O Senhor deseja que ponhamos nas coisas que lhe dizem respeito – a santidade pessoal e o apostolado – ao menos o mesmo empenho que os outros põem nos seus negócios terrenos; quer que nos devotemos aos assuntos da alma e do reinado de Cristo com interesse, com alegria, com entusiasmo, e que encaminhemos todas as coisas para esse fim, que é o único que realmente vale a pena.

Nenhum ideal é comparável ao de servir a Cristo, utilizando os dons recebidos como meio para um fim que ultrapassa este mundo passageiro.

Ao terminar a parábola, o Senhor recorda‑nos: Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará um e amará o outro, ou se afeiçoará àquele e desprezará este. Não podeis servir a Deus e às riquezas. Temos apenas um Senhor, e devemos servi‑lo com todo o nosso coração, com os talentos que Ele mesmo nos deu, empregando nesse serviço todos os meios lícitos, a vida inteira. Temos de orientar para Deus, sem exceção, todos os atos da nossa vida: o trabalho, os negócios, o descanso… O cristão não tem um tempo para Deus e outro para os assuntos deste mundo: estes devem converter‑se em serviço a Deus pela retidão de intenção. “É uma questão de segundos… Pensa antes de começar qualquer trabalho: – Que quer Deus de mim neste assunto? – E, com a graça divina, faze‑o” 5.

Para ser bom administrador dos talentos que recebeu, dos bens de que deve prestar contas, o cristão deve saber ainda, como manifestação e contraprova do seu amor a Deus, dirigir as suas ações para a promoção do bem comum, encontrando para isso as soluções adequadas, com engenho, com “profissionalismo”, levando adiante ou colaborando em empreendimentos ou obras boas a serviço dos outros, tendo a convicção de que valem mais a pena que o negócio mais atraente. São os leigos “quem deve intervir nas grandes questões que afetam a presença direta da Igreja no mundo tais como a educação, a defesa da vida e do meio ambiente, o pleno exercício da liberdade religiosa, a presença da mensagem cristã nos meios de comunicação social. Nestas questões, devem ser os próprios leigos cristãos, enquanto cidadãos e através dos canais a que têm legítimo acesso no desenvolvimento da vida pública, quem faça ouvir a sua voz e prevalecer os seus justos direitos” 6. Assim serviremos a Deus no meio do mundo.

Mobilizando todos os meios ao nosso alcance, temos de trabalhar, “com um entusiasmo e energia renovados, por refazer o que foi destruído por uma cultura materialista e hedonista, e por avivar o que existe apenas debilmente. Não se trata já de revigorar as raízes. Em não poucos casos, em não poucos ambientes, trata‑se de começar desde o princípio, quase a partir do zero. Por isso é possível falar hoje de uma nova Evangelização” 7. A tarefa que o Senhor nos confia – através do seu Vigário na terra 8 – é imensa. Não deixemos de empenhar nela o nosso tempo, o prestígio profissional, a ajuda material…

“Já o disse o Mestre: oxalá nós, os filhos da luz, ponhamos, em fazer o bem, pelo menos o mesmo empenho e a obstinação com que se dedicam às suas ações os filhos das trevas!

“– Não te queixes: trabalha antes para afogar o mal em abundância de bem” 9.

III. AINDA QUE SEJA a graça que transforma os corações, o Senhor quer que utilizemos meios humanos na nossa ação apostólica, todos os que estiverem ao nosso alcance. São Tomás de Aquino ensina 10 que seria tentar a Deus não fazer aquilo que podemos e esperar tudo dEle. Este princípio também se aplica à atividade apostólica, em que o Senhor espera dos seus discípulos uma cooperação sábia, efetiva e abnegada. Não somos instrumentos inertes.

Os filhos da luz devem ser tão hábeis como os filhos deste mundo, e acrescentar aos meios sobrenaturais os talentos humanos, os dons de simpatia e comunicabilidade, a arte da persuasão, a fim de conquistarem uma alma para Cristo.

E nas obras apostólicas de formação, de ensino… serão necessários ainda os meios econômicos, como o próprio Senhor indicou: Quando eu vos mandei sem bolsa, e sem alforje, e sem sandálias, faltou‑vos porventura alguma coisa? Eles disseram: Nada. Disse‑lhes pois: Mas agora quem tem bolsa, tome‑a, e também alforje, e quem não tem espada, venda a sua túnica e compre uma 11. O próprio Jesus, para realizar a sua missão divina, quis servir‑se muitas vezes de meios terrenos: cinco pães e dois peixes, um pouco de barro, os bens de umas piedosas mulheres…

Sabemos muito bem que a missão apostólica a que o Senhor nos chama ultrapassa a capacidade dos meios humanos ao nosso dispor, e por isso nunca deixaremos de lado os sobrenaturais, como se fossem secundários. Não poremos a nossa confiança na sagacidade pessoal, no poder de persuasão da nossa palavra, nos bens que são o suporte material de um empreendimento apostólico, mas na graça divina, que fará milagres com esses meios. Esta confiança no poder divino levar‑nos‑á, entre outras coisas, a não esperar ter à mão todos os meios humanos necessários (talvez nunca cheguemos a tê‑los) para começar a agir, e menos ainda a desistir de continuar certos trabalhos ou de começar outros novos: “Começa‑se como se pode” 12. E pediremos a Jesus o que nos falta e atuaremos com a liberdade e audácia que nos dá a absoluta confiança em Deus.

“Achei graça à tua veemência. Perante a falta de meios materiais de trabalho e sem a ajuda de outros, comentavas: «Eu só tenho dois braços, mas às vezes sinto a impaciência de ser um monstro de cinqüenta, para semear e apanhar a colheita».

“– Pede ao Espírito Santo essa eficácia… Ele ta concederá!” 13

(1) Am 8, 4‑7; (2) Lc 16, 1‑13; (3) Santo Agostinho, Sermão 359, 9‑11; (4) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 317; (5) ibid., n. 778; (6) Card. A. Suquía, Discurso à Conferência Episcopal Espanhola, 19.02.90; (7) ibid.; (8) cfr. João Paulo II, Exortação Apostólica Christifideles laici, 30.12.88, 34; (9) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 848; (10) São Tomás de Aquino, Suma teológica, II‑II, q. 53, a. 1 ad 1; (11) Lc 22, 35‑37; (12) cfr. São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 488; (13) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 616.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal